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Sábado, 03 Fevereiro 2024 16:03

A maior farsa da justiça angolana

Não se trata de julgar o mérito de qualquer causa. Qualquer um que não tenha conhecimento de fundo sobre a verdade dos factos de um processo-crime está sujeito a meros exercícios de especulação.

A palavra da Procuradoria Geral da República representa e representará sempre uma versão dos factos. A outra, a palavra de quem é acusado, deveria ter importância equivalente. Dizemos deveria porque, em Angola, efectivamente não tem. Quando o Ministério Público anuncia a abertura de um processo-crime, até à acusação formal, os arguidos acabam praticamente condenados na praça pública.

Os processos levam uma eternidade até aos tribunais e, durante essa demora, o público consome apenas a versão do Ministério Público que, com a ajuda de uma imprensa domada, se consolida como verdade incontestável.

É, em parte, por essa razão que a força do Ministério Público, em Angola, se confunde com o poder dos tribunais. Não raras vezes até se fica com a impressão de que os tribunais se sujeitam ao Ministério Público. Em parte, é também próprio da natureza de um regime em que a separação de poderes não passa de uma ofensa à inteligência colectiva.

Vem isto a propósito de Isabel dos Santos. A empresária acaba, finalmente, de ser acusada pelo Ministério Público, quase seis anos após o início do processo de investigação da sua passagem pela Sonangol. Ao reagir à decisão do Ministério Público, esta semana à Rádio Essencial, Isabel dos Santos antecipou parte dos que deverão ser os seus principais argumentos de defesa. E se alguns já eram conhecidos, há outros que, por "higiene intelectual", como diz o jornalista William Tonet, qual- quer mente sensata não pode nem deve ignorar. Repare-se que não se trata de julgar o mérito da causa. Não está em causa afirmar-se se Isabel dos Santos é inocente ou culpada. É impossível fazê-lo pelo desconhecimento dos factos. Trata-se apenas de se colocar em cima da mesa aspectos aparentemente periféricos, mas que cimentam a tese da empresária de perseguição política.

Fiquemo-nos por dois factos. Isabel dos Santos assegurou a gestão da Sonangol por ano e meio a contar de Junho de 2016. Antes disso, nos quatro cantos de Angola, sabia-se que a Sonangol era o epicentro da corrupção no país. Tanto quanto se sabe, não há um único processo-crime que vise qualquer um dos anteriores gestores da petrolífera pública. Se a isto não se chama brincadeira, alguém que diga o que é. Isabel dos Santos também não governou sozinha a Sonangol. Em termos formais, a gestão corrente até não lhe cabia já que a comissão executiva tinha um responsável diferente. 'Estranhamente', Isabel dos Santos acaba de ser acusada apenas com aquelas figuras com as quais supostamente mantinha outros laços, além da Sonangol. Quem tinha competências de gestão da comissão executiva fica de fora. Se isto não é perseguição política, alguém que diga o que é.

Isabel dos Santos até pode e provavelmente vai ser condenada pelos crimes de que é acusada nos tribunais angolanos, mas o processo contra ela, por todo o teatro que lhe está associado, é talvez, ao mesmo tempo, a maior farsa de descredibilização da justiça deste país. Valor Económico

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