Por Leston Bandeira | AM
As ofertas incluem a bússola de marca Silva, utilizada pelo comandante Raul Dias Arguelles na batalha do Ebo, onde as forças cubanas, sem a incorporação de qualquer militar das FAPLA derrotaram um exército de militares da UNITA e da FNLA. Arguelles viria a falecer em Dezembro de 1975, depois de já ter derrotado , em Quifangondo, as forças que invadiram Angola a partir do Norte, com militares da FNLA, de Mobutu , mercenários e soldados do ELP.
Do acervo histórico agora entregue às autoridades angolanas faz também parte o mapa de composição de tropas na Batalha do Cuito Cuanavale e um telefone de campanha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto. A entrega foi feita pela embaixadora de Cuba em Angola, Gisela Garcia Rivera, ao ministro da Defesa Nacional, João Lourenço.
A História das intervenções cubanas em África está narrada num livro de Piero Gleijeses: Conflicting Missions: Hawana, Washington and África – 1959-1976, publicado plea University of North Caroline, Chopel Hill, 2001. Narra que, desde a primeira hora, a Cuba de Fidel Castro entendeu que era apoiando os povos ainda dominados pelo que chamavam de colonialismo norte-americano que podia construir a sua independência.
No princípio dos anos 60 incentivou focos de rebelião por toda a América Latina: Venezuela, Argentina, Perú, Nicarágua, Honduras e República Dominicana. Esta actividade foi fortemente contrariada pelos Estados Unidos e deixou os soviéticos inquietos, já que se sentiam comprometidos com as regras da Conferência de Yalta e com a estratégia de convivência pacífica.
Cuba, segundo Gleijeses, preferiu fazer a sua própria estratégia e, uma vez que as acções na América Latina não tinham resultados, virou-se para a solidariedade e apoio aos movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo, com a ideia de criar um bloco de países livres do domínio colonial americano e europeu, mas também independentes de Pequim e de Moscovo.
Em finais de 1964, princípio de 1965, depois do muito relatado fracasso da intervenção cubana no Congo, Ernesto Guevara visitou Argélia, Mali, Congo Brazzaville, Guiné, Gana, Benim e Tanzânia. Contactou um conjunto de governos e movimentos de libertação, especialmente o MPLA em Brazzaville e os Simbas em Dar Es Salaam.
Da entrevista com Victor Dreke, lugar-tenente de Che Guevara no Congo e mais tarde chefe da missão na Guiné Bissau, o escritor concluiu que a importância da missão no Congo avalia-se sobretudo pelas ligações forjadas em Brazza com o MPLA e com o PAIGC.
A partir de 1965, o papel de Cuba na luta do PAIGC tornou-se segredo bem guardado porque Amilcar Cabral estava determinado em fazer da confiança a chave para a vitória. As tarefas dos cubanos eram sobretudo ensinar a manobrar a cada vez mais sofisticada artilharia soviética e apoio médico nas chamadas zonas libertadas. Neste aspecto, Cuba e o PAIGC têm sérias divergências.
A intervenção cubana em Angola ganhou foros muito próprios porque o exército que por ali foi passando - bem pago em dólares por cada soldado, mas que eram entregues ao Estado cubano - se comportou, de facto, como um exérito de ocupação. Conhecendo as debilidades do MPLA, comandou toda a guerra contra a UNITA e forças da República da África do Sul, culminando com a grande vitório do Cuito Canavale.
Mas não pode deixar de se salientar que as tropas cubanas não tentaram a aproximação com as populações angolanas e este terá sido o maior erro político de Fidel. Os seus soldados roubavam tudo quanto podiam, mesmo quando eram convidados por angolanos para suas casas. Há exemplos clássicos: equipamentos acabados de chegar a Angola para fábricas diversas (recordo-me de uma fábrica de mosaicos) eram metidos nos navios que traziam o armamento, com destino Havana.
E há mais: o desbaste das florestas angolanas, nomeadamente em Cabinda, a utilização das quotas de café que Angola deixou de produzir, os roubos de viaturas e de mobílias de casas. Há a utilização do território angolano para negócios de droga - um dos crimes de que foi acusado, julgado e condenado à morte o general Ochoa, herói de guerra. Tudo isso, e mais o que se virá a saber, não compensa as ofertas de pequenas bugigangas agora feitas para cobrar a gratidão e a estima de um povo que mais do que pagou a guerra ganha pelos militares cubanos.
Ao permitir este comportamento das suas tropas, a liderança cubana esqueceu a sua estratégia inicial: libertar povos ainda dominados pelos colonialismos americano e europeu e construir um bloco, também sem sujeição a Moscovo e a Pequim.
É evidente que não pode deixar de se lamentar a morte de 2.077 soldados cubanos numa guerra que não era deles e também os feridos e os que viram as suas famílias desfeitas. Assim como temos que sublinhar que estes soldados não tiveram o soldo a que tinham direito, já que o Estado ficava com grande parte dele. E, a esses, Angola sempre pagou.
Cuba não cumpriu a sua estratégia de criar um bloco de países livres e agora até percebe que os africanos não estão muito interessados em contar a sua História em África porque seria um contraponto pouco simpático ao neoliberalismo que entretanto também se instalou em África.
Todavia, no que a Cuba diz respeito há o ganho de um país que representa um porto de abrigo para milhares dos seus cidadãos, que, sob a capa de cooperantes, continuam a trabalhar nos mais diversos sectores. E, todavia, seguem dando parte dos seus salários a um Estado que se propunha libertar países e gentes.