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Terça, 18 Abril 2023 17:14

Estratégia angolana de combate à corrupção propõe menos consultores e ajustes diretos

Aumento salariais, alteração do regime de declaração de bens, limitação dos contratos por ajuste direto e do recurso a consultores são algumas das propostas incluídas na Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção em Angola hoje apresentada.

“Não vamos poder erradicar a corrupção, mas é nossa intenção mitigá-la, reduzi-la ao máximo”, disse a procuradora-geral adjunta Inocência Pinto, que hoje apresentou em conferência de imprensa as linhas gerais do documento, que vai estar em consulta pública até 18 de maio (disponível em https://www.consultapublica.gov.ao).

Segundo a também titular da direção nacional de combate à corrupção e coordenadora do subgrupo técnico encarregue de elaborar esta proposta, a estratégia (Enaprec) congrega “todos os atores a nível do executivo, do setor privado e sociedade civil para levar a bom porto o desiderato de reprimir este mal que todos nós sentimos, todos os dias, por onde andamos”.

O documento tem sete capítulos, incluindo um dedicado à prevenção, outro à deteção e outro à repressão, os três eixos definidos para garantir a eficácia da mitigação da corrupção, com 60 ações no total, sendo 45 direcionadas para o setor público, oito para o setor privado e sete para a sociedade civil.

Entre as ações destinadas à prevenção da corrupção no setor público, Inocência Pinto destacou o ajustamento da política remuneratória do Estado e adoção de mecanismos para a melhoria do salário mínimo nacional: “Não basta aumentarmos os salários, é necessário que estes garantam o pão e o arroz na mesa do cidadão durante 365 dias, o cidadão deve sentir-se confortável com o salário que aufere”, afirmou.

Inocência Pinto falou também sobre a alteração do regime de declaração de bens dos detentores de cargos públicos, que atualmente são entregues na Procuradoria-Geral da República (PGR), mas só podem ser abertas se estiver em curso um processo-crime ou processo administrativo e por ordem judicial.

“Se nós estamos a lutar contra a corrupção e queremos promover a transparência, como é que vamos acompanhar a evolução financeira e patrimonial de quem declara se não tivermos acesso ao conteúdo da declaração de bens?”, questionou, sustentando que não se trata de um acesso público, mas sim um regime “semiaberto” que permita aos operadores de justiça e fiscais da legalidade ter acesso às declarações para prevenir atos de corrupção, peculato e outros crimes económico-financeiros.

Reduzir a contratação simplificada ao mínimo é outra das propostas.

“Temos vindo a verificar que este procedimento de contratação passou a ser regra, se estamos a falar de prevenção precisamos de alterar este quadro”, sublinhou.

O mesmo acontece com o recurso aos contratos de consultoria, que deverá ser limitado ao mínimo necessário, verificando-se que “muitos gestores usam isto para enriquecer”, disse a responsável da PGR.

Inclusão de matérias sobre corrupção no currículo académico, informatização dos serviços públicos, procedimento da contratação eletrónica como regra e frequência de cursos sobre ética, deontologia profissional e probidade pública para os gestores nomeados são outras das propostas para o setor público.

A estratégia contempla também ações destinadas ao setor privado, entre as quais programas de sensibilização sobre corrupção e criminalidade conexa, mecanismos de controlo interno e de ‘compliance’ e adoção de declaração de integridade como requisito para participação nos procedimentos de contratação pública.

No caso da sociedade civil, a Enaprec prevê, entre outras medidas, a promoção de iniciativas anticorrupção e participação na formulação de políticas públicas sobre a matéria.

No âmbito da deteção, é incentivada a cultura da denúncia e tolerância zero, bem como mecanismos de proteção de testemunhas e denunciantes.

No eixo da repressão recomenda-se a adoção de mecanismos céleres para a total recuperação dos produtos do crime, otimização de tecnologias da informação e fortalecimento da coordenação e cooperação interinstitucionais dos diversos órgãos que intervêm na repressão da corrupção e criminalidade conexa.

Inocência Pinto assinalou que as autoridades angolanas lidam atualmente com megaprocessos, processos complexos com mais de 2.000 páginas que requerem uma investigação mais assertiva e técnicas de investigação modernas e complexas como escutas telefónicas e imagens de videovigilância.

A procuradora sublinhou ainda que Angola foi recentemente avaliada pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) no âmbito da implementação da convenção da ONU contra a corrupção, tendo sido recomendado que fosse intensificada a investigação de crimes que geram mais vantagens como tráfico de drogas e minerais preciosos e contrabando de combustível.

Questionada sobre a forma como a proposta será aprovada e implementada, Inocência Pinto afirmou que esta está ainda em fase de consulta pública, para reunir contributos e só depois se vai decidir se será via decreto presidencial ou pela Assembleia Nacional.

Mostrou-se também convicta de que a proposta será aprovada, apesar de conter várias medidas para o setor público que vão em direção contrária ao que tem sido a prática do executivo.

“O nosso sentimento é que vai ser aprovada, temos tido recetividade neste sentido”, disse Inocência Pinto, acrescentando que o documento não foi elaborado pela PGR, e sim por um grupo de trabalho que integra vários elementos de departamentos ministeriais.

Mostrou-se também favorável à criação de uma agência anticorrupção, uma entidade autónoma que dependa diretamente do Presidente da República para coordenar todas as ações necessárias e salientou que Angola tem de praticar atos que demonstrem que o país está disposto a pôr fim a este tipo de criminalidade.

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