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Quinta, 24 Fevereiro 2022 22:37

EUA (OTAN) e União Europeia, sanções econômico-financeiras contra a Rússia (III)

As intervenções militares russas na Ucrânia eram previsíveis, mais tarde ou mais cedo teriam mesmo de acontecer, e isso tornou-se duas vezes mais evidente depois que os EUA (NATO) não aceitaram nenhum dos pontos das exigências russas descritas nas suas propostas de segurança, isso aumentou as tensões entorno da República ucraniana.

O aumento da crise e das tensões entorno da Ucrânia envolvendo as grandes organizações e superpotências militares mundiais, de um lado demonstra o quanto a Ucrânia é um País estratégico e que vários interesses pairam dentro e em volta das suas esferas territoriais, do outro lado esses mesmos interesses externos podem levar a Ucrânia a ser ou um País cada vez mais vassalo do ocidente ou até mesmo (caso as coisas se agravarem) poderá ser anexada como parte do território russo, acabando desse jeito com o sonho ucraniano de entrar um dia na União Europeia e na NATO.

Depois do anúncio da operação militar o Presidente Vladimir Putin pediu que as tropas ucranianas entregassem as suas armas e voltassem para suas casas junto das suas famílias. O Kremlin diz que se trata de uma intervenção de desarmamento da Ucrânia e de manuntenção de paz aos Estados separatistas, e não de uma guerra. Várias explosões verificaram-se nessa manhã de Quinta-Feira na capital de Kiev, Putin denominou essa intervenção de operação militar especial.

Esta crise na parte do Leste europeu até o momento trata-se de uma crise regional, também trata-se da pior crise de segurança na Europa depois da II guerra mundial. Mas se esta crise se ampliar significativamente isso poderá dar lugar à uma crise de segurança internacional porque de um lado estaremos perante à uma «guerra por procuração» isso é uma guerra em que as principais potências militares não confrontam-se directamente mas confrontam-se indirectamente apoiando e financiando os seus aliados, e essas guerras por procuração muitas das vezes podem durar anos. Por outro lado isso pode incentivar outras regiões em diferentes partes do Mundo a separarem-se, e isso criaria também uma espécie de desordem do sistema internacional.

Apesar de tratar-se de uma operação militar russa na Ucrânia, não é ainda uma operação militar no verdadeiro sentido da palavra porque não é um confronto ou guerra como tal emtre a Rússia e a Ucrânia, é na verdade uma guerra híbrida, uma intervenção estratégica, não uma guerra como tal, por isso o Presidente Putin chamou isso de operação militar especial.

Depois desse ataque russo o governo ucraniano decidiu cortar todas as relações diplomáticas com a Rússia, o Presidente Zelenskiy antes tinha declarado Estado de emergência Nacional na Ucrânia, mas após o ataque russo, Zelenskiy decidiu aplicar a lei marcial no seu País, e os cidadãos ucranianos podem pegar em armas para defenderem-se e que jamais correrão riscos de sanções jurídicas ou consequências negativas futuras, assim decidiu e declarou o Presidente ucraniano. 

Só para lembrar que nos fins de Novembro e Dezembro de 2021 o Kremlin apresentou uma série de exigências aos EUA (OTAN) em troca de retirar as suas forças militares junto das suas fronteiras com a Ucrânia, entre as exigências constam:

  1. Garantia total e permanente de que a Ucrânia, a Geórgia, a Sérvia e a Finlândia nunca viriam a fazer parte da OTAN nem hoje, nem no futuro, nem nunca;
  2. Retirada completa das forças militares e dos mísses balísticos estratégicos da NATO junto das suas fronteiras, mísses esses que encontram-se nas bases militares da Polónia, Letônia, Lituania, Romênia, Alemanha, Hungria e Itália;
  3. A não ampliação da OTAN junto do Leste europeu, respeitando deste modo o acordo político não escrito de 1989 entre os EUA (NATO) e a URSS;
  4. A não aceitação de novos membros à OTAN.

Os EUA (NATO) não aceitaram as propostas russas de segurança, respondendo que a Ucrânia é livre de decidir o seu próprio destino, criando assim um impasse nas negociações aumentando ainda mais nas tensões entre as partes. Nos fins de 2021 as tropas russas junto das suas fronteiras com a Ucrânia eram aproximadamente de 200 mil soldados, a causa das negociações político-diplomáticas que teriam de acontecer em Janeiro de 2022 o Kremlin tinha diminuído esse número para 100 mil soldados, para dar a entender ao ocidente o seu interesse em querer resolver a crise ucraniana, mas com o fracasso das negociações a Rússia decidiu aumentar o número de soldados, passando de 100 mil para 150 mil soldados, inclusive a Rússia continua aumentando o número de hospitais militares de campanhas junto das suas fronteiras com a Ucrânia, mas o Kremlin tem desmentindo essas informações justificando que isso é um jogo do ocidente para diabolizar a Rússia.

No dia 21 de Fevereiro do corrente ano de 2022 o governo russo decidiu reconhecer a independência das regiões separatistas ucranianas (Donetsk e Lugansk), territórios esses que do ponto de vista do Direito internacional ainda pertencem à Ucrânia. Mas tudo isso trata-se de uma manobra geopolítica e geoestratégica russa. Reconhecendo essas regiões isso dá maior abertura ao governo russo de estar directamente e dentro na Ucrânia mas de forma não oficial. Mas essa operação militar russa na Ucrânia muda completamente tudo porque neste caso o Kremlin está agindo em nome das suas politicas de segurança (soberania nacional) e jamais irão recuar nas suas acções e decisões sem antes atingirem os seus objetivos de interesses de Estado enquanto a NATO não aceitar fazer concessões das propostas russas.

 Essas regiões separatistas (Donetsk e Lugansk) são regiões ucranianas pro russos ou seja grande parte dos cidadãos que vivem nesses territórios são ucranianos com descendência étnica russa, por isso são apoiados e financiados pela Rússia. Estrategicamente isso dá maior segurança à Rússia, e em caso de guerra prolongada ou não contra à Ucrânia, essas regiões separatistas serviriam de portas de entrada para a Rússia para o fornecimento de armas, de soldados, logística e outras operações estratégicas russas na República da Ucrânia. Por outra esse reconhecimento russo à essas regiões é também uma forma de desestabilizar ainda mais o governo ucraniano para não insistirem em querer entrar na NATO e na União Europeia.

Após o pronunciamento político do Presidente Vladimir Putin sobre o reconhecimento das regiões separatistas ucranianas e após o início da operação militar russa na Ucrânia, a Alemanha decidiu cancelar a certificação da construção do gasoduto Nord Stream 2 (gasoduto/oleoduto de 750 milhas ou seja de 1200 quilômetros que levaria gás russo para toda a Europa passando pelo Mar Báltico), lembrando que até o momento o gás russo é enviado à Europa tendo como via de trânsito a Ucrânia.

Esta decisão do governo alemão a longo prazo perderia consistência no tempo, sendo que, Alemanha é o País europeu que mais depende do gás russo, as importações alemães nesse aspecto sobre o gás russo aumentou significativamente nos últimos dez anos. Desde 2012, a parcela do gás natural russo no consumo da Alemanha aumentou de 40% para 55%. Também no fornecimento de petróleo, a participação da Rússia aumentou no mesmo período: de 38% para 42%, Alemanha é muito dependente da Rússia, decidindo contra a Rússia nas questões econômico-comerciais é também prejudicial para o bem-estar social do seu próprio País.

O gasoduto Nord Stream2 poderia fornecer 55 bilhões de metros cúbicos de gás russo por ano aos Estados europeus. Isso representaria mais de 50% do consumo anual da Alemanha e pode valer até US$ 15 bilhões para a Gazprom, a estatal russa que controla o oleoduto. Com esse gasoduto o preço do gás russo à Europa custaria duas vezes mais barato 280 US$ por mil metros cúbicos diferente do preço actual que ronda entre os 1000 euros por mil metros cúbicos de gás, com essa tensão na Ucrânia o governo russo está a pensar em aumentar o preço do gás à Europa em 2000 euros por mil metros cúbicos.

É claro que o gasoduto Nord Stream 2 aumentaria a influência russa na Europa, por isso os EUA, o Reino Unido e a Ucrânia não querem que este gasoduto seja construído, motivo pelo qual os EUA a todo custo queriam tirar Bashar al-Assad do poder na Síria, o objectivo dos interessados na queda desse Presidente era de contornar essa dependência da Europa ao gás russo, removendo al-Assad do poder colocando lá alguém pro ocidente, a Síria serviria de País de trânsito de gás ao mesmo tempo de País fornecedor de gás à Europa, tendo em conta que a Síria é um País que tem também muito gás e outros recursos, por isso a Rússia entrou em acção protegendo al-Assad, movendo-se deste modo pelos seus interesses econômicos.

 Assim funciona a geopolítica: Política é Economia e Economia é Política, não há amigos apenas interesses, e até hoje Bashar al-Assad tem total apoio logístico, apoio humanitário e protecção estratégico-milirar russo.

O Reino Unido também anunciou uma série de sanções econômico-financeiras contra a Rússia, sanções contra bancos russos e magnatas russos, e a União Europeia também está preparando uma série de sanções unilaterais que serão anunciadas brevemente, os Estados Unidos também estão preparando um pacote de sanções contra a Rússia e contra entidades políticas e entidades empresariais russas.

Todas essas sanções não darão significativamente em nada, como já tinha explicado na parte I e II deste tema, sendo que a Europa depende muito do gás russo, além do petrólio, fertizantes, trigo, carvão e outros bens e materiais russos, essas sanções directa ou indirectamente (a longo prazo) não funcionarão, a longo prazo a União Europeia terá de voltar atrás em algumas dessas decisões, por isso vários países europeus são de opinião e de posição quase inalterável de que, as sanções não podem incluir o gás russo porque isso prejudicaria toda a Europa, e a Rússia tem usado isso como uma arma para o seu jogo político contra a Europa, e isso tem funcionando, isso durará por muito tempo se a Europa não encontrar alternativas ao gás russo.

E recentemente o Presidente Xi Jinping e Vladimir Putin encontraram-se em Pequim, os dois presidentes reforçaram a cooperação técnico-militar entre os dois países e isso em parte pesou positivamente na decisão russa em fazer uma operação militar na Ucrânia. A China apoiou a posição russa contra a Ucrânia justificando que a Rússia tem o direito de proteger seus interesses nacionais e de garantir a segurança do seu País, e a Rússia também apoiou a posição chinesa contra Taiwan e do mar do Sul da China pelo mesmo motivo de segurança Nacional e soberania do Estado chinês, e nesse mesmo encontro os dois Países assinaram um novo acordo de fornecimento de gás russo à China que será de hoje em diante de 10 bilhões de metros cúbicos de gás ao ano, um acordo econômico-comercial muito importante para os dois Países.

 Portanto as sanções europeias e americanas não afectarão significativamente o Estado russo, a Europa poderia decidir até de não comprar mais o gás russo (coisa impossível de acontecer tendo em conta a sua grande dependência e o baixo preço do gás russo), a Rússia tem a China País com muito dinheiro que poderia tranquilamente comprar todo o gás que a Rússia vende à Europa, lembrando que a Rússia fornence actuamente 11 bilhões de metros cúbicos de gás à Europa por ano, e a necessidade chinesa é maior que tudo isso, e a China tem muito dinheiro, e a agora com o nosso acordo comercial a China passará a receber 10 bilhões de metros cúbicos de gás russo (equivalente ao gás que a Europa recebe por ano), então essas sanções econômicas que serão aplicadas à Rússia por reconhecer Donetsk e Lugansk como territórios independentes e por essa operação militar à Ucrania não terão grande relevância, a própria União Europeia saíria também a perder na aplicação dessas sanções.

Economia é Política e Política é Economia, quando um perde força para agir o outro entra em acção. Economia e Política no final das contas são duas faces da mesma moeda, são dois gêmeos que têm a mesma finalidade mas agem de forma diferente, esse é o jogo russo e também o jogo chinês.

A crise entorno da Ucrânia jamais irá terminar se os EUA (OTAN) não derem garantias concretas de que a Ucrânia jamais entrará na NATO, a Ucrânia é linha vermelha para o governo russo, se esses entrarem na NATO dias depois serão instalados na Ucrânia bases militares da OTAN (bases que na verdade são bases americanas), serão instalados alí armas nucleares, radares e sistemas antimísses direccionadas ao território Russo, e isso em geopolítica constitui um perigo à soberania Nacional do País que sente-se ameaçado. Não há emoção no jogo político, cada Estado age para garantir a sua própria segurança e integridade territorial.

A via diplomática é ainda a melhor via a ser seguida, é a via mais sensata e segura a ser usada nessas tensões da Ucrânia com a Rússia, não há santos em política, todos movem-se por interesses e todos protegem as suas prioridades e interesses políticos, mas as concessões recíprocas são importantes para que se chegue à um acordo, as concessões são necessárias para a manuntenção da paz e diminuição das tensões, em diplomacia é fundamental o equilíbrio, os EUA (NATO) devem aceitar certas exigências russas e a Rússia deve abrir mão de certas exigências descritas na sua proposta de Segurança, assim funciona a diplomacia, não se ganha tudo e também não se perde tudo, mas somos concedidos aquilo que garante realmente a nossa sobrevivência como Estado ou interesse Nacional. Essa é a minha posição e visão como mediador e gestor de crises!

A Ucrânia havendo ou não garantias da parte americana (OTAN) ou da União Europeia dificilmente entrará a fazer parte da NATO, isso porque a Rússia jamais irá admitir, e esses exercícios militares decorridos nos dias 19, 20 e 21 de Fevereiro em conjunto com a Belorussia envolvendo mais de 30 mil militares russos, armas nucleares, armas hipersónicos, mísses balísticos, mísses antinávios, caças Su-24, caças su-30, caças su-57 e sistemas de defesa antimísses, foi uma clara demonstração de força por parte da Rússia, e sendo esta a maior potência nuclear do Mundo nem por loucura (como dizem certos amigos meus militares) jamais um Estado ou País ousaria ataca-lo, sendo assim, movendo-se em nome da Paz e da Segurança internacional, os EUA (OTAN) devem garantir à Rússia de que a Ucrânia não entrará na NATO e por sua vez a Rússia deve aceitar a manuntenção das bases militares da OTAN já existentes nos Países bálticos, essa é uma das vias a ser seguida, e como já fiz referência em diplomacia não se ganha tudo e também não se perde tudo, às partes devem abdicar parte dos seus interesses para se chegar à um acordo.

Eu e a Diplomacia, a Diplomacia e Eu

Elite Intelectual Diplomática

Competências Internacionais

Políticas de Segurança

No Mundo Estratégico-militar

Por Leonardo Quarenta

PhD em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Diplomacia, Mediação e Gestão de Crises

Alta Formação em Conselheiro civil e militar

Alta Formação em Políticas de Segurança

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