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Sexta, 20 Março 2020 07:42

Fecho de contas no Montepio “preso” por Isabel dos Santos

Auditora quer que o banco Montepio constitua uma provisão para acomodar a dívida da filha de José Eduardo dos Santos. Uma decisão que terá efeitos no topo do grupo, na Associação Mutualista.

Na primeira metade da década passada, Isabel dos Santos foi levantar um financiamento de quase 80 milhões de euros ao Grupo Montepio e, agora, uma parte substancial dos empréstimos estão ou em situação de incumprimento ou em reestruturação. E são divergências quanto aos critérios de reporte no balanço da exposição a esta cliente devedora do Banco Montepio que têm estado a condicionar o fecho das contas de 2019.

De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, a auditora PwC está a pedir ao Banco Montepio, chefiado desde o início de 2020 por Pedro Leitão, que constitua uma provisão adicional para acomodar a dívida de Isabel dos Santos ao grupo em Portugal, mas também em Angola. Uma exigência que implicará um reforço de imparidades, o que introduz ruído na fotografia: o acréscimo de provisões tem como efeito levar o banco a assumir prejuízos. Uma hipótese que preocupa os dirigentes da Associação Mutualista Montepio Geral, a dona do Banco Montepio, pelas suas implicações no topo do grupo. A informação chegou (genericamente) aos conselheiros da mutualista na reunião de sexta-feira passada, 13 de Março, pela voz do chairman do Banco Montepio, Carlos Tavares.

É que à semelhança do que aconteceu com os restantes grupos bancários concorrentes cujos lucros de 2019 foram, em parte, insuflados pelas mais-valias apuradas com a alienação de divida pública, o Banco Montepio também beneficiou da valorização da sua carteira de obrigações, o que ajudou a compensar as fragilidades da actividade de exploração. E das duas uma: se não constituir uma provisão adicional associada aos empréstimos dados ao universo empresarial de Isabel dos Santos, então poderá encerrar o exercício anterior em terreno positivo; mas se a PwC conseguir fazer cumprir integralmente a sua “recomendação”, as expectativas apontam para uma degradação dos números finais. Há outra possibilidade: as contas mantêm-se positivas, mas auditora inscreve no seu relatório um alerta a reflectir as suas análises e avisos.

A exposição de Isabel dos Santos ao Montepio resulta de créditos negociados junto do banco, em Portugal, de mais de 65 milhões, e junto do Finibanco Angola, participada do grupo, de 10 milhões de euros.

No final de Fevereiro deste ano, o Montepio contabilizava 40 milhões de euros de empréstimos à Nova Cinangole, presidida por Sindika Dokolo, casado com Isabel dos Santos, sendo que 10 milhões de euros foram levantados directamente em Angola. Estes movimentos remontam à época em que Tomás Correia ainda estava à frente da instituição bancária, de onde foi obrigado a afastar-se no Verão de 2015. Os dois créditos contraídos pela angolana Nova Cinangole apresentam falhas de amortizações.
A empresária russo-angolana entrou em 2006 na Nova Cimangola, via Cimenveste (parceria com Américo Amorim), onde assumiu o controlo de 49%, com recurso parcial a crédito bancário do Millennium BCP, de 74 milhões de euros. Depois, em 2009, Américo Amorim entrou em conflito com a empresária, que passou a dominar a cimenteira angolana (onde está ainda o Estado angolano e o BAI - Banco Angolano de Investimento). As dificuldades económicas e de liquidez em Angola abriram uma crise na empresa, com uma quota de mercado de 80%, e que se encontra actualmente em processo de reorganização e de ajustamento.

Montepio financia Efacec

A outra entidade que obteve financiamentos do Banco Montepio foi a Winterfell, sediada em Malta, e criada, em 2015, por Isabel dos Santos (com a ENDE, a empresa de distribuição de energia de Angola) para tomar posição na Efacec Power Solutions (200 milhões), onde se apresentou com 72% do capital. O Banco Montepio foi um dos financiadores da operação, tendo emprestado 35 milhões de euros. O Grupo Mello e a Têxtil Manuel Gonçalves, via MGI Capital, detêm os restantes 28% do capital da Efacec Power Solutions, que, por sua vez, também deve ao Banco Montepio cinco milhões de euros, que se encontram em situação regular.

A 23 de Janeiro, o Conselho de Administração requereu a recomposição do capital da Efacec Power Solutions, por considerar que a presença de Isabel dos Santos era prejudicial aos seus interesses. O que levou a investidora a comunicar que deixava a estrutura accionista da empresa portuguesa com efeitos definitivos.

A iniciativa foi tomada na sequência da intervenção do governo de Luanda que pediu aos tribunais angolanos para avançarem com uma providência cautelar de arresto dos activos e das contas bancárias de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo e do seu braço-direito, o português Mário Silva. A justificação foi a “ocultação de património obtido às custas do Estado” e receios de “estar a tentar transferir alguns dos seus negócios para a Rússia.” Apesar da propriedade formal lhe continuar a pertencer, Isabel dos Santos está impedida de movimentar os seus activos em Angola, entre eles a participação no BFA.

A semana passada soube-se que, a pedido de Luanda, o juiz português Carlos Alexandre ordenara igualmente o arresto das participações accionistas de Isabel dos Santos, na Efacec, no EuroBic e na Nos, e assim como de todas as suas contas bancárias. As acções que possui na Galp já terão sido arrestadas na Holanda.

Dado que o arresto de bens (que não é uma execução de dívida) constitui uma medida cautelar para impedir vendas ou compras (alterações no património), não abrange os activos penhorados. E no caso da Efacec, os bancos mantêm as mãos livres para se articularem. E o sindicato bancário, financiador da empresa (CGD, BCP, Novo Banco, BPI e Montepio), com a penhora da posição de Isabel dos Santos propõe-se assumir as acções que recebeu em garantia por conversão de crédito em capital.

Aparentemente, e já fora da órbita do Montepio, a iniciativa de Carlos Alexandre colocou ainda o negócio de venda do controlo do Eurobic ao espanhol Abanca, dominado por investidores venezuelanos, perante uma complicação adicional. Em vez de dois intervenientes, o vendedor e o comprador, surge agora um terceiro protagonista: o Tribunal de Lisboa, que, tudo indica, terá de ser consultado sobre o negócio. E o Tribunal de Lisboa pode remeter a decisão para as autoridades de Angola, onde se reclama a Isabel dos Santos a devolução de 1,1 mil milhões de dólares ao Estado angolano por dívidas comerciais.

A 15 de Fevereiro de 2020, o Expresso noticiou que Isabel dos Santos tinha ido, entre 2009 e 2015, levantar financiamento à banca portuguesa no valor de 570 milhões de euros, cerca de metade contabilizada pelo BCP e pela CGD, mas também pelo BPI, Novo Banco e Montepio. PUBLICO

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