O lançamento do seu mais recente livro ‘Angola e o Movimento dos Capitães de Abril em Portugal’ serviu de mote para a conversa com este deputado, que já dirigiu os ministérios da Agricultura, dos Transportes, foi governador do Kuanza-Norte durante 14 anos e embaixador em Cuba, nas Nações Unidas e Itália. Além de falar sobre o livro, Manuel Pedro Pacavira critica o facto de poucos companheiros seus escreverem sobre os factos que levaram a independência de Angola, assim como a inexistência de uma associação de antigos combatentes sólida, como acontece na Argélia. Segundo ele, hoje confunde-se antigos combatentes com antigos militares.
Não deixou de lado o movimento literário no país, o Presidente José Eduardo dos Santos e o partido, aproveitando a ocasião para desmentir que alguma vez tivesse dito ‘eu sou o MPLA’.
Lançou recentemente o livro ‘Angola e o Movimento Revolucionário dos Capitães de Abril em Portugal’, um movimento que impulsionou a independência das colónias portuguesas, entre as quais o nosso país. Trata-se de algo que não foi bem explicado ou viu apenas a necessidade de transmitir algumas coisas que são desconhecidas?
É as duas coisas. Mas posso dizer-lhe que Angola e o Movimento Revolucionário dos Capitães de Abril é um resumo histórico, memorial, que procura relembrar factos e ocorrências que contribuíram para acelerar o processo de independência nacional.
Reporto-me principalmente com ênfase nos três primeiros meses depois do golpe de Estado em Portugal. Em Angola, nos meses de Maio, Junho e Julho havia uma incerteza muito grande por parte dos brancos que se encontravam no país. Refiro-me aos brancos democratas, progressistas e aos brancos salazaristas, caetanistas.
Esses viviam uma incerteza. A reacção encontrava-se desesperada, muito desesperada, mas convencida ainda de que era possível haver uma reviravolta em Portugal. Ou eles a partir de Angola forçarem a reviravolta em Portugal, para as coisas voltarem à primeira forma. Os progressistas pensavam, alguns, que era melhor tentar algumas alianças internas com os militantes, sobretudo os do MPLA, para constituírem uma força interna que pudesse impedir a força dos nossos movimentos lá fora. Mas também pensavam que isso não era possível, porque quando tentaram assediar os militantes do MPLA interno não conseguiram.
Os militantes internos do MPLA já tinham estabelecido ligações com a direcção no exterior e já recebiam orientações. Então eles tinham que vir a reboque e imagine isso dentro de uma luta. Diziam: ‘nós vamos com esses, mas onde?’ Mas fazer o que eles queriam fazer não podiam e é isso que nós procuramos retratar.
E conseguiu o que pretendia?
Deixe-me concluir: nos três meses, o MPLA internamente conseguiu se impor de tal maneira que as autoridades portuguesas representadas já pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em Angola, não viam outra alternativa senão conversar com os militantes do MPLA internamente.
Para dizer que os oficiais do Movimento das Forças Armadas não entregaram a Independência de Angola ao MPLA.
O MPLA se impôs em Luanda e no país, porque verificou-se que a nível do país a juventude, principalmente, era do MPLA e eles não tinham outra alternativa. Então vem o Rosa Coutinho que procura fazer uma política de equidade, incluir também a UNITA, porque não queriam deixar de fora, pensando que se Savimbi como o líder andou a fazer várias alianças, o que não quer dizer que estas alianças envolviam aqueles que queriam lutar pela Independência e se encontravam na UNITA. Não sei se me faço entender? E a FNLA, que embora estivessem ligados às outras potências como os Estados Unidos, mas era um movimento nacionalista para todos os efeitos, como nós. Nós também, no MPLA, tínhamos as nossas alianças.
Então, é isso que o livro procura retratar, não é porque os portugueses entregaram Angola ao MPLA, mas o MPLA se impor para que criassem essas condições para até 11 de Novembro de 1975 proclamar a Independência Nacional.
Ao prefaciar o livro, Aldemiro Vaz da Conceição diz que existem no seu interior muitos factos até então desconhecidos da maioria dos angolanos. Não quer mencionar alguns deles?
Por exemplo, as forças reaccionárias, como já caracterizei, inicialmente tinham um plano para a proclamação da Independência.
No dia 11 de Novembro de 1975?
Não. Antes. No dia 15 de Agosto de 1975 proclamar a independência de Angola em Massangano. Esse era um plano secreto que o Marcelo Caetano tinha em 1974, pouco antes do 25 de Abril, que era acelerar uma contradição entre o Governador de Angola e o ministro do Ultramar e que provocaria a proclamação unilateral da independência por parte do governador Santos e Castro.
Deixe-me concluir: nos três meses, o MPLA internamente conseguiu se impor de tal maneira que as autoridades portuguesas representadas já pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), em Angola, não viam outra alternativa senão conversar com os militantes do MPLA internamente.
Sem a participação dos movimentos nacionalistas angolanos?
Eles nem queriam a participação.
Era uma independência igual a da Rodésia. Esse era o plano secreto.
Esse é um dos factos desconhecidos por muita gente, inclusivamente alguns camaradas nossos dirigentes do MPLA. Que sejam modestos, mas que há alguns camaradas dirigentes do MPLA que desconheciam este facto, que naquela altura muitos também desconheciam. Se calhar, alguns dirigentes dos outros movimentos também não conheciam este facto.
Há muitas pessoas que tiveram um papel preponderante na libertação nacional e que não são conhecidas?
Claro, tem de haver. Há muita gente que militou nos anos 74-75 e não tiveram acesso aos órgãos de direcção do partido que estão esquecidos. Isso é histórico, em todos processos revolucionários isso acontece e vai acontecer também com a vossa geração. Há alguns que chegados determinados momentos estão completamente esquecidos.
Muitos militantes que deram uma grande contribuição estavam esquecidos, do MPLA, da FNLA. E porquê isso? Porque não temos uma associação dos antigos combatentes abrangente, sólida e acutilante, como por exemplo a associação dos antigos combatentes da Argélia, que integra militantes da clandestinidade e do maquis. A nossa associação dos antigos combatentes está praticamente circunscrita a um pequeno grupo de ex-presos políticos que nem conhece uma grande parte dos ex-presos políticos e do seu papel na luta. Então há-de haver muitos quadros esquecidos.
Mesmo o Ministério dos Antigos Combatentes não tem organizados os processos dos antigos militantes, combatentes, tanto do MPLA, FNLA e também da UNITA. Haverá antigos combatentes independentemente das más alianças que o seu chefe fez. Então, como estava a dizer, o Ministério dos Antigos Combatentes não deve ter organizados os processos abrangentes de todos os antigos combatentes, que nos permitam, por exemplo pedir uma informação. E assim é que a nível do Ministério dos Antigos Combatentes a gente vê que se confunde o antigo combatente com o antigo militar. Os militares são considerados antigos combatentes, quando na boa verdade a lógica é que os antigos combatentes são todos aqueles que militaram na clandestinidade ou no maquis até Novembro de 1975, já está estatuído assim. Mas hoje diz-se que um antigo militar é antigo combatente, então isso é uma confusão e a gente não consegue determinar concretamente quem é o antigo combatente e quem é o antigo militar.
Estava na cadeia quando se deu o 25 de Abril. Em que circunstância teve conhecimento deste acontecimento que agora narra em livro?
Nós tivemos conhecimento, como o preso tem sempre qualquer informação do exterior, através da nossa fonte. Agora já se pode dizer que era o polícia, o guarda. Entre eles havia uns que passavam a informação. E nós tínhamos ligação com os presos cabo-verdianos, que eram de casa, através dos quais também tínhamos informações.
Tínhamos também outras redes de informação e através destes guardas tínhamos informações dos nossos correligionários cabo-verdianos. Eles informaram-nos de que havia um golpe de Estado em Portugal, porque a primeira tentativa de golpe, em Março de 1974 também tivemos conhecimento.
As forças progressistas estavam muito activas e que houve uma tentativa de golpe de Estado. Com esse golpe, eles disseram que parece que o fim do regime de Salazar chegou.
Como é que vocês os presos reagiram?
Nós não reagimos. Ficamos à espera apenas.
O que se passava dentro de vocês?
Estávamos a aguardar notícias. As que os nossos colegas cabo-verdianos nos deram careciam de confirmação.
Mas um dia depois o director da cadeia apareceu a dar-nos informações da situação, que em Portugal houve um golpe de Estado, a situação é essa, mas ele não sabia ainda de nada. Não tinha muitas informações sobre a situação dos presos. Mas dois dias depois apareceu uma manifestação de jovens cabo-verdianos fora da cadeia, com bandeiras do PAIGC e do MPLA. Os guardas informaram-nos, passados momentos os presos cabo-verdianos saíram, mas eles juntaram-se a manifestação e não queriam sair enquanto os angolanos também não saíssem. E nós recebíamos esta informação, já era um momento tenso, porque já estávamos a preparar as nossas malas.
O preso não tinha muita bagagem, era uma mala só com a sua roupa.
Daí para a saída foi um pequeno?
Sim, já foi um pequeno passo, porque a manifestação não arredava pé enquanto não fôssemos libertos. Só saíram quando viram que nós estávamos a sair. E aquilo era sair sem papel, sem nada.
Havia uns que achavam que sim, que Angola podia ascender à Independência, mas dentro de uma confederação portuguesa, que eles chamavam Confederação Luso-Africana ou qualquer coisa assim. Integrava Angola, Cabo-Verde e Portugal.
Nunca teve um mandado de soltura?
Não, não, não. Nenhum. E foi assim.
O que é que lhe aconteceu na vida depois da saída da prisão?
Imagem 2Quando saí regressei a Luanda e fui apanhado no mesmo dia pelos camaradas que estavam a minha espera, porque eles precisavam de uma direcção. Feliz ou infelizmente, os camaradas achavam que eu é que tinha de estar à frente da acção interna.
Deram-me o cargo de secretário-geral de uma organização denominada CAPA, mas lhes disse que não. Vamos agora fora para saber receber informações, tínhamos que pedir aos homens do Movimento das Forças Armadas para nos darem um salvo-conduto para passarmos legalmente, então deram-nos e fui a Brazzaville. Na reunião alargada e nas privadas que tive com o Presidente recebi o mandato efectivo para coordenar a actividade interna.
O processo que vai desde a vossa saída até à proclamação da Independência foi bem conduzido?
Não, foi mal conduzido pelos portugueses, de tal maneira que o MPLA arrancou a Independência. Porque havia muita confusão e isso é retratado neste livro, como o Movimento das Forças Armadas estava dividido. Havia muitos que pensavam que não deviam conceder a Independência a Angola.
Estes eram os reaccionários, Angola não devia ascender à Independência porque não estava preparada. Havia uns que achavam que sim, que Angola podia ascender à Independência, mas dentro de uma confederação portuguesa, que eles chamavam Confederação Luso-Africana ou qualquer coisa assim. Integrava Angola, Cabo-Verde e Portugal. E havia outra que era progressista, que achava que a Independência de Angola era um facto e que tinha de ser dada àqueles movimentos que tivessem mais representação em Angola. E esses já são a corrente do Rosa Coutinho porque estavam no terreno e verificaram que quem tinha mais representação em Angola era o MPLA. Mas o Rosa Coutinho procurava, então, uma política de equidade que determinou o Acordo de Alvor.
Porque razão o Acordo de Alvor não vingou?
O Alvor não vingou, pode ver neste livro, porque a FNLA logo depois dos acordos, com as liberdades, a constituição do Governo de Transição, passou ao ataque. Atacando o MPLA para eliminá-lo. A UNITA também para atacar o MPLA. Mas as forças do MPLA, que era o povo, conseguiram aqui internamente afastar a UNITA e também logo a FNLA. Então, os Acordos de Alvor transformaram-se num fiasco, porque no terreno, no meio de tudo isso, sem Independência ainda, ficou o Neto sozinho com o povo.
Então, Neto, com o povo, proclamou a Independência.
Não houve um golpe do MPLA aos demais movimentos de libertação?
Não, não, não. Houve um combate e quem iniciou foi a FNLA. E continuou com muita força zairense que estava cá no terreno. Leiam o livro e vão ver.
E aqui na capital a FNLA foi rechaçada, a UNITA foi pequenas escaramuças, depois achou-se que não tinha forças e foi-se embora. Mas a FNLA é que insistia em tomar o poder aqui pelas forças militares. O MPLA não tinha forças, tropas, mas tinha o povo. E sabe que essas guerras não são vencidas pelas armas, é pelo povo. Bastou a batalha de Luanda, no resto do território a FNLA foi rechaçada.
O que levou as Nações Unidas a reconhecerem a Independência proclamada apenas pelo MPLA, quando se sabe que a UNITA também proclamou no Huambo e a FNLA no Úige?
Deixe explicar bem para vocês escreverem também bem, porque senão vão me obrigar a responder, o que não é bom. Como disse, e se vocês lerem aqui vai ajudar. Então, deu-se o 25 de Abril em Portugal e aqui em Luanda é onde se desenvolveram grandes acções políticas, porque a reacção portuguesa não queria que Angola tivesse a Independência. Mas havia outras forças democráticas portuguesas que pensavam que era necessário uma confederação, havia outras que pensavam que deviam se unir ao MPLA, que naquela altura se apresentava como a força mais representativa. Porque tinha mais militantes, apareciam na rua a fazendo manifestações com bandeiras só do MPLA. Da FNLA não apareciam e muito menos da UNITA.
Isso nos primeiros três meses, Maio, Junho e Julho.
Quando Rosa Coutinho chega não teve outra alternativa senão dialogar com o MPLA, embora não deixasse de dialogar com os representantes da UNITA e da FNLA. Mas em Luanda eram só os representantes do MPLA, porque estava tomada pelo MPLA. São os do MPLA que estavam nas repartições públicas, nas fábricas, nos hospitais e então não tiveram outra hipótese. Era só mesmo dialogar com o MPLA. E era com o MPLA até aos Acordos do Alvor. Então, já com os Acordos de Alvor, os três partidos o MPLA, FNLA e a UNITA. O MPLA rechaçava-os porque eles tinham cooperado com os colonos, combatiam o MPLA e a FNLA. Eram forças paramilitares do Exército português, mas Rosa Coutinho conseguiu demover Agostinho Neto para acelerar o processo de descolonização e integrar.
A UNITA foi integrada nos Acordos de Alvor, foram delineadas as bases para a Independência de Angola, com base nos Acordos de Alvor que está aqui no livro, mas a FNLA denunciou o acordo.
Disse que não queria saber nada do acordo, queria o poder pela força.
Então começou a combater o MPLA, já aqui dentro, porque estava a vigorar o Governo de Transição. Foi só para criar as condições, que eles estivessem em Luanda, com os homens que a FNLA introduziu começou a combater o MPLA. Entretanto, já tinha tomado toda a província do Zaire a base da força, foi descendo até Caxito. Nessa digressão militar já vinha com mercenários americanos e as forças zairenses já estavam aqui internamente. Foram rechaçados de Luanda, mas eles voltaram, tomaram o Zaire e foram travados em Caxito. Ali tínhamos a nossa primeira região. Ficaram em Caxito para preparar as condições para tomar Luanda.
Uma espécie de assalto final?
Sim, um assalto final. Daí que surge a Batalha de Kifangondo.
O MPLA teve apoio dos cubanos na Batalha de Kifangondo?
Teve. Eles estavam na retaguarda. Mais já estavam aí os americanos e os portugueses que estavam a vir pelo Lucala. Tomaram Camabatela, Samba-Cajú vieram parar em Lucala.
A Batalha de Kifangondo foi determinante para se proclamar a Independência em Luanda?
Foi determinante, porque senão eles teriam entrado em Luanda e teriam proclamado. O Holden Roberto já vinha com o seu fato, disposto para festejar o 11 de Novembro no Palácio.
A história dizia que os da FNLA comiam corações de pessoas. É verdade?
Não posso dizer que era verdade ou não, mas era o que o povo dizia.
Acha que a história do MPLA, da luta de libertação desde a clandestinidade até ao alcance da Independência, está a ser bem contada?
Não está a ser bem contada.
Porquê?
Não sei, se calhar porque as pessoas não escrevem, não contam. As pessoas que viveram os acontecimentos não contam. Muitos dos meus colegas não contam, nem sequer vão aí onde esta história é contada.
Como assim? Pode explicar melhor?
Quer dizer que aqueles que participaram são poucos os que contam. E os outros muitos que podiam contar nem sequer vão assistir os actos em que esses poucos contam a história.
Os seus companheiros de luta estiveram presentes no lançamento do seu último livro?
Alguns. Estava mais é a juventude, ansiosa de saber a história. Muitos companheiros meus de luta convidados não estiveram.
Exceptuando o deputado Manuel Pedro Pacavira, o secretário-geral do MPLA, Julião Mateus ‘Dino Matrosse’, Jean Michel Mabeko-Tali, e as publicações da Fundação Tchiweka sobre Lúcio Lara, os outros livros têm sido escritos por políticos da UNITA ou da Oposição. O que é que se passa com os políticos do MPLA?
Você disse bem, com excepção do camarada secretário-geral. Esse sim faz um esforço grande para contar. O comandante Kiluanje escreveu sobre a luta na primeira região e o falecido ‘Foguetão’ também contou sobre Cabinda. O camarada Júnior também, e poucos mais.
Havia uma corrente que indicava o camarada Lukoki e uma outra corrente que indicada o camarada Luvualu. A minha corrente de opinião achava que devia ser o engenheiro José Eduardo dos Santos (para Presidente da República)
O que é que se passa concretamente? Há algumas zonas cinzentas que não podem ser explicadas ou as pessoas têm outras preocupações?
Devem ser outras preocupações da vida, porque também não é qualquer pessoa que escreve. Há uns que têm dom, outros que têm vontade e outros ainda que têm tempo. E a outros que não têm esses dotes.
Edmundo Rocha disse em tempos que Agostinho Neto e Lúcio Lara terão militado no Partido Comunista Português. O que é que pensa disso?
Eu não sei. Edmundo Rocha é companheiro de Agostinho Neto, em Portugal, e de Lúcio Lara. Mas eu estive muito próximo do Presidente Neto, passe a modéstia, tinha muitas conversas em privado e nunca ouvi, nem sequer apercebi que Agostinho Neto fosse filiado do Partido Comunista. Ele pertenceu a uma organização juvenil, o MUD, talvez esta organização estivesse ligada ao Partido Comunista. Não sei. Mas que ele fosse do Partido Comunista, estivesse no Comité Central ou nas estruturas, não sei. Mesmo que pertencesse ao Partido Comunista, o que é que há? Qual é o mal disso?
O Partido Comunista não influenciou ,de alguma forma, a luta pela Independência em Angola?
Não. Pelo contrário, ajudou naqueles momentos da luta político-militar. Mas depois do 25 de Abril não, havia algumas tendências do Partido Comunista que nós rechaçamos, porque Agostinho Neto era muito independente. Mesmo com a União Soviética, sim senhor, com o apoio militar, mas Agostinho Neto discordava do Kremlin em vários aspectos. Camaradas há que foram testemunhas de que Agostinho Neto chegou a rejeitar a assinatura de um determinado documento já agora na Angola Independente.
Que tipo de documento era?
Não consigo me pronunciar taxativamente porque não sei. Devia ser a nível da cooperação económica e que o Presidente Agostinho Neto não concordou com determinados aspectos, clausulas e deixou o documento na mesa.
Alguns colegas vossos, saudosistas, dizem que ‘se Neto fosse vivo Angola estaria melhor’. Quer comentar?
Eu posso me pronunciar, mas não o faço assim porque são contextos diferentes. Agostinho Neto naquele período era um contexto diferente e tinha um outro estilo também. O Presidente José Eduardo dos Santos está também num outro contexto, mesmo da visão do mundo, a política internacional mudou, o Muro de Berlim caiu, a União Soviética se desmembrou. É um outro contexto e, naturalmente, a visão política e as perspectivas políticas são diferentes.
O deputado leu o compromisso do MPLA para com a família de Agostinho Neto, onde o partido se comprometia a cuidar dos parentes do primeiro Presidente do país e fundador da Nação. O compromisso está a ser assumido?
Eu acho que está a ser assumido, não digo que integralmente, mas em parte está a ser assumido. Diga-me só alguns aspectos que não estão a ser assumidos.
A família de Agostinho Neto está bem socialmente?
Eu não posso dizer isso porque está é uma tarefa do Estado. O Estado é que deve ter alguma cláusula – e terá mesmo – de apoio à família de Neto. Não sei bem como está a ser apoiada. Sei que a viúva lamenta-se muito e que devia ser mais apoiada, não é só no ponto de vista da viúva. Agora, nunca medi, nunca fiz avaliação, porque não compete a mim sozinho fazer esta avaliação e nunca a nível da direcção do partido discutimos este assunto.
Angola assumiu a revolução socialista depois da Independência. Sente saudades destes tempos?
Como disse são contextos diferentes. Naquele tempo é um tempo, este tempo é outro tempo. Há alguns aspectos do partido único que eram bastante positivos para aquele contexto e o sistema do multipartidarismo é outro. Temos que nos adaptar.
Paulino Pinto João, um antigo companheiro vosso do Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA, disse que se assiste hoje a uma gritante falta de patriotismo e a introdução de alguns vícios provocados pelo multipartidarismo.
Subscrevo o ponto de vista do Paulino Pinto João. Há muita falta de patriotismo, muitos responsáveis lhes falta um bocado de patriotismo, solidariedade. Patriotismo engloba tudo, mas quero especificar a falta de solidariedade. Naquele tempo havia e o princípio de solidariedade estava consagrado.
O que é que contribuiu para isso? O MPLA tem o plano de resgate dos valores morais e cívicos. Porque é que isso tarda a acontecer?
É como disseste, há uma perca de certos valores no sistema multipartidário, entre os quais o patriotismo e a solidariedade, porque há o endeusamento do dinheiro. As pessoas são indicadas para determinados lugares, postos aí, em vez de se preocuparem com o lugar, limpar, verificar, estudar os dossiers, para depois pensar desenvolver as suas acções, preocupam-se em afastar os quadros do outro, mesmo que alguns destes detêm os processos, dossiers fundamentais, onde ele vai se inspirar para trabalhar. O que lhe interessa não é isso, é só o dinheiro. Então fora estes indivíduos todos, não tem uma base de começo, iniciação e estão à procura de caminhos para se locupletar ou obter mais-valias para o progresso pessoal.
Está a quer dizer que muitos responsáveis, depois de nomeados estão mais interessados em afastar os quadros deixados pelos seus antecessores, para poderem ter acesso ao dinheiro?
Para terem acesso à possibilidade de se locupletarem.
‘Eu é que abri as portas para os Estados Unidos reconhecerem Angola’
É um homem de cultura, esteve na génese da União dos Escritores Angolanos. Acha que a juventude tem sabido dar continuidade a literatura angolana?
Acho que a juventude angolana está um pouco parada. No tempo do partido único, aí sim é um aspecto, a juventude estava activa, havia um movimento juvenil de literatura, de onde saíram muitos quadros. Posso indicar a Totonha, John Bella, que já são deste tempo da Brigada Jovem de Literatura. Agora não sei, o que é feito desta Brigada Jovem de Literatura? Há pouco movimento ao nível da juventude, é só no jornalismo.
Entrega-se da mesma forma em cada livro que escreve ou há algum que o marcou mais?
Escrevo com a mesma entrega, porque é em cada época. Por exemplo, há cinco anos me dediquei mais a este livro ‘Angola e o Movimento Revolucionário dos Capitães de Abril em Portugal’ por causa da juventude. Para ver se a juventude vai lendo e se informando, sobretudo deste problema da independência de Angola. Se é verdade que os portugueses é que deram a Independência ao MPLA?
Não vai escrever sobre a história recente do país?
Em termos de memórias, se ainda viver, creio que ainda tenho alguma coisa ou muita para escrever.
‘N’Dalatando em chamas’, o que procurou transmitir?
NDalatando foi um pouco limitado, mais limitado mesmo àquele período de N’Dalatando em Chamas. Mas sobre o período da minha governação, que foi de 14 anos, tenho muito a dizer.
Não pensa escrever sobre isso?
Se calhar vou escrever.
Pensa escrever um outro livro nos próximos tempos?
Sobre o meu tempo nas Nações Unidas e nos Estados Unidos da América.
Eu não estava só nas Nações Unidas. Eu é que abri as portas para os Estados Unidos reconhecerem Angola, porque já naquela altura eu já era embaixador de bons ofícios. Ia para o Congresso, tratavam-me de embaixador, e ao Departamento do Estado, onde me mandavam chamar. Os oficiais americanos quando viajassem já pediam o salvo-conduto na representação de Angola nas Nações Unidas.
Tem boas memórias destes tempos?
Tenho boas memórias e também algumas pessoas que me vão ajudar, entre os quais o ministro da Comunicação Social, José Luís de Matos, que era meu assistente, e o director América do Ministério das Relações Exteriores, que também era meu assistente e conselheiro. Considero-os pessoas próximas.
Escreveu o livro ‘José Eduardo dos Santos, uma vida em prol da pátria’, que na sua vasta bibliografia não passa despercebido. O que é que pretendia transmitir com este livro?
Posso dizer que é um livro de saudade, evocativo, porque pretendi caracterizar a personalidade de José Eduardo dos Santos. Os feitos dele vou dizer agora quando for da cerimónia comemorativa do seu aniversário. Mas aquele era mais um evocativo e uma caracterização da sua personalidade.
Como é que vê o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, hoje? Há informações de que foi uma das pessoas que apostou nele depois da morte de Agostinho Neto e que o deputado terá jogado um papel preponderante no processo. É verdade?
Mas ainda não vi nada neste sentido. Isso é conversa de vocês jornalistas. Há alguma coisa escrita a volta disso?
Mas é verdade ou não? Jogou ou não um papel preponderante naquela altura?
Joguei um papel preponderante. Fazia parte de uma corrente de opinião que tinha como seu candidato no Comité Central para a Presidência o engenheiro José Eduardo dos Santos, na altura ministro do Plano.
Havia mais escolhas na altura?
Sim. Havia uma corrente que indicava o camarada Lukoki e uma outra corrente que indicada o camarada Luvualu. A minha corrente de opinião achava que devia ser o engenheiro José Eduardo dos Santos.
Foi a corrente que vingou?
Sim, fomos mais transparentes e éramos os mais fortes. Era representado por mim que na altura era o ministro da Agricultura, porque naquela altura o ministro da Agricultura tinha o apoio das massas e ia ao campo.
Agora já não?
Não sei, mas o ministro da Agricultura também costuma ir ao campo. Naquela altura, o ministro da Agricultura ia, conversava com os camponeses, os trabalhadores do café, que eram cerca de 300 mil e eu conhecia os nomes dos responsáveis, dos trabalhadores de cor e salteado.
Também tínhamos o Chefe de Estado-Maior das FAPLA, que era o chefe Xietu, e por outro lado o comandante da Organização de Defesa Popular (ODP). A ODP eram também os trabalhadores, em todos os ministérios e serviços havia representação da ODP. Então a nossa proposta vingou.
Como é que recorda isso vários anos depois? Valeu a pena?
Eu pelo menos não estou arrependido.
Acha que o Presidente da República tem sido mal compreendido por aqueles que hoje saem à rua e aqueles que já defendem a sua retirada?
Isso é normal, porque ele não pode agradar a gregos e troianos. Está há um bocadinho de tempo, não é. E é natural que haja incompreensão de algumas pessoas que ele ajudou ou se sentiram ajudados pelo sistema, mas depois, por várias circunstâncias, caíram na desgraça. Naturalmente, que esses começam a falar mal.
“Nunca disse que eu sou o MPLA”
Como é que vê hoje o MPLA?
O MPLA continua, tem um programa, regulamentos e as pessoas procuram se adaptar aos programas.
Podia ser mais acutilante, mas está a procurar reestruturar-se para a revitalização das estruturas.
Como é que analisou o debate sobre a reconciliação nacional no Parlamento? Aquilo é a política dos políticos.
Precisamos ou não de reconciliação nacional, porque há pessoas que dizem que, apesar do fim do conflito e o país estar em paz, existem muitas vozes divergentes?
Como lhes disse aquilo é política dos políticos. Os políticos só querem o poder, mas para o povo a reconciliação é efectiva e vai-se realizar. Agora, os políticos que querem o poder já agora procuram arranjar elementos. A Oposição concretamente não tem nada a fazer, tem que criar factos políticos e desta vez foi a reconciliação nacional.
Amanhã vai arranjar outro facto político para discutir.
Está a querer dizer que não interessa a reconciliação nacional?
Não, estou a querer dizer que aquilo que aconteceu no Parlamento é política de políticos que estão na Oposição. A reconciliação já está feita, como é que não me interessa? Não me interessa é a política dos políticos. A reconciliação já está feita e, aliás, não foi com o povo. Era com os políticos, porque com o povo não temos problemas.
Nós temos problemas étnicos? Não temos. Enquanto a UNITA estava num determinado município, o povo vinha para aqui na parte do Governo, mas nunca houve problema com o povo. É aquilo que aconteceu, no meu ponto de vista, não é porque não me interessa a reconciliação.
Com o povo não estamos desavindos.
Não há nem existe problema com o povo. Existe um problema dos políticos que estão na Oposição e que querem o poder.
Os acontecimentos de 27 de Maio ainda preocupam o MPLA ou é um assunto que vai continuar a perseguir o partido?
Não sei. Este assunto deve estar a ser tratado a nível do partido e o executivo. Ou vai ser tratado a nível do Executivo do partido, ainda não deve ser uma prioridade.
Não deve ser prioridade?
Não deve ser. Uma grande parte de elementos que se encontra no activo era do 27 de Maio. Portanto, não sei quando é que o partido vai agendar este assunto.
O MPLA não tem pressa em discutir a sucessão presidencial?
O MPLA tem estatutos e regulamentos.
Não há nenhuma cláusula nos regulamentos e nos estatutos que fala de sucessão. Não há.
Tem sido atribuída ao deputado a seguinte frase: ‘Eu sou o MPLA’.
Assume isso?
Eu nunca disse isso. Esses são aqueles que no quadro da luta de classes procuram denegrir as pessoas com anedotas. Eu não podia dizer de forma alguma que sou o MPLA, porque não sou o fundador do MPLA, não subscrevi o manifesto do MPLA de 1956.
Em 1956 era militante aí com o Aristides e outros. O Aristides estava ligado ao Partido Comunista Angolano, portanto, não subscrevi este manifesto. Era miúdo até. Em 1958 tinha um movimento que criei com alguns amigos denominado Movimento de Independência Nacional de Angola. E esse movimento se fundiu com o MPLA em Brazzaville em 1960. Como é que podia dizer que sou o MPLA? Pode ser que tivesse havido alguma pessoa, sobretudo os camponeses que por qualquer razão teriam dito que o MPLA é o camarada Pacavira.
E esses gajos que inventam aí anedotas para denegrir as pessoas dizem que o Pacavira disse que ‘eu sou o MPLA’. Mas nunca eu disse isso, de forma nenhuma e em lugar nenhum.
O que lhe diz hoje o Golungo-Alto?
Eu vou sempre ao Golungo-Alto. Irei este fim-de-semana. Vou sempre.
É difícil passar um mês que não vou ao Golungo-Alto.
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