Terça, 19 de Março de 2024
Follow Us

Domingo, 26 Janeiro 2020 22:45

Isabel do Santos vai ter de abandonar Angola por muitos anos - Comentarista da SIC

A investigação Luanda Leaks marcou a semana e, este domingo, durante o habitual espaço de comentário no Jornal da Noite, Luís Marques Mendes defendeu que as consequências foram bem maiores do que ele próprio imaginava.

O comentador fala sobre o cerco a Isabel dos Santos; o futuro do Eurobic, Efacec, Galp e NOS; a entrevista do PGR angolano.

O cerco a Isabel dos Santos

1 - Eu disse há uma semana que o Luanda Leaks me parecia um tsunami. Constata-se agora que as consequências foram bem maiores do que eu próprio imaginava.

- Primeiro, uma catadupa de demissões: demissões nas empresas, nas consultoras, na advocacia, nas auditoras. Não é normal em tão poucos dias.

- Segundo, anúncio de venda de participações, no Eurobic e na Efacec. Não é normal suceder com esta rapidez.

- Terceiro, avanço das investigações criminais em Angola. Até agora, era só a justiça cível a intervir.

- Finalmente, e mais decisivo, é o princípio do fim do império de Isabel dos Santos, tal como ele existe até hoje.

Por que é que tudo isto sucedeu, com esta rapidez e profundidade? Por força de três factores: a força do jornalismo de investigação; a força dos factos, dos documentos e das provas; a força da opinião pública.

2 - E agora, o que vai suceder a Isabel dos Santos em Angola? A minha previsão é esta: ela vai acabar erradicada de Angola. Vai ter de abandonar Angola. Ou definitivamente ou por muitos anos. Expliquemos:

- Em Angola, ela está completamente cercada: cercada pela justiça cível; cercada pela denúncia mediática; cercada pela justiça criminal. Se entrar em Angola é detida. E, se não for detida no imediato, é, pelo menos, retida no país até ser presa mais tarde.

- Não tem alternativa que não seja: negociar com o Estado angolano, entregando vários bens e activos às autoridades; desfazer-se dos bens e activos restantes; deixar Angola em definitivo e ir reconstruir a sua vida para outros lados: Dubai, Rússia, Singapura ou destinos semelhantes. Em Angola, em Portugal e na União Europeia não vai ter hipótese de continuar a sua vida. Será uma mudança brutal.

Eurobic, Efacec, Galp e Nos – Que Futuro?

1 - Em Portugal, o resultado final não será muito diferente do de Angola.

Na parte judicial, haverá cooperação de Portugal com Angola; e poderá haver investigações próprias e autónomas da justiça portuguesa;

No domínio das suas empresas, Isabel dos Santos, a prazo, acabará por ter de vender os seus vários activos:

- Agora é o Eurobic e a Efacec. Eram os casos mais urgentes porque eram os casos mais arriscados. Mas as vendas não vão ser nem fáceis nem rápidas. Ninguém se iluda.

- Mas, no futuro, a venda das suas participações na NOS e na Galp vai acabar por se tornar também inevitável.

- A questão nuclear é esta: a vida futura de Isabel dos Santos não passará nem por Angola, nem por Portugal, nem pela União Europeia, nem pelos EUA. Por razões reputacionais e de justiça criminal. Se quiser, vai ter de refazer o seu "império" noutras paragens.

2 - Em Portugal, caso especial é o Eurobic. Dois apontamentos distintos:

Primeiro: esta semana a Administração do Banco andou bem. Tomou medidas inéditas e positivas para salvar o Banco, evitar fugas de depósitos e isolar a instituição do seu accionista tóxico – determinou o imediato encerramento da relação comercial com o Grupo de Isabel dos Santos e levou-a a vender a participação e a renunciar em definitivo a todos os direitos de voto. Teixeira dos Santos percebeu e bem que casos excepcionais requerem decisões excepcionais.

Segundo: já em 2017, quando o Banco autorizou a transferência solicitada pela Sonangol, acho que o Eurobic não andou bem. A meu ver, não cumpriu integralmente as regras relativas ao branqueamento de capitais.

É certo que o Banco diz que a operação era legítima, que estava fundamentada e que a Sonangol é uma empresa muito escrutinada pelo BP, até por causa do BCP;

Mesmo assim, nas circunstâncias em que a operação foi efectuada e com o dinheiro a ir para um paraíso fiscal, acho que o Banco devia ter comunicado a operação à UIF (Unidade de Informação Financeira) da PJ. Não tinha que a ter comunicado ao BP (como erradamente se disse). Mas devia tê-lo feito à UIF da PJ.

É destas formas que, às vezes, se iniciam investigações judiciais relevantes. Foi o caso da investigação a Sócrates. Começou numa comunicação da CGD à PJ.

A entrevista do PGR de Angola

1- A entrevista do PGR de Angola à SIC/Expresso é muito curiosa: primeiro, pelo que diz; depois, por aquilo que não diz e devia dizer.

Primeiro, esta entrevista responde a uma questão nuclear: porquê só agora o combate à corrupção em Angola? Por que não antes? A corrupção em Angola não é de hoje. Tem muitos anos.

E a resposta é esta: em Angola não houve apenas uma mudança de PR ou de ciclo político. O que sucedeu em Angola foi uma mudança de regime. E esta mudança, ao contrário do que diziam alguns, não era cosmética. Era e é mais profunda do que se imaginava. Ainda bem. Há muitos anos que Angola precisava de mudar de vida e de mudar de política. Tinha batido no fundo.

2 - Agora, a segunda questão. Mais delicada. Angola quer apenas "matar o pai" (neste caso, a família dos Santos) ou quer "matar a corrupção" (ou seja, investigar outros casos e outras situações)? Claro que a investigação a Isabel dos Santos é absolutamente legítima e natural. Mas a corrupção em Angola não se esgota em Isabel dos Santos. E os demais casos que são conhecidos vão ser igualmente investigados ou vão ser esquecidos? Sobre esta questão, o PGR não responde categoricamente. Deixa no ar mais dúvidas que certezas. E isso não é bom.

3 - Esta questão é essencial para Angola. Sobretudo na sua premente necessidade de atrair investimento estrangeiro.

Se em Angola passar a haver um Estado de Direito, pode haver investimento. Se não existir Estado de Direito não há investimento.

E a principal regra do Estado de Direito é esta: a independência da justiça em relação ao poder político. Investigar o que há a investigar, quer o poder político, goste ou não goste. Sem isto, os investidores não acreditarão em Angola.

Rate this item
(6 votes)