Domingo, 27 de Julho de 2025
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Sábado, 26 Julho 2025 17:52

China e Líbano: Os novos donos do mercado não petrolífero angolano?

Num momento em que Angola está a tentar virar a página da sua velha dependência do petróleo, é importante pararmos e pensarmos: afinal de contas, quem é que realmente está a controlar e a investir nos outros sectores da nossa economia, fora o petróleo?

Olhando bem para os factos, tanto nos números como no que se vê no dia a dia, percebemos que dois grupos se destacam: os chineses e os libaneses. Cada um à sua maneira, estão a moldar a nossa economia não petrolífera.

Por um lado, os chineses são hoje sem sombras de dúvidas os maiores investidores estrangeiros nos sectores não petrolíferos. Vale referenciarmos, que com o término da nossa guerra civil em 2002, os acordos entre Angola e a China deram uma nova cara ao país. Foram construídas estradas, caminhos-de-ferro, escolas, hospitais, e até o novo Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, tudo isso graças a financiamentos garantidos pelo nosso próprio petróleo. Tais obras, claro, foram quase sempre feitas por empresas chinesas.

Mas os chineses não ficaram só pelas obras grandes. Estão também na indústria de transformação, principalmente na Zona Económica Especial Luanda-Bengo (ZEE), nas tecnologias de informação com empresas como a Huawei e a ZTE, nos grandes centros comercias como Cidade da China, Kilamba Shopping, Shopping Popular, Walema Park com ofertas de bem e serviços cujos preços estão ao alcance dos bolsos dos angolanos e até no comércio a grosso. Ainda assim, neste último ponto, quem manda mesmo são os libaneses.

É precisamente nesta página que entra a outra força, mais silenciosa, mas muito firme: a comunidade libanesa. Já estão cá há muitos anos e criaram uma rede bem organizada de negócios, com laços familiares fortes. Hoje em dia, dominam boa parte do comércio grossista e retalhista, importam produtos essenciais, controlam a distribuição alimentar e têm grande presença no sector da hotelaria e da restauração. Basta dar uma volta por Luanda ou outras grandes cidades, percebe-se logo: nos supermercados, nas lojas grandes, nas transportadoras, estão lá os libaneses.

Desta maneira, podemos considerar o seguinte binómio: se os chineses constroem o país com grandes obras e infraestruturas, os libaneses movimentam o dia a dia da economia, fazendo chegar os produtos aos mercados, aos armazéns e às casas das famílias.

Hoje, a maioria dos produtos que o cidadão comum consegue comprar, desde panelas, roupas, pastas, brinquedos, móveis e até aparelhos electrónicos, vêm da China. Isso tem efeitos directos no bolso e na vida dos angolanos:

Preços mais em conta: os produtos chineses geralmente são mais baratos, o que encaixa melhor no orçamento apertado da maioria das famílias, que cada vez mais sofre com a volatilidades dos preços a nível do mercado.

Variedade: há produtos para quase todos os gostos e bolsos, desde os mais simples até os médios.

Menos dependência do Ocidente: como os produtos europeus e brasileiros ficaram muito caros, os chineses tomaram conta do espaço, principalmente nas lojas formais, perdendo apenas para os libaneses, que dominam a informalidade.

Entretanto, não podemos ignorar o facto de que existam partes que criticam a qualidade de alguns produtos chineses. Mas, constitui uma grande verdade irrefutável que hoje, o angolano baixo e médio depende fortemente desses produtos para viver o dia a dia.

Enquanto isso, do outro lado, os libaneses continuam a operar de forma rápida, com muita flexibilidade e conhecimento do terreno. Sabem mexer-se bem no contexto angolano, muitas vezes superando empresas nacionais e até outras estrangeiras, principalmente na capacidade de abastecer o mercado e fidelizar o cliente.

Mas, mesmo com esses ganhos, essa relação levanta preocupações sérias. O investimento chinês, por exemplo, embora tenha melhorado muito a infraestrutura do país, pode acabar por aumentar o índice de endividamento e dependência, principalmente se não vier acompanhado de transferência de tecnologia ou capacitação para os angolanos.

Do lado dos libaneses, o problema é a informalidade. Muito do comércio acontece à margem da lei, com pouca fiscalização, o que atrapalha a concorrência justa e prejudica as empresas nacionais, que não conseguem competir em pé de igualdade.

Esses dois eixos constituem sem dúvida, o binómio de preocupação que deveríamos levar em atenção e refletirmos sobre quais medidas seriam mais adequadas, para contornar essas variáveis. Em observância a isto, para que essa presença estrangeira continue a ser uma mais-valia e não vire uma armadilha, o Estado angolano precisa tomar algumas medidas estratégicas:

1Negociar melhor com a China, exigindo benefícios reais para Angola, como formação para jovens, mais empregos qualificados para nacionais e apoio ao crescimento das cadeias de valor locais.

2 Organizar o comércio informal, com leis claras e fiscalização firme, garantindo que todos (nacionais e estrangeiros) joguem segundo as mesmas regras.

3 Apoiar os empresários angolanos, com acesso a crédito, formação e menos burocracia, para que possam competir de verdade.

4 Apostar em fábricas com capital chinês, mas que sirvam para substituir importações e aumentar a produção nacional.

Diversificar a economia é mais do que uma meta bonita no papel, é uma urgência. Mas não se faz só com capital estrangeiro. É preciso visão do Estado, coragem para regular e incluir os angolanos nesse jogo.

Entre as obras dos chineses e o comércio dos libaneses, Angola ainda está à procura do seu caminho para ser dona do seu próprio futuro. Porque o que está em causa não é só economia, é soberania.

A presença chinesa já mudou o nosso cotidiano: das telecomunicações aos eletrodomésticos, dos móveis às roupas, quase tudo tem “Made in China”. Agora, o desafio é transformar essa realidade numa parceria cada vez mais justa, que fortaleça a indústria nacional e sirva, antes de tudo, ao povo angolano, tal como tem vindo a ser ate então.

Por Juvenal Quicassa,

 Especialista em Relações Internacionais

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