Eu fiquei tranquilo, como sempre, pois já estou habituado a ser alvo de acusações e processos. Só que, afinal, o Hitler também acabou recebendo a mesma ligação. Teve a mesma posição.
Dias depois o activista Benedito Jeremias Dalí, vindo do Moxico, onde conseguiu liderar a manifestação de 15 de Fevereiro, realizada com sucesso na cidade do Luena, recebeu uma ligação a solicitar que se deslocasse ao tribunal para que, lá, fosse notificado da acusação que pesa sobre si. O Dito decidiu não ir.
O processo (presumo) é aquele que foi aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no qual, por termos escrito frases de protesto nas camisas do uniforme prisional, esta entendeu que cometemos o “crime de destruição de património público” e o crime de “injúria” – o Processo das Camisas.
Então, quando eu concluí que a PGR regressara à sua nova temporada de palhaçadas, eis que fui informado de mais 2 processos palhaçásticos contra 3 jornalistas, a saber:
1 Rafael Marques de Morais: acusado de crime de injúria à pessoa do antigo e esquecível procurador-geral da república, João Maria de Sousa, por ter publicado no Maka Angola uma série de investigações sobre os negócios e as ilegalidades do então titular da PGR. O julgamento terá início a 5 de Março próximo. Nota: Rafael Marques foi preso em 1999 sob a acusação de ter difamado e caluniado o presidente José Eduardo dos Santos chamando-o de corrupto. Ao longo dos anos foi alvo de outros processos, sendo que um, o de 2015, quase o levou novamente à cadeia, mesmo tendo ficado clara a ausência de crime. Este processo foi movido por um grupo de generais.
2 Graça Campos e Severino Carlos: acusados de crime de injúria à pessoa do Ministro do Interior, Ângelo de Barros da Veiga Tavares. Os referidos jornalistas publicaram no Correio Angolense um texto sobre as arbitrariedades do referido ministro no seu pelouro. Nota: Graça Campos foi preso em 2007 sob acusação de ter difamado e caluniado o antigo ministro Paulo Tjipilica. Ao longo dos anos foi alvo de vários processos.
Só se pode perguntar: com tantas evidências que demonstram que Angola foi e continua a ser gerida por delinquentes, a PGR achou que não tinha mais nada a fazer senão levar avante processos contra os referidos jornalistas? A PGR acha que fica bem continuar a aventura do Processo das Camisas?
Se a PGR fizesse o seu trabalho como deve ser – e não fosse uma mentira – a esta altura Isabel dos Santos, José Filomeno dos Santos, Manuel Vicente e outros tantos delinquentes estariam na prisão a aprender que Angola não é casa das mães deles e que saquear o erário público é crime.
Mas não. A PGR insiste em prosseguir com aventuras judiciais que só a desprestigiam e levam os cidadãos a não acreditarem na mesma como instituição responsável em ser guardiã da legalidade.
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Nota: aqui vai a reprodução da conversa que tive com a secretária da Décima Terceira Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda:
"Boa tarde, é o sr. Nuno Dala?"
Eu: "afirmativo".
"Daqui é a Secretaria da Décima Terceira Secção dos Crimes Comuns do TPL. O senhor deverá na quinta-feira deslocar-se ao Tribunal, no Golf, a fim de ser notificado".
Eu: "Desde quando é que o cidadão é que tem de ir ao tribunal para ser notificado. Isto é alguma brincadeira?"
"Não. Não é brincadeira. Acontece que não temos o seu endereço"
Eu: "O meu endereço é do conhecimento do tribunal, pois o vosso oficial de diligências tem-no há muito tempo. E mesmo que ele não tivesse o endereço, eu não teria de ir ao tribunal. Que o tribunal mande um oficial ir à minha casa para me notificar. Do contrário, não irei para o tribunal."
"Só que infelizmente, o nosso colega não tem os dados certos. E ele não está aqui."
Eu: "Então é problema vosso. Eu vir aí, na quinta-feira, para ser notificado? Que brincadeira é essa? Se o vosso colega que sabe o endereço afinal não o sabe e que, além disso, ele não está aí, isto é problema vosso".
"Mas pode dar o endereço?"
Eu: "claro, aqui vai: [_________________________] Vila de Viana, Município de Viana".
E a chamada terminou.