Alega que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, ficou com uma maioria excessiva - nove membros - enquanto a UNITA teve quatro e os outros três partidos parlamentares apenas um cada. A oposição defende uma divisão mais justa, sugerindo cinco comissários para a UNITA, oito para o MPLA e um para cada um dos demais partidos.
Outro ponto de tensão é a recondução de Manuel Pereira da Silva, conhecido como "Manico", à presidência da CNE. A UNITA considera o processo ilegal e parcial, mas o Tribunal Constitucional rejeitou os seus recursos, validando a atual composição.
Para a UNITA, o modelo atual compromete a credibilidade da CNE e favorece o partido no poder. Numa nova tentativa de reverter a decisão, o partido apresentou um recurso de apelação ao Tribunal Constitucional, alegando que o acórdão anterior viola o seu direito de indicar mais membros para a comissão. Segundo a UNITA, essa decisão foi influenciada diretamente pelo Presidente da República de Angola, João Lourenço.
Em entrevista à DW, o cientista político Sérgio Dundão reconhece que a reclamação da UNITA tem fundamento, mas ressalta que o debate chega tarde. E defende que só uma reforma estrutural da CNE pode garantir maior equilíbrio e confiança no sistema eleitoral angolano.
DW África: Tem fundamento a reclamação da UNITA relativamente à composição da CNE?
Sérgio Dundão (SG): A lei angolana prevê que a composição da Comissão Nacional Eleitoral resulta de um princípio de proporcionalidade. Um princípio de proporcionalidade combinado com princípios da paridade, ou seja, um princípio da representação das minorias.
DW África: E o que significa isso?
SG: Que a composição da Comissão Nacional Eleitoral tem de ter em conta a representação parlamentar, ou seja, o número, a percentagem de deputados de um partido tem de estar proporcionalmente representado na composição da Comissão Nacional Eleitoral.
DW África: E por que é que este debate se reacendeu?
SG: O MPLA está na eminência de não ter a mesma maioria que tinha no passado, ou seja, perdeu aquela maioria de dois terços dos deputados e, consequentemente, não tendo essa maioria de dois terços, a UNITA considera que o MPLA não deve ter a representação no número de comissários que atualmente tem.
O MPLA, por sua vez, alega um fator muito importante, que é o fator histórico, porque sempre que o MPLA teve uma maioria de dois terços, ainda assim na composição da Comissão Nacional Eleitoral, o MPLA nunca teve dois terços dos comissários, sempre teve a capacidade na negociação com a UNITA de permitir que a UNITA indicasse mais comissários do que tinha no passado. Como o MPLA tem perdido em cadastro eleitoral desde 2012, 2017 e, consequentemente, 2002, perdeu a representação, o MPLA hoje considera que já não tem margem para ceder o número de comissários que tinha no passado.
DW África: E na sua opinião, como é que se pode resolver esta questão?
SG: Há aqui duas situações efetivas. A primeira é que na nossa lei da composição da Comissão Nacional Eleitoral, no meu entender, não está muito clara qual é o princípio prevalecente, porque ao mesmo tempo que diz que é o princípio da proporcionalidade, ou seja, o partido mais votado indica mais comissários, ao mesmo tempo garante uma representação paritária. A não clareza da própria lei permite esta confusão que nós estamos assistindo na composição da Comissão Nacional Eleitoral. Agora, no meu entender, é um debate que chega tarde, muito tarde.
DW África: Então, está a dizer que nenhuma reforma estrutural da CNE neste momento asseguraria maior representatividade e até mesmo confiança no processo eleitoral?
SG: Deveria existir sim um debate sério sobre a composição da Comissão Nacional Eleitoral. No meu entender, esta é a minha opinião, nós devemos começar a discutir possivelmente uma alteração da Comissão Nacional Eleitoral depois das eleições de 2027.
DW África: Que mecanismos constitucionais e jurídicos estão ao dispor dos partidos da oposição para contestar decisões do Tribunal Constitucional quando estas envolvem matérias sensíveis, como a composição da CNE?
SG: Não existe, porque na ordem jurídica angolana o último tribunal, ou tribunal que exerce essa fiscalização, é o Tribunal Constitucional. Ou seja, a oposição depois de recorrer ao Tribunal Constitucional e não conseguir uma decisão favorável, terá de cumprir. Há dois caminhos, por exemplo, que se colocam à UNITA: ou indica os quatro membros ou simplesmente opta por não indicar nenhum membro. Isso já é uma decisão que fica ao critério da própria UNITA. DW Africa