Junto ao Largo da Independência (1.º de Maio), ponto nevrálgico da capital, Luanda - onde, em 1975, o primeiro Presidente, António Agostinho Neto, proclamou a independência -, Francisco de Jesus, ex-combatente, de 78 anos, é o rosto do desalento.
"[Está] tudo mal, mal, mal, estamos a sofrer, seria bom que o branco ainda estivesse aqui (...) o bem é só porque a guerra já cessou, há muita gente que come no lixo, muitos estão a vasculhar nos contentores, esse país está bom?", pergunta, recordando como "foi bom" quando a notícia da independência foi conhecida.
"Ficámos mesmos satisfeitos", recorda, sobre o dia da proclamação. Entrou logo de seguida na vida militar, interrompida após um acidente com um camião que o levou de volta ao mundo civil, mas queixa-se agora de não ter tido reconhecimento por parte de quem governa:
"São gatunos, não conhecem o sofrimento do povo. Passo muito mal mesmo, estou doente e não estou a receber. Quando estava na vida militar era um bom combatente, depois saí e já não recebo mesmo nada".
"Angola é à toa, os governantes são corruptos, são gatunos", indigna-se.
No centro da praça, uma estátua retrata o Presidente de punho erguido com ar triunfal. A base ostenta um dos seus mais conhecidos poemas, "Havemos de voltar", falando da esperança de uma Angola libertada e independente, mas, para muitos, como as crianças que por ali mendigam ou revolvem no lixo, os sonhos ficaram por cumprir.
Tristeza e desilusão são hoje as palavras que Teresa de Jesus da Silva, nascida em 1968, associa à independência.
"Esperávamos que depois da independência seríamos felizes e veio esta miséria. Há muita gente desempregada, há pessoas com depressão, há muita lástima", deplora, sublinhando que "não era esta a Angola que esperava, esta Angola onde não temos nada".
Lamentando a "muita miséria que se vive em Angola", diz que não há diferenças face ao que está a acontecer em Moçambique e questiona: "vamos celebrar o quê?"
Teresa critica a falta de liberdade de expressão e diz que o povo deveria sentir-se mais livre.
"Tinha de haver democracia (...). Não podemos nos manifestar, não podemos dizer a verdade, vivemos mal e temos de nos conformar com o mal", lamenta, pedindo mudança de consciência.
"Enquanto não houver partilha de poder, eleições livres e justas, não vejo melhorias", frisa.
No largo, Jorge dos Santos, de 22 anos, dedica-se à venda ambulante para garantir a sobrevivência e considera que "tudo foi melhorando" com a independência, porque os angolanos deixaram de ser escravos e "recuperaram as riquezas e tudo o que lhes pertencia", sublinhando que "valeu a pena a paz".
Mas, nas vestes de rapper `revu` (como são conhecidos os jovens contestatários), as suas letras espelham também um sentimento de desilusão: "Meu coração está angustiado/abatido/abalado/ esse é o grito deste mundo que chora/ implora pela reputação da independência/ porque nessa terra arruinada/ só existe corrupção humilhação inflação/ nossos sonhos se transformaram em episódios de desespero/ desencanto nessa terra arruinada".
Laureano da Silva, estudante, de 27 anos, tem uma visão menos crítica, valorizando a paz e a reconstrução, realçando a consolidação da paz como principal conquista. Defende, por outro lado, "mais abertura para a juventude", responsável por dar sequência a estes desígnios.
"Sem paz nada se faz, o mais importante é a paz e a liberdade. Temos paz, temos liberdade, precisamos que os jovens deem sequencia a estes dois pontos importantes", sugere.
Encostado ao Jumbo, o primeiro hipermercado de Luanda, inaugurado ainda no tempo colonial, o bairro Madeira mostra outra vivência urbana, de ruas onde falta o asfalto e sobram os buracos, preenchidas com gente que tenta por ali fazer os seus pequenos negócios.
Luisinho, ou "Grande Gajo", como é conhecido, é empresário de "mercadorias diversas" e diz que "não vale a pena" celebrar a data, apontando o elevado custo de vida como preocupação.
"As coisas subiram de uma maneira... está tudo muito pesado, está mal", considera, afirmando que os governantes "podiam fazer coisas melhores".
"Quem gosta de Angola não deixa de dar de comer aos seus filhos, quem deixa o filho a chorar não é bom pai", afirma "Grande Gajo", mostrando as ruas improvisadas que se tornam intransitáveis quando chove e a falta de água num bairro "que está na cidade".
Já a farmacêutica Paulina Sangongue, de 36 anos, elogia a independência e o fim da guerra e diz que há motivos para celebrar, apesar de se queixar da crise financeira que afetou os angolanos e que levou a que tudo "ficasse mais apertado"
Entre as oportunidades, aponta a possibilidade de emigrar que os angolanos não tinham quando não eram independentes e justifica o desejo de sair com a "vida difícil" e necessidade de dar melhores condições aos filhos, a nível de educação e saúde.
Angola, daqui a 50 anos, "se continuar no caminho que está, vai estar mal", realça.
"Temos muito problema da cesta básica. Eu já vi pessoas a lutarem por causa da comida, os contentores do lixo já estão ocupados pelas pessoas de rua, para apanhar comida e levar nas suas famílias", reforça Paulina, lamentando o enorme número de desempregados que existe no pais.