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Segunda, 12 Outubro 2020 12:47

Cidadãos precisam de informação mais detalhada sobre recuperação de ativos em Angola – jurista

O jurista angolano Albano Pedro defendeu hoje que o processo de combate à corrupção em Angola carece de “informações mais detalhadas” para que os cidadãos tenham uma “perceção contabilística clara” de onde, como e quanto foi "efetivamente" recuperado.

“É necessário que as pessoas tenham uma perceção contabilística do processo, porque fazer números redondos todo o mundo pode fazer, agora detalhar essas operações é que é importante para dar crédito e são essas informações que se precisam para dar credibilidade ao processo”, afirmou hoje Albano Pedro, em declarações à Lusa.

Para o jurista, o programa de combate à corrupção, um dos principais eixos de governação do Presidente angolano, João Lourenço, no poder há três anos, “tem claudicado” por “falta de informação específica” sobre o que é recuperado.

“Fala-se de recuperação de ativos, mas não se diz o que se recuperou e onde estão engajados”, apontou, sublinhando que “é preciso saber onde os valores estão e como serão recuperados”, referindo-se ao dinheiro que o Presidente angolano estimou ter sido retirado do erário público.

João Lourenço estimou em cerca de 24 mil milhões de dólares (20,2 mil milhões de euros) os prejuízos causados ao Estado angolano pela política de delapidação do erário público dos últimos tempos.

O valor, que resulta dos processos de investigação patrimonial em curso no Serviço Nacional de Recuperação de Ativos da Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola, foi revelado por João Lourenço numa entrevista concedida, por correio eletrónico, ao diário norte-americano Wall Street Journal, e cuja primeira parte foi publicada no domingo.

Segundo Albano Pedro, a apresentação pública desses valores pressupõe a existência (em Angola) de “mecanismos montados para que este dinheiro seja efetivamente recuperado e, se não for, serem responsabilizadas as pessoas que o desviaram”.

Porque em caso contrário, sublinhou, “seria imprudente o Presidente da República aparecer publicamente a anunciar ou denunciar o desvio desses valores todos”.

Albano Pedro, também docente universitário, admitiu que os valores desviados do Estado não sejam recuperados na globalidade por “falta de capacidade técnica, diplomática, administrativa e judiciária” que permita desenvolver um combate integrado que dê uma efetiva recuperação desses capitais.

As pessoas que desviaram esses capitais “são fortes”, comentou. “Têm boas relações internas e externas, muitas delas ainda fazem parte da máquina administrativa do Estado, são parte da governação de João Lourenço, muitos ocupando cargos de destaque”, adiantou.

“E há todo um processo de incumprimento, de colaboração que impede que este combate tenha o sucesso que se deseja. Só por isso, no meu entender, não temos números encorajadores até agora sobre a recuperação de ativos”, considerou.

“Em todos os julgamentos que já ocorreram em Angola, indiciando arguidos em desvio do erário público até agora, não se falou em recuperação de dinheiro algum e nem as pessoas foram condenadas a devolver dinheiro”, referiu.

O jurista angolano, docente de direito administrativo e de direito internacional privado, admitiu ainda que os processos tenderão mais à “perseguição” de pessoas que desviaram os valores do que à transferência dos mesmos a favor do Estado.

“A serem recuperados, quero crer que esses valores serão encaminhados para os esforços financeiros do Estado, e essa é a finalidade natural da recuperação dos ativos do Estado”, afirmou.

Na entrevista ao Wall Street Journal, João Lourenço especifica que, dos cerca de 24 mil milhões de dólares desviados, 13,5 mil milhões foram retirados ilicitamente, através de contratos fraudulentos com a Sonangol, 5 mil milhões através da Sodiam e Endiama, empresas de diamantes, e os restantes 5 mil milhões foram retirados através de outros setores e empresas públicas.

Até à data, o valor dos bens móveis e imóveis apreendidos ou arrestados em Angola, como fábricas, supermercados, edifícios, imóveis residenciais, hotéis, participações sociais em instituições financeiras e em diversas empresas rentáveis, material de eletricidade e outros ativos já ascende a 4,2 mil milhões de dólares (cerca de 3,5 mil milhões de euros), anunciou ainda o Presidente.

João Lourenço adiantou também que o Serviço Nacional de Recuperação de Ativos da PGR solicitou às suas congéneres no exterior do país a apreensão ou arresto de bens e dinheiro, no valor de cerca de 5,4 mil milhões de dólares (cerca de 4,5 mil milhões de euros), nomeadamente na Suíça, Holanda, Portugal, Luxemburgo, Chipre, Mónaco e Reino Unido, “lista que tende a alargar-se”, afirmou.

Já em dinheiro, o valor recuperado pelo Estado angolano até agora foi de cerca de 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,2 mil milhões de euros) e cerca de 2,1 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) foram recuperados em imóveis, fábricas, terminais portuários, estações de TV e Rádio, em Angola, Portugal e Brasil.

 

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