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Quinta, 13 Março 2014 08:03

Beatriz Frank. "Comecei com duas malas de roupa comprada no Brasil"

A empresária construiu um pequeno império da moda em Angola e pretende abrir o reino da moda à maioria dos angolanos sem dinheiro.

Começou um pequeno império comercial com duas malas. Hoje prepara a expansão das lojas Bibi nas 18 províncias de Angola e mais de dez lojas em Luanda. Nasceu pobre e foi Miss Cabinda em 2003. Diz que não há contos de fada, apenas há trabalho, chama-se Beatriz Frank e dirige, além da sua marca, a revista de moda angolana "Super Fashion", que um dia destes poderá estar numa banca de jornais perto de si.

Dirige uma revista de moda em Angola, a "Super Fashion". Se a publicasse em Portugal quais seriam as diferenças?

Boa pergunta [risos]. As diferenças seriam com certeza notórias, Portugal é um mercado que tem mais títulos e tem muito mais oferta. E nesta altura surgir uma revista nova e ter a imponência que a "Super Fashion" tem em Angola seria muito mais difícil. Nós tivemos um grande êxito em Angola porque havia poucas revistas, e conseguimos imprimir algumas diferenças em relação à concorrência.

Independentemente das estratégias comerciais, quais as maiores diferenças que nota entre a moda portuguesa e a moda angolana?

Quase nenhumas, os angolanos são cada vez mais ávidos em relação às novas tendências e Portugal, sendo um país que está na União Europeia, está próximo de muitos centros e passarelas internacionais em que a moda é divulgada. Podemos dizer que a maior diferenças não é de gosto mas da velocidade em que as coisas chegam. Em Angola a moda internacional ainda chega um bocadinho mais tarde. Até porque nós não temos a presença de muitas das grandes marcas internacionais e isso dificulta muito o nosso trabalho. Por vezes há colecções que já foram apresentadas e chegam a Angola muito tarde. Uma elite muito pequena é que consegue aceder a essas tendências no momento. A maioria do mercado é condicionada pelo problema das imitações e pela deturpação da informação: nem sempre as pessoas sabem correctamente aquilo que está na moda.

Quando produz a revista em Angola tem em mente o público em geral ou apenas um elite?

Inicialmente a revista foi posicionada para a classe média e média alta, mas nós sentimos a necessidade de que ela também fosse acessível a outras camadas, nomeadamente à classe média baixa, que consome informação e quer seguir as novas tendências. Temos essa consciência pela sua participação nas redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Instagram. Por isso embaratecemos a revista, para conseguir atingir um público mais alargado. Estamos por exemplo a pensar fazer as aplicações para tablets grátis, embora seja verdade que a classe mais baixa não tem ainda um acesso facilitado à internet, a smartphones e iPads. É nossa intenção que a revista possa chegar a todo o mundo. Estamos neste momento com uma distribuição em cinco províncias e queremos que a revista esteja nas 18 províncias angolanas.

A Beatriz é empresária, antes da revista começou a sua actividade com a cadeia de lojas Bibi, presentes em grande parte do território angolano. Como foi esse processo de criar uma marca?

Sempre gostei muito de moda, um ano antes de ser eleita Miss Cabinda fiz, por necessidade, uma viagem ao Brasil e trouxe duas malas de roupa para mim, e quando cheguei a Angola precisei de comercializar parte daquilo que tinha comprado no Brasil. Quando ganhei o prémio Miss Cabinda usei o dinheiro para abastecer uma loja que construi com apenas quatro metros quadrados. Comecei nessa lojinha pequena e depois consegui passar para um espaço maior, altura em que percebi que havia uma grande apetência na província de Cabinda pelos produtos que comercializava e que o negócio podia ser muito expandido. Decidi lançar aquilo que são até hoje as maiores lojas daquela província fornecendo um conjunto muito vasto de produtos. Depois disso lancei as lojas em Luanda e também no Huambo. Neste momento estou a trabalhar a minha própria marca para fornecer todas essas lojas, com uma diversidade de produtos que permite satisfazer todo o tipo de serviços que prestam as lojas. Esta linha de produtos exige uma produção massificada, por isso vou expandir as lojas às 18 províncias de Angola, e ter mais dez lojas em Luanda.

Terá produtos importados como até agora, ou só produtos angolanos com a sua marca?

As lojas Bibi terão apenas produtos da marca Bibi. São produtos para um target baixo. Eu pretendo atingir a classe baixa. Existe o mito de que quem não tem dinheiro não pode estar na moda. Eu baseio-me no exemplo da H&M, que faz coisas muito giras a um preço muito baixo e vende muito. O caminho que eu pretendo seguir é esse, até porque a grande maioria das pessoas que vivem em Angola pertencem à chamada classe baixa. Quero trabalhar para aqueles que têm pouco dinheiro, para eles poderem estar na moda.

Não teme que as pessoas prefiram produtos estrangeiros aos nacionais?

Em Angola há cada vez mais necessidade de se nacionalizarem as coisas. Ainda mais com a entrada em vigor da nova pauta aduaneira para proteger a indústria nacional. É fundamental o desenvolvimento da indústria têxtil em Angola, o povo tem muita necessidade de consumo, e até agora tudo o que entrava era importado. Como é que eu faço para conseguir responder a parte dessas necessidades? Reflecti sobre outros casos de sucesso, como uma outra loja que surgiu em Angola e vendia para a classe baixa. Esse estabelecimento teve num ano um crescimento exponencial admirável e todo o mundo perguntou porquê. A resposta é fácil, a classe baixa é a maioria. Não creio que a classe baixa possa recorrer aos produtos importados, ela recorre àquilo que é mais barato, sobretudo aos mercados informais. Essas pessoas não vão comparar com mercadorias de luxo. Aquilo que eu vou oferecer são produtos de uma qualidade muito superior àqueles a que eles tinham acesso e a preços baixos. Estou certa que a adesão será em massa.

Não teme a concorrência dos chineses nesse mercado?

É um problema real, que está a dificultar a produção têxtil em Angola. Acaba por ser uma concorrência desleal. Muitos desses produtos são feitos sem licenças e em condições precárias. A vantagem daquilo que faço é a qualidade e o facto de as pessoas saberem que eu percebo de moda. Essa imagem é, do ponto de vista comercial, muito forte e eu tenho um elevado número de seguidores que apreciam o meu trabalho. Vou apostar bastante em marketing e publicidade e estou certa que é possível vencer a concorrência desses produtos com pouca qualidade.

Há produtos da criatividade angolana que já são exportados, como a música. Acha possível brevemente haver moda angolana exportada para outros países?

Tenho a certeza que sim. Veja-se mesmo o caso da música. Até há pouco tempo ser músico em Angola não era uma profissão possível. Hoje estão profissionalizados e são escutados além-fronteiras. Veja-se o caso do Anselmo Ralph, que faz espectáculos com multidões em Portugal, chegando a encher o Campo Pequeno. Angola está a crescer a uma grande velocidade e é cada vez mais notória a presença dos angolanos nas passarelas internacionais, tanto manequins como estilistas. Tenho a certeza que a moda em dez anos vai ter um crescimento muito grande.

Hoje há telenovelas angolanas a passar em Portugal. Acha que amanhã é possível que mais produtos culturais e de moda angolana sejam populares em Portugal?

A telenovela "Windeck" superou todas as expectativas de popularidade em Angola e até no estrangeiro. Isso foi possível porque houve um investimento significativo. O que prova que com trabalho árduo é possível obter excelentes resultados. Acresce que Angola é um país que cada vez mais se faz notar e suscita interesse no mundo. Eu considero muito possível exportar produtos desse tipo e da nossa moda. Isso abre-nos a porta para a esperança.

Mas não é uma novela enganadora, um pouco uma novela de ricos?

Toda a ficção é ficção, mas digo que é 50% uma novela de ricos e 50% a realidade. O "Windeck" tem muito de retrato de uma certa juventude angolana, veja-o o caso da personagem principal, a Micaela. Às vezes perde-se o conceito de ganhar a vida a trabalhar de uma forma séria, e querem atingir status social muito rapidamente unindo-se com quem já tem. Isso é um retrato fiel de uma parte do país. Muito jovens querem subir e usar grandes marcas, e ficar ricos, sem ter trabalhado e sem se terem esforçado para isso. Eu creio que me destaco: vim de família muito pobre e construí tudo muito devagar e aquilo que atingi foi com muito trabalho.

Afirma que é sua intenção desenvolver produtos para a maior parte dos angolanos. Angola viveu uma guerra civil e é uma sociedade que é muito desigual: há algumas pessoas muito ricas, mas a maioria da população não beneficia da mesma forma do crescimento da economia. Acha que vai ser possível ultrapassar esse fosso?

Eu digo que será um processo a médio e longo prazo. Não vai ser tão cedo que essa desigualdade social vai ser ultrapassada. Há um desenvolvimento económico notório e o governo preocupa-se cada vez mais com criar escolas e centros de formação para que a maior parte da população possa ter melhores empregos e condições de vida. Esse processo não é automático e vai demorar bastante tempo, mas o governo preocupa-se e pretende atenuar essas desigualdades. Acho que em 10 a 15 anos vamos ter muito menos pobres, e poderemos ter a maioria da população a viver com condições mínimas com casas com luz, água e saneamento básico.

O que que se vê a fazer daqui a dez anos?

Vejo-me com os meus filhos que ainda não tenho. E isso é um grande desejo pessoal. Vejo-me com muitas empresas. Não sei se estarei profissionalmente satisfeita, o ser humano é insatisfeito. Mas quero gerir empresas em Angola e no estrangeiro.

Iol.pt

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