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Quinta, 12 Dezembro 2019 19:55

Crime em Luanda - uma prática que vem de longe

Há sensivelmente duas semanas, o clima de insegurança que pairava por Luanda começou a dar sinais de abrandamento, facto que não representa o fim da criminalidade na capital do país (com mais de sete milhões de habitantes), mas já é um bom indicador para tranquilizar a sociedade.

Nos últimos dias, pairava sobre a província de Luanda um verdadeiro clima de pânico, terror e medo, com relatos e registos de ocorrências brutais, que punham em causa a prontidão da Polícia Nacional.

Luanda chegou a registar em apenas 72 horas cinco assaltos à mão armada em diferentes zonas do centro e da periferia, que resultaram em seis mortos.

Grande parte das vítimas saía de agências bancárias, sendo que morreram assassinados, nesse período, um cidadão português, um russo e quatro angolanos, incluindo dois agentes da corporação que trabalhavam como escoltas privados.

O ambiente hostil levou os cidadãos a redobrarem os cuidados, principalmente no acto de levantamento de valores monetários nas agências bancárias e na hora de fazer as suas deslocações de táxis.

Bastava abrir as páginas das redes sociais, ligar a TV ou sintonizar um canal de rádio, para ficar com a nítida sensação de que Luanda caminhava rapidamente para o abismo, com uma onda de crimes incontroláveis, mas que, na verdade, não são assim tão novos.

À semelhança de outras paragens, incluindo países do primeiro mundo, como os EUA e a França, o crime esteve sempre presente em Luanda, não é algo que esteja a nascer agora, na nova governação, por alegado aumento do custo de vida, como se procura fundamentar em alguns círculos.

Os mais atentos saberão que a capital do país sempre registou casos de criminalidade, em particular assassinatos, sobretudo nos bairros periféricos.

As razões para que essa onda de crime fosse maior na zona periférica, em relação à urbana, são sobejamente conhecidas. Afinal, todos sabem que em muitos desses bairros o acesso é complicado, há falta de urbanização, arruamentos e iluminação, deixando as forças da ordem praticamente na "linha da morte".

Muitas vezes, esses factores concorrem para a pouca eficácia da Polícia Nacional, que, ainda assim, tem o dever constitucional de assegurar os cidadãos, sem distinção de condição social.

Mas, afinal, como justificar, então, o aparente crescimento de crimes em plena cidade?

É disso que muito se discutiu nos últimos dias, passando-se, em alguns círculos, a ideia de que a Polícia estaria claramente a “perder” a guerra contra os marginais. Será?

Se algumas pessoas dramatizaram o cenário ou não, o certo é que a aparente calma está de volta às ruas de Luanda, numa altura em que a sociedade se prepara para a azafama da quadra festiva.

Isso deve-se, em grande medida, ao reforço das medidas de combate ao crime levadas a cabo pela Polícia Nacional, que se viu obrigada a lançar acções de patrulhamento ostensivo, em diversas ruas e avenidas do centro da cidade e interior de bairros periféricos.

Esta medida policial, ainda em curso, visa devolver a tranquilidade aos cidadãos, que lançaram vários gritos de socorro, exigindo respostas rápidas contra o crime.

A eficácia dos agentes da corporação culminou com a apreensão de mais de 40 armas de fogo, depois de revistas motorizadas, transeuntes, passageiros de táxis e em enfrentamentos directo ao crime.

Em poucos dias, as acções permitiram desmantelar 15 grupos de marginais, nos diversos municípios, tendo sido interpeladas e revistadas cerca de três mil viaturas e motorizadas.

No mesmo período, a corporação deteve mais de 200 suspeitos.

Esses são pequenos indicadores que atestam a pronta resposta da Polícia Nacional, dando indicações claras de que, apesar dos relatos, o índice de crime até diminuiu.

Segundo a Polícia Nacional, foram registados, no terceiro trimestre deste ano, um total de cinco mil e 245 crimes contra pessoas, o que significa redução de 256 casos em relação aos três meses anteriores.

Neste trimestre, foram registados 362 homicídios voluntários em todo o país, menos 67 casos, correspondendo a uma diminuição de 19 por cento. Dos registos destacam-se, ainda, as ofensas corporais, com três mil e 161 casos, mais 180 que no trimestre passado.

A polícia registou 18 raptos (mais 14) e 496 violações sexuais, menos quatro casos comparando com o mesmo período anterior. Destes crimes, três mil e 402 foram praticados por pessoas próximas e mil e 843 foram cometidos por delinquentes.

Luanda foi a província que mais homicídios voluntários registou, com 153 assassinatos (menos 17), seguindo-se a Huíla (40), Bié (32), Huambo (27) e Lunda Norte (17), Cuanza Sul (19), Uíge (16), Benguela (14), Cuanza Norte e Namibe (seis), respectivamente.

Tudo isso resulta das novas acções da Polícia, consubstanciadas na prevenção e combate ao crime com recurso à arma de fogo, à saída dos bancos, sequestros, bem como na retirada de películas coloridas em viaturas que exercem a atividade de táxi, uso indevido de sirenes e flash, revistas a motorizadas e suspeitos de envolvimento em crimes.

Apesar da intenção de repor a ordem pública e elevar o sentimento de segurança aos cidadãos, o “calcanhar de Aquiles” continua a ser, claramente, a proveniência das armas de guerra com elevado poder de fogo, como a “AKM ”.

Essas armas provêm de várias fontes, entre elas elementos ligados a determinadas empresas de segurança, que acabam por ser os fornecedores dos delinquentes.

Segundo alguns elementos ligados a essas empresas, já detidos, o material tem sido alugado aos marginais por algumas horas para o cometimento de crimes.

O aluguer varia de 10 a 15 mil kwanzas para duas ou três horas, um tremendo acto de "irresponsabilidade" por parte de quem devia ajudar a promover a segurança pública.

Diante desse quadro, urge a necessidade da criação de uma base de dados moderna, onde qualquer tipo de arma de fogo deve ter um registo individual ou colectivo.

Se nada for feito nesse sentido, em vão será o reforço das operações policiais e as armas continuarão a circular em massa, livremente, deixando os cidadãos expostos à morte.

É imperioso também que as autoridades melhorem os mecanismos de controlo de circulação das armas de fogo credenciadas para os próprios oficiais da Polícia e do Exército, muitas usadas de forma indevida por familiares, em acções criminosas clandestinas.

Há, pois, que reforçar o patrulhamento nas ruas e criar, acima de tudo, condições objectivas para se desmantelarem com mais celeridade os grupos de marginais.

A nova tipologia de crime que tende a ganhar corpo em Luanda (assaltos à saída de bancos, concorridos de morte) não pode continuar a tirar o sono do pacato cidadão.

O Estado deve assumir com rigor as suas responsabilidades constitucionais de proteger o cidadão, alí aonde estiver, não importa que seja no campo, na periferia ou na grande cidade.

A Polícia já várias vezes denunciou que nesses crimes tem havido a participação directa de funcionários bancários, que dão pistas aos seus eventuais parceiros sobre os clientes que atendem.

Para reduzir o índice desses assaltos, o Ministério do Interior solicitou aos bancos para não permitirem o levantamento de avultadas somas sem patrulhamento policial, por parte do cliente.

Mas fica claro que só isso não basta. É urgente aplicar-se outras medidas de controlo sobre os funcionários bancários, como a proibição de uso de telemóveis individuais em horário de expediente.

O uso da rede fixa, através do PBX, impõe-se, para permitir o rastreio das conversas em horas normais.

Os bancos devem trabalhar na materialização da orientação de instalação de câmara de vídeos vigilância fora e no interior das agências, interligadas ao centro de monitoramento da corporação.

Para desencorajar os crimes à porta de bancos, afigura-se também necessário impor maior rigor na seleção de admissão de funcionários de empresas bancárias e de segurança, criando um perfil de entrada aceitável que ajude a travar a entrada no sistema de bancário de marginais.

Só com essa combinação de esforços poder-se-á falar, de forma efectiva, que a criminalidade está controlada e, apesar dos seus picos altos e baixos, o cidadão pode circular por Luanda sem medo de cair em qualquer esquina e a qualquer hora, vítima de marginais.

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