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Sábado, 16 Janeiro 2016 11:25

Ao tolerar ditadura, Brasil sinaliza que poderá fazer o mesmo, diz Filomeno Lopes

O Bloco Democrático, uma das mais novas forças de oposição em Angola, espera do Brasil, maior país de língua portuguesa e importante parceiro de Luanda, que se pronuncie "claramente" contra a repressão do governo de José Eduardo dos Santos –há 36 anos no poder– a opositores.

"Ao tolerarmos Estados ditatoriais, estamos dando um sinal de que o poder [governo] brasileiro também pode fazer a médio e longo prazo o mesmo com seu próprio povo", disse à Folha, em São Paulo, Filomeno Vieira Lopes, 61, secretário-geral do partido, criado em 2010, mas que já tem projeção internacional como uma voz opositora independente.

O pedido de manifestação se refere, em especial, ao caso de 15 ativistas detidos em junho, acusados de tramar um golpe de Estado.

A oposição acusa o governo de ter torturado os jovens, que respondem a julgamento em prisão domiciliar desde dezembro.

Leia abaixo a entrevista de Lopes.*

Folha - Como o Sr. avalia a situação econômica e política em Angola hoje?

Filomeno Vieira Lopes – Angola é um país dependente do petróleo –97% das receitas do Estado provêm do petróleo. Com a queda do preço do barril, houve uma forte queda de receita, que levou a uma crise enorme nas finanças públicas. Esta vai levar a uma crise econômica de grandes proporções. Toda a atividade econômica da construção civil, agricultura estava sendo financiada pelo petróleo. O aumento tem impacto até no pastel de bacalhau. Os transportes públicos subiram 50% e isso está criando uma situação crítica.

A situação financeira agravou alguns indicadores econômicos que já não eram bons, como o desemprego e a inflação, que está chegando nos 13%. Angola é um dos países com indicadores mais graves da África subsaariana em termos de mortalidade infantil, analfabetismo, acesso a água potável. Isso vai levar a uma situação de pobreza cada vez maior.

Angola vai ter que recorrer eventualmente, como já o faz, ao mercado de capitais internacional, o que vai criar um novo problema: uma dívida externa extremamente alta.

Diante da crise econômica, a repressão política tende a se acirrar?

Essas crises podem conduzir a uma crise política. A resposta [do governo] tem sido fundamentalmente a repressão e o calar de vozes a quem faz alguma crítica. As liberdades são cada vez menos consentidas.

Cada vez mais os parlamentares da oposição, por exemplo, não conseguem desempenhar as funções que aparentemente são garantidas pela Constituição, como a de fiscalizar o Executivo. Se eles quiserem fazê-lo, terão que pedir licença ao presidente, e ele poderá dar ou não a autorização para que haja fiscalização do Executivo.

Quando teve início a Primavera Árabe no norte da África, alguns chegaram a prever também uma 'Primavera Angolana'. O momento para isso já passou? Ou a crise econômica de agora é uma oportunidade para a mudança?

Estamos num Estado de pobreza, em que a juventude não tem oportunidades, grande parte não tem capacidade econômica de ir para uma universidade. Começa, portanto, a surgir uma juventude indignada. Uma juventude que, quando era criança, foi educada pelo próprio MPLA [partido do governo] num sistema completamente diferente, que pregava a honestidade, o desenvolvimento equilibrado, oportunidades para todos. E hoje eles entram em choque com essa situação.

Neste momento, a ausência de resposta [do governo] para os problemas nacionais é extremamente grande. A crise vai obrigar os vários setores sociais a pensarem Angola de uma forma diferente: não como um país rentista, porque o mito do petróleo terminou com esta queda abrupta do preço do petróleo. O país tem outras riquezas, que não podem ser exploradas só por um grupo minoritário ligado ao aparelho do Estado.

Do ponto de vista conjuntural, a crise vai conduzir a uma maior capacidade de perceber o que é o regime do MPLA, porque as pessoas estarão face a face com os problemas reais, e então é possível que, nas próximas eleições [em 2017], haja um forte deslocamento de forças sociais para a oposição e se crie uma aspiração nacional de mudança.

Então a oposição vê uma possibilidade de mudança de governo pela via eleitoral?

Creio que a via eleitoral vai permitir perceber que o país pode caminhar para uma situação diferente. O que estamos visualizando é que a população vai sentir que a legitimidade do governo terminou, porque este regime já não tem capacidade de fazer aquilo que todos desejam, que é seguir com a transição democrática do país [iniciada em 1992, com as primeiras eleições].

Como a oposição pode atuar hoje em Angola?

Há uma grande limitação para os partidos com assento parlamentar, que não têm condições de executar as suas funções. Fora do Parlamento, a oposição tem sido feita por meio de manifestações e da palavra, mas aí também há limitações. A grande maioria dos meios de comunicação foram comprados por entidades ligadas ao governo, então o espaço da oposição na mídia é cada vez menor. O escape está nas redes sociais, e elas têm confrontado o regime.

Mesmo as ONGs são extremamente reprimidas em Angola. Foi aprovada agora uma lei que restringe o espaço das organizações não governamentais e está havendo perseguição.

É verdade que a oposição faz a sua luta, tenta furar o bloqueio em todos os meios, mas depois se confronta com o poder Judiciário.

Como no caso dos 15 ativistas detidos acusados de preparar um golpe de Estado.

Sim. Neste momento, eles estão sendo julgados. Alguém fez uma brincadeira no Facebook e constituiu um governo de solução nacional, com 45 nomes. O governo então os acusa de planejar um golpe de Estado e de já ter, inclusive, um Executivo pronto para assumir.

É possível que este seja um julgamento justo?

Já não tem sido um julgamento justo. O poder Judiciário não é independente em Angola. A prisão desses jovens foi feita sob o pretexto de golpe de Estado, mas depois, no levantamento dos autos, esse crime passou a ser de rebelião –embora se mantenha a tese de que ela tinha a intenção de substituir o atual Executivo.

Os jovens ficaram até pouco tempo atrás presos e sofreram torturas físicas e psicológicas nas prisões. Durante o julgamento, um dos réus foi obrigado a ler um livro de 195 páginas, o que mostra como é a condução deste processo. Ainda estão detidos, mas agora em suas casas.

Estão escarafunchando outros tipos de acusações contra estes ativistas, como de documentos falsos. Há todo um conjunto de novos argumentos para potencializar a pena ao máximo.

O que se pretende com isso é impedir que eles continuem a ter um ativismo político, e sobretudo uma participação nas próximas eleições, em 2017. Muitos deles participaram do trabalho de controle eleitoral em 2012 e foram eles que conseguiram provar que houve fraude eleitoral. Portanto não contamos que haverá um julgamento justo.

Como a comunidade internacional pode ajudar neste caso?

A comunidade internacional deve ser muito mais ativa do que tem sido sobre o que se passa em Angola. O tempo de ditaduras já acabou. Estamos tendo um retrocesso na nossa transição para a democracia que não é favorável por exemplo, ao espaço da CPLP, que não é favorável ao mundo.

O que esperamos dos países –e também do Brasil– é que se tenha coragem de aconselhar o presidente José Eduardo dos Santos a recuar em relação a isso.

Naturalmente, há interesses econômicos, há países que tem um nível de relação econômica com Angola. Mas o mundo precisa de um equilíbrio de valores. Se não existirem valores mínimos, se os países não forem capazes de se influenciarem para que haja democracias sólidas, isso não é favorável ao desenvolvimento mundial.

Claro que tem havido uma resposta positiva em certos círculos da comunidade internacional, sobretudo da sociedade civil –e aproveito para agradecer o empenho e a solidariedade de um conjunto de personalidades brasileiras.

O que a oposição angolana espera do Brasil?

É preciso não ter uma atitude que possa prejudicar a própria democracia brasileira. Porque, ao tolerarmos Estados ditatoriais, estamos dando um sinal de que o poder [governo] brasileiro também pode fazer a médio e longo prazo o mesmo com seu próprio povo.

Espero que as instituições no Brasil não permitam isso, mas é um sinal negativo que se dá.

Seria importante que, no nível da Presidência, existisse um pronunciamento claro em relação a isso [aos 15 detidos] e que isso fosse do conhecimento dos angolanos.

O mais alto nível brasileiro poderia repudiar e aconselhar o presidente José Eduardo a desistir deste tipo de julgamento e, se achar que [o presidente] ainda tem essa capacidade, a prosseguir com o processo de transição democrática em Angola.

A CPLP também deve se pronunciar?

Deveria se pronunciar, mas estamos decepcionados porque a CPLP admitiu a Guiné Equatorial por razões de interesse financeiro. Exigiu-se que a Guiné Equatorial cumprisse certo tipo de formalidades, mas a repressão continua naquele país e estamos vendo que a CPLP não vai tomar nenhuma medida.

O Sr. considera que seu país vive hoje uma ditadura?

Sim, mas é uma ditadura sofisticada, porque há a existência de partidos, há um Parlamento...

Há eleição...

Bem, isso vamos ver em 2017. Estamos num regime de democracia extremamente vigiado. Acontecimentos recentes mostram que estamos sob um Estado ditatorial, como o massacre em Huambo contra uma seita religiosa [A Luz do Mundo]. Mulheres e crianças foram dizimadas e se protegeu o lugar em que isso aconteceu para que não houvesse testemunhas.

Há esse julgamento dos 15 jovens, proibição às manifestações. É um regime persecutório a todos aqueles que têm ideias diferentes. Não há poderes independentes em Angola, não há liberdade, não há democratização econômica. Há um núcleo ligado ao MPLA que tem o domínio completo da economia, e a Presidência domina completamente o petróleo e os grandes rendimentos nacionais. Todos os que se opõem a isso são julgados como criminosos.

Durante sua passagem por São Paulo, o sr. se reuniu com angolanos que vivem no Brasil. O que ouviu deles?

Eles estão bastante apreensivos sobre a situação em Angola e também sobre sua segurança do ponto de vista financeiro aqui. Me perguntaram como está a economia do país, se, nessas atuais circunstâncias, o país está vivendo uma ditadura ou não. Notei que muitos desejam voltar, mas há outros que veem que aqui têm um nível de cidadania que não vão ter em Angola.

Folha de São Paulo

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