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Terça, 05 Outubro 2021 11:35

Os “pseudo-fantasmas” de um ex-Presidente

Todas as reacções em torno do regresso ao país do segundo Presidente da História de Angola, José Eduardo dos Santos, desde as mais sensatas, envolvendo interrogações sobre o papel político ou não que desenvolveria no país, às mais disparatadas, sobre um suposto embaraço ao partido no poder, justificam-se, na sua maioria, por uma simples e compreensível razão: nós nunca tivemos uma situação de, ao mesmo tempo, termos um Presidente em funções e um ex-Presidente vivo.

Atendendo ao longo mandato daquele último, tudo o que de bom ou mau se atribui aos 38 anos de poder, à forma como se processou a transição e como o Presidente João Lourenço provou que não seria um simples "homem ao volante", com um condutor no banco de trás, como prognosticava Isaías Samakuva (será que já está convencido do contrário?), obviamente que seriam normais, esperados e até certo ponto atendíveis esses posicionamentos fracturantes na sociedade.

Mas nada que justificam os "pseudo-fantasmas" em torno do regresso do antigo Presidente, tal como se procura alimentar e sobremaneira no momento em que se avizinham o Congresso do MPLA e depois as Eleições Gerais.

Sobre o regresso do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, afinal de contas um facto expectável, independentemente de temporariamente ter passado cerca de dois anos fora do país, foram feitas as mais variadas suposições.

Além das interrogações que espelham mesmo alguma atrapalhação ou até imbecilidade, traduzidas em perguntas do tipo "veio só mais fazer o quê", algumas análises apontavam que a chegada se devia à suposta necessidade de "negociar" com o actual poder o desfecho dos casos judiciais que envolvem os filhos.

Houve um entrevistado, numa das rádios comerciais que se ouve aqui em Luanda, a dizer alegadamente que "JES viria para combater o MPLA", que "a sua presença embaraçaria o partido no poder", perspectivando inclusive um "piscar de olhos" à oposição.

Tal como noutros países em que a referida realidade, da existência ao mesmo tempo de um Presidente e um ex-Presidente da República, dependendo de como ocorreu o processo de transição e eventuais medidas em que o sucessor se demarca ou não das políticas do antecessor, parece óbvia a tendência para as interpretações que se geram e os aproveitamentos que se fazem.

Temos de nos habituar a conviver com a perspectiva, hoje já realidade de termos um Presidente e ex-Presidente, de passarmos a ter várias entidades que passem à vida normal depois de assumirem o cargo de Chefe de Estado. E por norma, os antigos Chefes de Estado, pouco depois de deixarem o poder, quer por força dos dois mandatos previstos pela Constituição, quer em função de uma eventual derrota eleitoral, renúncia ou destituição, remetem-se quase sempre ao silêncio.

Não precisaremos de recorrer aos exemplos das democracias já consolidadas para termos uma ideia do papel que passaram a exercer os ex-Presidentes que abandonaram democraticamente o poder e que se remeteram ao silêncio, por razões óbvias.

Se olharmos para Namíbia, acompanhando os órgãos de comunicação e a vida política daquele país e as dinâmicas internas no seio do SWAPO, o partido no poder e dominante desde 1990, obviamente que uma das perguntas que virá à superfície vai ser, entre muitas outras, onde anda Sam Nujoma ou Hifikepunye Lucas Pohamba.

Foram ex-Chefes de Estado da Namíbia, que se retiraram da vida política activa e assim conseguem, obviamente, preservar o prestígio, dilatar a dignidade e merecer a atenção da sociedade, independentemente da dimensão do legado.

O mesmo se pode dizer de figuras como Rupiah Banda e mais recentemente de Edgar Lungu, ambos ex-Presidentes da vizinha Zâmbia que, depois de perderem as eleições, o primeiro em 2008 para Michael Sata, e o segundo recentemente para Hacainde Hichilema, retiraram-se da política activa.

Joseph Kabila, mesmo nas condições em que saiu do poder e independentemente de eventuais aspirações para um possível regresso, com manobras políticas aparentemente inocentes, procura não atrapalhar o exercício do poder por parte do seu sucessor.

É um costume em todo o mundo, o facto da retirada do poder, em condições normais e aceitáveis para cada realidade, envolver consequentemente a fugida da vida política activa, inclusive porque, como acontece em muitos países, um eventual retorno implicaria renúncia aos privilégios decorrentes da condição de antigo Chefe de Estado.

Quando se retirou, em 2017, uma das promessas que fez, o ex-Presidente angolano, era o de se dedicar às actividades sociais, o que era compreensível inclusive à luz do facto de ser patrono de uma fundação.

Mas de maneira alguma pressagiavam-se, com aquelas palavras, um eventual papel político, supostas interferências na governação ou "servir de sombra" ao actual Presidente, como algumas vozes insistentemente pretendem fazer crer.

Foi bom o Presidente João Lourenço, em entrevista ao jornal americano The Wall Street Journal ter desmistificado as supostas complicações ou possíveis imbróglios políticos relacionados com o regresso ao país do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

"Não pode ter implicações de nenhuma ordem, sobretudo tratando-se de alguém que dedicou toda a sua vida ao país, foi Chefe de Estado pouco menos de quatro décadas, é presidente emérito do mesmo partido em que sou o presidente", acautelou oportunamente João Lourenço, que aproveitou também para dizer que o encontro entre ambos vai acontecer naturalmente.

Logo, não faz qualquer sentido apontarem-se os "pseudo-fantasmas" em torno do regresso do ex-Presidente José Eduardo dos Santos que voltou como era expectável que voltasse, mais cedo ou mais tarde, ao seu país.

Agora, se por um lado interessa ao partido no poder demarcar-se do passado recente, não parece sensato a forma como, claramente, pretendem se desfazer da figura do antigo Presidente, primeiro porque ninguém vai apagar o que já se passou, segundo porque o mesmo não precisa de ser, nem quererá servir de "pedra no sapato" ao MPLA e em terceiro lugar o partido no poder e sobretudo as pessoas que andaram a fazer "juras de fidelidade eterna" não podem hoje ser as primeiras a fugirem do homem.

Por Faustino Henrique / JA

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