Como olha para o País político: está estagnado, está a andar?

Existe uma resistência em certa elite política, que resulta da fraca compreensão da necessidade de acelerarmos o processo da democratização do País. Essa elite está descansada naquilo que já se conseguiu alcançar. Considera-se que aquilo que se alcançou na construção do Estado Democrático e de Direito é suficiente, e essa elite, infelizmente, é poderosa.

Precisamos de criar condições para despertar essa elite política, no sentido de entender que o processo democrático mal começou e que ainda há muitos passos a serem dados, para que Angola seja um País verdadeiramente democrático, livre, com as liberdades fundamentais garantidas a todos os cidadãos.

Precisamos de criar as condições políticas necessárias para que o cidadão, no seu local de residência, possa exercer um poder real, sentindo-se parte integrante do povo. Portanto, eu penso que, até que essa elite política se convença desta necessidade, o País continuará numa marcha lenta, quase estagnada, por inércia latente dos cidadãos e das organizações na sociedade, presentes, mas invisíveis e pouco participativas, dando lugar à excessiva centralização que tem emperrado o desenvolvimento.

Essa elite é exclusiva do seu partido...

Sim, admito que uma grande parte dessa elite pertença ao MPLA, o meu partido. Tenho de dizê-lo com toda franqueza. Até porque alguns deles se manifestam publicamente, portanto, nesta matéria, não descubro a roda. São muitos que assim se manifestam diariamente, com todo o à-vontade, e nas intervenções públicas defendem o actual paradigma, demonstrando que não estão preparados para admitir uma necessidade de criação de condições políticas e de reformas cada vez mais inovadoras e estruturantes, para que o País seja, de facto, um País Democrático e de Direito.

Em 2021, o senhor procurou candidatar-se a presidente do MPLA, mas não foi bem-sucedido. O Tribunal Constitucional, a entidade a quem recorreu para ver alterada a situação, acabou por indeferir a sua solicitação. Qual foi a sensação?

Foi uma sensação de inexperiência partidária. Inexperiência do meu partido nestas matérias de democracia interna, aliás, estatutariamente estabelecida. O partido acusou uma certa inexperiência e deixou escapar um importante momento no exercício de uma democracia interna construtiva, e os actos de rejeição para uma segunda candidatura, de tão acirrados e medonhos, fizeram descambar todo um processo que, ao início, transparecia ser o início de uma nova etapa de evolução histórica dentro do MPLA.

Muitos de nós acreditamos, até então, que os militantes começariam finalmente a usufruir do privilégio de eleger o seu líder em moldes mais eficazes de uma concorrência sã e leal aos princípios estatutários, em que cada membro do partido teria o seu direito à palavra assegurado e, em relação às escolhas dos dirigentes, estaria criada a condição ideal para que, daí em diante, os nossos representantes na direcção do partido fossem eleitos de modo absolutamente livre, em consciência e com base nas listas em concorrência.

A inexperiência e a resistência dos mais poderosos impediram a realização deste salto histórico. Penso que deixámos escapar uma grande oportunidade. Em 2021, finalmente teríamos dado corpo àquilo que os nossos estatutos estabelecem. Relativamente ao ideário do MPLA, cito apenas três condições primárias: em primeiro lugar, o que está estabelecido nos estatutos, segundo o qual o MPLA é um partido que pugna pela modernidade; em segundo lugar, que o MPLA é democrático; e em terceiro lugar, que o MPLA é um partido progressista. Assim, está espalmado nos nossos estatutos, e isso é a orientação básica para o funcionamento de todo o partido, visando servir o País.

E nós poderíamos ter dado este passo decisivo com duas candidaturas, ou mesmo três, se a minha fosse validada e apoiada, porém, assim não aconteceu e perdemos a oportunidade histórica de o fazer, não só porque acusamos esta inexperiência política inviabilizadora, mas, sobretudo, porque cometemos o pesado erro de ferirmos com agravo os princípios democráticos mais elementares que devem reger toda a organização. Considero que um partido de uma estatura histórica como o MPLA, que assume, nos seus documentos reitores, a democracia como princípio orientador da sua acção política quotidiana, deveria dar o exemplo naquele ano.

Durante este processo, que erros terá cometido e que espera nunca voltar a cometê-los?

Contar com a imprensa pública foi o [meu] grande erro de antevisão. Pensamos que, naquela altura, ela já estivesse mais livre, já não estivéssemos tão atrasados em matéria de desempenho profissional dos jornalistas responsáveis. O jornalismo praticado não foi o melhor. Era preciso que os responsáveis tivessem já um conhecimento mais claro da pluralidade que os novos estatutos do MPLA defendem e deviam abster-se de influenciar o curso da realização partidária naquela época do congresso.

Enquanto pré-candidatos aceites pelo órgão eleitoral responsável pela recepção das candidaturas, todos devem beneficiar de espaço de intervenção pública pelos meios do Estado. A interdição e o silenciamento prejudicaram o processo, sobremaneira. Não foi prestado o excelente serviço público jornalístico que todos ansiávamos. E, por efeito boomerang, a medida pesou em desfavor do candidato [do partido nas eleições-gerais], e, por arrasto, do despertar de uma nova cultura democrática que o País inteiro deverá exercitar.

O facto de a imprensa pública provar que não acompanha as mudanças no partido e, sobretudo, as que vão ocorrendo cada vez de forma mais intensa na mentalidade da nossa população não permitiu entender que a população angolana é agora muito mais lúcida politicamente, mais madura e, portanto, mais crítica e mais punitiva.

Falando de experiência, já agora, quais foram as experiências que colheu com todo este processo?

Muitas. A primeira experiência foi a tomada de consciência de que há muitos militantes no MPLA, muitos militantes mesmo, que estão interessados numa democracia interna. Milhares assim se manifestaram nos nossos encontros e jornadas no interior do País.

A outra experiência foi confirmar com algum desencanto que, apesar da grande franja de militantes que dominam os estatutos, muitos outros não o dominam e muitos outros têm muito receio e medo da abertura. Apesar do conforto que os nossos estatutos conferem a cada militante, ainda persistem no seio do meu partido alguns receios, desconfianças de poderem vir a sofrer alguma represália no trabalho ou no seio da organização, enfim, medo de perderem regalias, situação que julgo vai sendo ultrapassada paulatina e velozmente nos últimos tempos, devido à qualidade intelectual de um grande número de militantes que vêm ingressando no partido nos últimos anos.

Outra experiência adquirida nesta longa e dura caminhada que empreendi pelo País em contacto com militantes e figuras importantes do partido é que os estatutos do MPLA precisam de ser mais estudados e mais divulgados no seio da organização, não só para a educação dos seus membros, mas também para um melhor conhecimento dos desígnios do MPLA por parte de toda a sociedade angolana. Os nossos estatutos têm de ser mais disseminados pelo País. Essas três experiências foram, para mim, muito enriquecedoras.

Ainda pensa em candidatar-se a presidente do MPLA?

Se as condições que antes me levaram a apresentar o interesse por uma candidatura à liderança do MPLA prevalecerem, então não me resta outra justa saída senão continuar a servir o meu partido com todas as forças que me forem oferecidas pelo Criador. A coerência é um valor que pugno como essencial para mantermos a nossa militância activa, nunca recusando de usufruir, sempre que necessário, dos nossos direitos civis e políticos, estatutária e constitucionalmente protegidos.

Não me repugnaria nada ver no próximo congresso mais do que uma candidatura na procura do assento máximo da liderança do MPLA. A busca de uma maior perfeição organizativa, maior dinâmica política, mais empatia para com as populações e a busca de melhores resultados eleitorais devem constituir, hoje, uma preocupação de cada verdadeiro militante do MPLA, e, por isso, a emulação de cérebros no seio do MPLA é, para mim, sempre bem-vinda. Essa concorrência prevista nos nossos estatutos pode, a curto-prazo, constituir-se numa poderosa alavanca para melhorarmos a qualidade das decisões da liderança e do partido no seu todo, e isso só será possível com mais democracia, mais candidaturas, em harmonia perfeita com a preservação da nossa coesão interna e o reforço da noção de responsabilidade dos líderes eleitos. Aliás, assim ficou decidido numa das reuniões do Comité Central do MPLA e, assim, deverá ser reforçada a nossa atitude para com o partido.

A nível do seu ideário e dos desígnios para o qual o MPLA foi instituído, a prática das liberdades ficou patente desde os primeiros dias do "Movimento", quando se decidiu a introduzir o critério da crítica e da autocrítica no final de cada reunião. A evolução deste critério registado nos dias de hoje equivale, nestes tempos modernos, a aceitarmos mais do que uma candidatura para submetermos aos nossos congressistas mais do que uma visão de País, expressa em moções de estratégia dos candidatos, moções que devem ser exaustivamente discutidas e submetidas ao crivo dos militantes sem pressões de nenhum tipo, para que sejam genuínas e mereçam o respeito de toda a organização. Assim está previsto nos nossos estatutos.

Eu voltaria a propor-me a uma candidatura para a liderança do partido se fosse instado pelos militantes interessados, e se as mesmas condições que no passado a engendraram prevalecessem. A ideia é lutar ao lado dos camaradas mais apostados no crescimento harmonioso do partido e que lutam incansavelmente para a crescente melhoria do estado de democracia interna do partido. Claro que ainda é muito cedo para aquilatarmos a oportunidade deste evento político de iniciativa pessoal tão séria, até porque a pretensão requer a criação de determinadas condições de divulgação e de sensibilização por todo o País, uma missão que requer muito esforço, recursos humanos e muitos sacrifícios num partido pouco experiente neste tipo de processos democráticos internos. Mas, se esse pedido dos militantes surgisse novamente, só lhe posso adiantar que, pelo nosso País, pelo nosso partido, darei sempre o meu melhor. Aliás, embora os regulamentos admitam um máximo de dois candidatos, eu não me oporia se esse número fosse aumentado para três.