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Quarta, 21 Novembro 2018 20:24

Governo angolano defende que "27 de maio" deve ser visto "com sentido de Estado e muita responsabilidade"

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola disse hoje, em Luanda, que a matéria sobre o "27 de maio" de 1977 deve ser vista "com sentido de Estado e muita responsabilidade", tendo como um dos princípios a reconciliação nacional.

Francisco Queiroz, que falava hoje aos jornalistas na Assembleia Nacional, à margem da aprovação da Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens e da proposta de Lei do Código do Processo Penal, comentava a decisão do Governo de reconhecer ter havido "excessos" com "execuções e detenções sumárias".

O reconhecimento do Governo angolano foi feito, sábado, pelo próprio Francisco Queiroz, que, em declarações à Rádio Nacional de Angola, admitiu ter havido, da parte do Governo de então, uma "reação excessiva aos acontecimentos que se seguiram à tentativa de golpe de Estado", levada a cabo pelos que ficaram conhecidos por "fracionistas" do Movimento popular de Libertação de Angola (MPLA).

"Isso abordou-se na estratégia do executivo para os Direitos Humanos, foi nesse contexto que falamos da questão do '27 de maio'. É uma matéria que deve ser vista com sentido de Estado e com muita responsabilidade e tendo sempre como fundamentais os princípios da reconciliação, da historicidade do facto, do contexto histórico, e ainda o princípio de que estes fenómenos devem passar também por uma avaliação de perdão", disse hoje o ministro.

Segundo Francisco Queiroz, a reconciliação significa que não devem ser abertas feridas nem questões que dividam a sociedade, mas sim "sarar feridas".

"O princípio da historicidade é o enquadramento do facto no contexto histórico. Entre 1975 e 2002 foi o período de guerra, aconteceram muitas coisas e muitas pessoas foram vítimas inocentes da guerra. Os que resultaram do processo de '27 de maio' são umas dessas pessoas, não são as únicas. Tem de se ter em conta esse contexto histórico", frisou.

Sobre o princípio do perdão, o governante angolano disse que é preciso "ter uma visão que leve a compreender as coisas".

"Já foi dado um passo muito importante nesse sentido, que é o das Leis da Amnistia, que, entretanto, foram aprovadas, nesse sentido do perdão", salientou.

Instado a comentar a reação que a abordagem deste tema trouxe na sociedade, nomeadamente a solicitação de familiares da emissão de certidões de óbitos, Francisco Queiroz considerou que "são direitos que assistem a todas as famílias, que têm pessoas que estão abrangidas por essa situação".

"Têm direito a certidões de óbito e isso tem de ser tido em conta e as famílias têm o direito de solicitar e o Estado organizar-se para o fazer", avançou.

Questionado ainda se o Estado está aberto a levar a cabo um processo de identificação de corpos das vítimas e a consequente emissão das certidões de óbito, o governante angolano indicou que sim.

"O Governo está aberto a atender a tudo quanto sejam direitos fundamentais dos cidadãos. Naturalmente dentro de pressupostos de responsabilidade e de sentido de Estado", sublinhou.

As declarações de Francisco Queiroz aconteceram numa altura em que, num 'draft' sobre a "Estratégia do Executivo de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018/2022", elaborado pelo ministério que tutela, a que a agência Lusa teve acesso, o Governo de Angola reconhece, pela primeira vez que, após o "27 de maio", registou-se um "cortejo de atentados aos Direitos Humanos", considerando-o "um dos mais relevantes" da História do país.

A 27 de maio de 1977, há 41 anos, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - então ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime do então Presidente angolano, António Agostinho Neto.

Seis dias antes, a 21 de maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo, paralelamente o controlo da estação da rádio nacional, ficando conhecido como "fracionistas".

As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderem os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional (AI) em vários relatórios sobre o assunto.

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