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Quinta, 26 Setembro 2024 17:55

Visita de Joe Biden não terá ganhos se não forem abordados direitos humanos, pobreza e corrupção

Confirmada a deslocação de Joe Biden a Angola. O Presidente dos Estados Unidos da América deve deslocar-se ao país africado de 13 a 15 de Outubro, nesta que será a primeira viagem de Biden a África desde que chegou à Casa Branca, em Janeiro de 2021.

Para o sociólogo angolano Paulo Inglês, se Biden não mostrar “alguma preocupação pelos direitos humanos e pela governação, pobreza e corrupção“, a sociedade angolana “não ganhará muito” com esta viagem.

Em recta final de mandato, o Presidente norte-americano, vai visitar Angola com o objectivo de reforçar as parcerias económicas e assinalar a criação da primeira rede ferroviária transcontinental de acesso livre em África.

A Casa Branca indicou ainda que os dois estadistas deverão abordar o reforço da democracia e do envolvimento cívico, a intensificação da acção em matéria de segurança climática e de transição para as energias limpas e, ainda, o reforço da paz e da segurança.

O democrata tinha prometido visitar África em 2023, um continente onde se desenrola uma luta de influência entre os gigantes chinês, russo e americano, todavia a promessa só agora se concretiza. Esta será a primeira viagem de Joe Biden a África desde que chegou à Casa Branca, em Janeiro de 2021.

Para o sociólogo angolano Paulo Inglês, a visita de Biden assenta em dois eixos, por um lado o económico com o projecto do Corredor do Lobito e, por outro, o geopolítico como uma forma de agradecimento do reposicionamento de Angola em relação a Washington. Diz ainda Paulo In glês, que esta viagem serve como grande “trunfo para João Lourenço”, que lhe dá “prestígio internacional”, todavia relembra que a maior contestação que visa o chefe de estado Angola, neste momento, vem da própria população afastada pelo elevado custo de vida e falta de emprego. Questionado sobre os possíveis ganhos desta viagem para a sociedade guineense, o sociólogo é peremptório “não estou a ver”, “Angola não ganhará muito se o presidente americano não fizer uma declaração ou pelo menos mostrar alguma preocupação pelos direitos humanos e pela governação, pobreza e corrupção”.

RFI: Quais são os principais eixos desta deslocação?

Paulo Inglês: São duas leituras. A primeira, não podemos desligar esta visita do contexto de uma certa disputa entre a China, a Rússia e os Estados Unidos. Angola alinhou-se, de certa maneira, com os Estados Unidos. Então é uma espécie de retribuição que Joe Biden faz a Angola, neste caso, ao presidente João Lourenço. Houve uma cimeira, há pouco tempo, China-África e o Presidente de Angola não foi, mandou um representante.

Fez-se representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.

O que foi uma opção política explícita, porque Angola é um parceiro importante da China. Aliás, é o país que tem a maior dívida com a China e a presença de Angola seria importante, até para mostrar que a China está interessada em África. O não ter ido à China foi um ‘balde de água fria’, mas, de facto, foi uma opção política do Presidente João Lourenço, da diplomacia angolana.

Acho que, de certa maneira, Joe Biden vem compensar isso. É uma espécie de retribuição dentro deste jogo, deste xadrez. O segundo ponto tem a ver com os interesses do próprio Estados Unidos em Angola, porque há este projecto de se ligar o Oceano Índico Oceano Atlântico, sobretudo controlar por linha férrea todo o transporte do minério.

O corredor do Lobito.

Corredor do Lobito, exactamente. Isso também é um interesse dos americanos. Nesse aspecto, a propósito do Corredor de Lobito, já houve um acordo de financiamento num montante de 1,3 mil milhões de dólares no início deste ano.

Sim, no fundo, são financiamentos a empresas americanas que vão investir no Corredor do Lobito, para ser mais explícito. É claro que Angola pode ganhar com isso. Agora, a sociedade civil angolana quer saber se, de facto, [Biden] vai falar sobre a questão dos direitos humanos, democratização, etc. Esta é a grande expectativa por parte da sociedade civil angolana. E depois, também é verdade, não sabemos se Joe Biden não tivesse saído da corrida para renovar o mandato estaria em Angola.

A maior parte das vezes, os interesses políticos, económicos, geopolíticos sobrepõem-se às questões de direitos humanos e à realidade social dos povos. É muito pouco provável que Joe Biden, na deslocação que faz a Angola, se debruce efectivamente sobre direitos humanos?

Sim, isso é verdade, é muito pouco provável. Alguma imprensa provavelmente poderá fazer eco disso e talvez internamente poderá haver algum comentário, mas isso não vai beliscar a presença do Presidente americano em Angola. Vai ser um ganho político para o João Lourenço, que por acaso está em ‘horas baixas’, e dá-lhe algum capital momentâneo, pelo menos político.

Esse capital, para o Presidente de Angola, é interno ou externo?

Eu acho que é tanto interno como externo. Mas neste momento ele precisa mais de capital interno do que externo. É claro que isso vai dar, no contexto da África, alguma excelência. De facto, sendo a primeira viagem em África, isso dá-lhe algum prestígio internacional, embora - na minha opinião - o que ele está a precisar neste momento é sobretudo algum ‘input’ a nível interno.

De popularidade.

Porque está a ser contestado por uma parte do seu o partido, a popularidade está muito baixa, a situação económica está a passar por um grande constrangimento e as medidas económicas não estão a ter resultados. Ele está num momento difícil da sua presidência e acho que esta visita poderá dar-lhe, momentaneamente, algum alento. Mas o que é certo é que foi um grande trunfo para o João Lourenço.

Houve uma evolução na relação entre Washington e Luanda neste mandato de Joe Biden?

Sim, houve uma evolução, porque João Lourenço alinhou certamente com os Estados Unidos, pelo menos a nível militar e de segurança. Angola foi sempre aliada natural da Rússia. E ultimamente houve um realinhamento, inclusivé, João Lourenço destituiu muitos generais, mandou para a reforma muitos generais da velha guarda que se formaram na Rússia ou nos países de Leste e levou para generalato uma nova geração de líderes militares, na sua maioria alinhados com o Ocidente. Depois Angola também está a comprar armamento americano. Até agora comprava russo.

Por outro lado, a situação daquelas bases no norte de Angola, em que tanto os americanos como Angola dizem que não é base, mas simplesmente um centro logístico. Mas o que é certo é que só navios americanos é que podem atracar naquele sítio. Há um reposicionamento de Angola e especialmente do Governo de João Lourenço em relação aos Estados Unidos e os Estados Unidos compensam este movimento porque, de facto, é uma clara mensagem quer à China, quer à Rússia.

Que ganhos tem para a população angolana esta deslocação de Joe Biden?

Em concreto, eu não vejo. Teria algum ganho se, por exemplo, os americanos mostrassem que estariam atentos ao escrutínio das eleições, à questão dos direitos humanos. A sociedade civil queixa-se de que há presos políticos porque criticaram o Presidente. Há partidos que não conseguem ser legalizados porque há uma interferência do poder político no poder judicial. Se houvesse uma clara declaração sobre estes assuntos, aí sim, acho que teria ganho para a sociedade angolana.

Por outro lado, neste momento, o Governo está a desbloquear muitos dossiês que estavam parados. Por exemplo, há uma associação de advogados americanos que tem uma espécie de ONG para trabalhar em Angola e que Angola não reconheceu. Rapidamente, estão a tentar reconhecer para não fazer uma desfeita à visita do Presidente americano.

Por isso, Angola está a tentar adequar-se a isso para dar, pelo menos, uma imagem de que está atenta aos direitos humanos, não há uma interferência do poder político no poder judicial, mas isto é, como se diz, ‘para inglês ver’. O que é certo é que Angola não ganhará muito se o Presidente americano não fizer nenhuma declaração ou, pelo menos, mostrar alguma preocupação pelos direitos humanos e pela governação, pobreza e corrupção, etc.

Este fomento das relações económicas entre Angola e os Estados Unidos reflectem-se na sociedade, na população?

Conforme está concebido o Corredor do Lobito, não sei se vai permitir, por exemplo, gerar postos de trabalho ou participação de empresas angolanas no projecto.

Muitas vezes, o que acontece, é que são empresas externas que vão, que tem os seus funcionários e a mão-de-obra nem sequer é nacional. Portanto, acabam por ser muito residuais os benefícios para os angolanos.

Exactamente, porque não é visível que haja algum ganho por parte dos angolanos. Porque, neste momento, o grande constrangimento da população é o desemprego, a dívida externa continua a pesar muito no Orçamento e, depois, sobretudo o problema da divisa, do câmbio, que está muito forte, a causar grandes constrangimentos.

Angola vive muito da importação e, por isso, os produtos estão muito caros, a inflação está alta e são constrangimentos que não sei se a visita do Presidente americano ou mesmo a entrada de uma soma grande para investimentos como no Corredor do Lobito, vão ter algum impacto. Esse é o grande tema, pelo menos a nível económico, com que os angolanos lidam neste momento. RFI

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