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Quinta, 15 Fevereiro 2018 11:03

PGR de Portugal admite reabrir processos que visam Manuel Vicente arquivados por Orlando Figueira

A Procuradoria-Geral da República (PGR) admite a reabertura dos processos contra o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente que o Procurador Orlando Figueira — atualmente em julgamento — mandou arquivar. Em resposta ao ECO, o gabinete da titular da investigação criminal afirma que, para já, esses mesmos inquéritos — arquivados em 2011 — ainda não foram reabertos, mas não descarta essa hipótese, condicionando essa decisão ao desfecho do julgamento da Operação Fizz, que está em curso.

“Até ao momento, os processos que referem não foram reabertos, estando o Ministério Público atento aos factos que resultem do julgamento em curso”, explica o gabinete da PGR, depois de questionado pelo ECO relativamente a três pontos:

1 - As três investigações que foram mandadas arquivar pelo ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira continuam arquivadas?

2 - Dadas as acusações de que o ex-procurador terá recebido dinheiro para arquivar os referidos inquéritos, não é suposto esses inquéritos serem reabertos?

3 - A reabertura desses mesmos três inquéritos está dependente do desfecho do Julgamento?

Em causa está o processo da chamada Operação Fizz, cujo julgamento começou há quase um mês. Orlando Figueira — à data dos factos procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) — é acusado de corrupção passiva, branqueamento de capitais (em coautoria com os outros três arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos). Em concreto, Orlando Figueira é acusado de receber 763 mil euros para arquivar os inquéritos por corrupção que corriam contra o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. Os factos remontam a 2011, data em que a atual PGR ainda não estava à frente dos destinos do Ministério Público. Pinto Monteiro era o PGR e Cândida Almeida a diretora do DCIAP, onde o arguido e ex-procurador estava colocado desde 2008.

O ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, à data dos factos presidente da Sonangol, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), de branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

Entre os acusados estão ainda o advogado Paulo Blanco, que responde por corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Manuel Vicente e Armindo Perpétuo Pires), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (também em coautoria com os restantes arguidos).

Armindo Pires, representante em Portugal de Manuel Vicente, é acusado de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Manuel Vicente), branqueamento de capitais (em coautoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

Quais são os três processos que a PGR admite reabrir?

  • O inquérito com o número 246/11.6, aberto em junho de 2011, é um dos três. Uma investigação que nasce depois de a CMVM denunciar suspeitas relativamente ao Fund Box — que detinha o empreendimento Estoril Sol Residence– e ao Banco Invest, onde o dinheiro era depositado. Apartamentos que terão sido vendidos a Manuel Vicente e Álvaro Sobrinho, então presidente do BESA. Alguns pagamentos eram feitos por empresas que aparentemente não teriam ligação com os beneficiários. E é aqui que entra a Portmill, empresa ligada a Manuel Vicente. Em causa estavam os crimes de associação criminosa e de branqueamento de capitais.
  • Deste anterior nasce o processo com o número 5/12.9. No decorrer dessa investigação, Orlando Figueira pediu que Manuel Vicente fosse investigado num processo à parte. A procuradora adjunta não concordou com a separação, mas Figueira conseguiu o seu objetivo e o nome de Manuel Vicente foi apagado de todo o processo. No dia em que foi expedida a notificação de arquivamento do processo 246/11.6 a Paulo Blanco, foram depositados 210 mil dólares na conta de Figueira no BPAE. Este pagamento foi feito pela empresa Primagest, sedeada em Angola. Sete dias depois de ter sido reaberto, este processo é arquivado.
  • E ainda o 149/11.4, que foi aberto em março de 2011, também por denúncias à CMVM, feitas pelos ativistas angolanos Rafael Marques e Alfredo Parreira. Estes acusavam Manuel Vicente e outros dirigentes angolanos de usarem empresas para adquirirem participações sociais na Movicel (telecomunicações angolana) e no BESA. Em causa, os crimes de branqueamento de capitais e corrupção. Orlando Figueira declarou o segredo de justiça, num despacho em que falava de suspeitas dos crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento de capitais e, eventualmente, associação criminosa.

O ECO questionou ainda advogados e um magistrado sobre esta possibilidade de reabertura, já que, segundo o Código de Processo Penal, um inquérito arquivado só pode ser reaberto se forem detetadas novas provas. O advogado da PLMJ João Medeiros, habituado a lidar com casos de crime económico, assume que “se ainda existirem condições para prosseguimento do procedimento criminal, ou seja, se não tiver havido entretanto prescrição, o superior hierárquico do Ministério Público pode avocar (chamar a si) o processo e proceder à sua reabertura”. “As provas de que a lei fala, a meu ver, tanto podem ser positivas (por exemplo, aparecer um documento ou uma testemunha que traz novas pistas quanto ao autor de um crime), como negativas, ou seja, que alguém recebeu dinheiro para arquivar um processo”, como é o caso, concluiu o advogado.

Henrique Salinas, professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica e sócio da CCA Ontier, explica que “o CPP só permite a reabertura do processo de inquérito que tenha sido arquivado caso surjam novas provas que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no arquivamento”, diz o advogado. “Porém, tratando-se de uma sentença, ainda que absolutória, pode a mesma ser revogada mediante recurso extraordinário se for proferida uma sentença, noutro processo, que julgue provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com a função exercida no processo. Este regime, por sua vez, é também aplicável a outros despachos que ponham termo ao processo, defendendo-se que entre eles se encontra o despacho de arquivamento. Por esta via, os arquivamentos proferidos pelo Ministério Público podem também ser objeto de recursos de revisão, desde que numa sentença se julgue provado crime cometido pelo magistrado do Ministério Público que esteja relacionado com as funções que exerceu no primeiro processo”, concluiu.

Já o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, recusou-se a comentar, por se tratar de um caso concreto e mediático.

O advogado Manuel Magalhães e Silva admite que “os processos podem ser reabertos se houver novas provas ou se houver uma decisão com trânsito em julgado que torne certo que o Orlando Figueira foi corrompido para arquivar o processo”, concluiu o advogado.

Na primeira sessão da Operação Fizz, o coletivo de juízes decidiu separar o processo relativo ao ex-vice-presidente angolano do processo principal. Isto depois de as autoridades angolanas terem respondido à carta rogatória do Ministério Público (MP) português. O MP angolano recusou notificar Manuel Vicente da constituição de arguido e do despacho de acusação. Devido ao facto de, segundo as autoridades angolanas, Manuel Vicente gozar de imunidade.

Este processo está a causar incómodo diplomático, sobretudo depois de no dia 8 de janeiro o presidente angolano João Lourenço ter dado uma conferência de imprensa onde disse que era “ofensa” a decisão de Portugal de não transferir o processo de Manuel Vicente para Angola. Deste então têm acontecido nos bastidores contactos e, no final de janeiro, o primeiro-ministro português encontrou-se com João Lourenço em Davos, na Suíça, numa tentativa de tentar desdramatizar o quadro das relações entre os dois países.

Na altura, António Costa disse que não havia “nenhum problema entre Portugal e Angola dos pontos de vista económico e político. Há uma questão que transcende o poder político, que não diz respeito ao Presidente da República, ao Governo ou à Assembleia da República. É um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias”. Caso o julgamento, que está a decorrer em Portugal e que envolve Orlando Figueira, termine em condenação, e caso a PGR decida reabrir os processos mais antigos contra Manuel Vicente, será mais um elemento de fricção nas relações diplomáticas entre Portugal e Angola.

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