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Domingo, 30 Dezembro 2018 11:35

O fim da visão maniqueísta do poder e ex-poder

Feliz ou infelizmente parece estar a passar, e ainda bem, a visão maniqueísta que predominou  no cenário político angolano, baseada na ideia segundo a qual estar a favor do Presidente João Lourenço pressupõe  estar,  necessariamente, contra o  ex-Presidente José Eduardo dos Santos. Nalguns círculos avançou-se mesmo a ideia de que o actual Titular do Poder  Executivo está supostamente contra o anterior, fruto da mudança que o poder político conheceu, dos pronunciamentos e das medidas ensaiadas até ao momento pelo  Executivo liderado por João Lourenço.

Por Faustino Henrique

Diz-se que todas as mudanças acarretam sempre posições desencontradas, quase sempre fracturam as sociedades, pelo menos,  em duas partes, nomeadamente entre aquelas que ficam cépticas e presas ao passado, esperando pelo melhor, e aquelas que arregaçam as mangas para o futuro. E não há dúvidas de que, seguramente, aparecem outros segmentos, alimentados pela media, que procuram exactamente sustentar eventuais cisões, crises e inimizades. A ideia de que o MPLA se encontra em crise pode ser disso um falso corolário, apenas e injustificadamente avançado por esse segmento que pretende fazer passar a ideia de que entre o Presidente da República e o ex-Presidente da República as relações passaram a "anormais".  Depois das entrevistas concedidas pelo Presidente João Lourenço em que, repetidas vezes, lhe tinha sido questionado sobre as relações com o ex-Presidente da  República, e em que respondeu serem normais, parece estar mesmo a passar a ideia de que apoiar um pressupõe estar contra o outro.

Não é possível compreender que um esteja contra o outro, independentemente ser expectável que discordem num ou em vários assuntos, porque o que está em causa é o sucesso de Angola.

O auge desta incompreensível percepção deve, em certa medida, ter acontecido a julgar pelas reacções à entrevista concedida pelo secretário-geral do MPLA em que exprimiu tão e somente o que pensa relativamente à situação política. Quando disse que em nenhuma circunstância estaria contra o ex-líder, muitos encaravam tais declarações como uma espécie de fractura ou desacerto entre o presidente do partido no poder e o seu secretário-geral, insinuando inclusive o prenúncio de um dano irreparável na relação entre ambos. Nada mais falso na medida em que o secretário-geral do MPLA exerceu apenas o que entre nós parece ter sido um parto difícil, mas com existência factual e crescimento inevitável, a saber, o exercício da liberdade de expressão à luz das leis, valores e tradições angolanos. De facto, falar livremente sobre temas que, até muito recentemente, eram tabus, sobretudo de natureza política é ainda um exercício, já não impossível, mas que envolve olhares e ouvidos nem sempre favoráveis.

As intervenções do Presidente da República, João Lourenço, quer nas vestes de Titular do Poder Executivo, quer nas vestes de presidente do partido no poder, em que se demarca de práticas do passado recente foram mais dirigidas a todo um sistema e não necessariamente contra o ex-Presidente da República.

É normal que notemos o Presidente da República a demarcar-se de práticas do passado recente, acto com o qual concorda a maior parte dos angolanos e porque constou do próprio lema de campanha do MPLA "Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal". Logo, tudo o que está a ser materializado pelo Executivo, além de ser uma emanação do programa de governação do MPLA, é completamente normal, previsível e plenamente aceitável. As eventuais falhas na metodologia ou procedimentos não podem servir para apresentar o actual Presidente da República como estando contra o ex-Presidente.

O secretário-geral do MPLA, Boavida Neto, foi objectivo relativamente a este assunto que nos remete para questão shakesperiana do "ser ou não ser", quando defendeu que se deve compensar os erros valorizando as boas coisas e  fazendo melhor. A visão maniqueísta de que João Lourenço está contra José Eduardo dos Santos deve dar  lugar à ideia de que o sucesso do primeiro não mancha o consulado do segundo e constitui apenas a vitória de todo o povo angolano. Apoiar a agenda do Presidente João Lourenço não pressupõe estar contra o ex-Presidente da mesma maneira que não se deve concluir que o sucesso de João Lourenço pode eventualmente constituir-se como uma mancha no consulado anterior. É a vitória de todos os angolanos e quanto ao resto, fundamentalmente pronunciamentos, devem  ser enquadrados e encarados sob a perspectiva de um exercício que precisa de ser reforçado: o da liberdade de expressão. Quanto à crise no seio do MPLA, real ou imaginária, vale lembrar que o partido no poder lida com crises praticamente desde a sua génese, sendo normal a existência de vozes dissonantes até aos limites estatutários e às regras intra-partidárias. Se os três meses de 2017 serviram para alimentar várias teorias de conspiração envolvendo as relações entre o Presidente João Lourenço e o antigo Presidente José Eduardo dos Santos, conhecendo o seu clímax neste ano que termina, esperemos que 2019 sirva para dissipar esse maniqueísmo (segundo o qual apoiar o primeiro é estar contra o outro), que ainda alimenta sobretudo alguma imprensa e as redes sociais. Quando Barack Obama, político democrata, foi eleito Presidente dos Estados Unidos  numa altura em que a imagem do país não era boa, questionado sobre o seu sucessor, o Presidente republicano George W. Bush,  respondeu: espero que seja bem sucedido porque o seu sucesso é o sucesso dos Estados Unidos. A analogia com Angola, relativamente ao que se passou no dia 26 de Setembro é exactamente igual e arrisco mesmo a dizer que o ex-Presidente José Eduardo dos Santos faz das palavras de George W. Bush as suas, para o bem de Angola. JA

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