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Segunda, 18 Mai 2020 14:12

Mulher “enterrada” por engano corre para ter uma vida normal

Edna António Filipe, de 26 anos, está empenhada em resgatar, o mais rapidamente possível, a personalidade jurídica, por estar oficialmente morta, depois de ter sido passado em seu nome, pela 3º Conservatória do Registo Civil de Luanda, um boletim de óbito, na sequência de um erro cometido por alguns parentes seus, quando foram chamados para o reconhecimento de um corpo sem identificação, que estava na câmara cinco da Morgue Central de Luanda.

Adilson António Filipe, irmão de Edna António Filipe, mais conhecida por “Dama Bu”, confirmou ao Jornal de Angola que estão em curso diligências junto da 3ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, para a abertura, na Sala de Família do Tribunal Provincia de Luanda, de um processo destinado à recuperação da personalidade jurídica de “Dama Bu”.

De acordo com o boletim de óbito a que o Jornal de Angola teve acesso, Edna António Filipe foi dada como morta às 10 horas do dia 10 de Abril de 2020, na via pública, vítima de atropelamento. O boletim de óbito, emitido na manhã do dia 5 de Maio, depois da abertura, na 3ª Conservatória do Registo Civil de Luanda, do processo número 2393/2020, atesta que Edna António Filipe faleceu na via pública, tendo o referido documento indicado o cemitério do Benfica, em Luanda, como local para a realização do funeral.

“Dama Bu” foi dada como desaparecida a 5 de Abril, dia em que saiu de casa com destino ao Morro Bento, informação de que a sua mãe teve conhecimento, por a jovem se ter despedido da progenitora antes de deixar a moradia. Devido ao facto de não ter regressado a casa, “Dama Bu” foi dada como morta, um pressentimento que levou a sua família a contactar esquadras da Polícia Nacional, hospitais e a Morgue Central de Luanda, em cujos lugares deixaram a fotografia da jovem e contactos telefónicos de alguns familiares.

Alguns dias depois, a família foi notificada, por volta das três horas da madrugada, para reconhecer o cadáver de uma jovem, com a mesma idade e características semelhantes às de “Dama Bu”, que estava já em estado de decomposição, na câmara cinco da Morgue Central de Luanda. De acordo com Rita João António, mãe de “Dama Bu”, as diligências para identificar o corpo tiveram início às 4 horas da madrugada e terminaram às 16 horas.

Em declarações ao Jornal de Angola, a mãe de “Dama Bu” admitiu que o mau estado de conservação do corpo que estava na câmara cinco, de uma jovem vítima de atropelamento, e a sua destruição parcial, como resultado do aparatoso acidente de viação, tenham influenciado a família a incorrer no erro. O corte do cabelo, a existência de tatuagens e a estrutura física da jovem, cujos restos mortais estavam na câmara cinco, onde são colocados corpos sem identificação, determinaram também a decisão dos parentes que se deslocaram à morgue – a própria mãe, o pai, irmãos e o ex-marido, com quem “Dama Bu” tem três filhos.

A família realizou o funeral no dia 2 de Maio, no cemitério do Benfica, encontrando-se o corpo, sepultado por engano, no quarteirão 114, cujo número da campa não convém ser revelado pelo Jornal de Angola, por não ser estritamente necessário.

Regresso a casa

Um telefone recebido por um irmão de “Dama Bu” alterou completamente o sentimento de tristeza que se vivia na moradia, na manhã de 3 de Maio, um dia depois do funeral. Eram cerca de 11 horas. A família já tinha feito o “mata-bicho”, a primeira refeição do dia, num ambiente de profunda tristeza, que marca um processo de luto.

A reacção de espanto do irmão que recebeu o telefonema disseminou-se por toda a casa quando, assustado, gritou para os demais familiares: “A Edna apareceu”. “Oh, como assim?”, perguntou uma tia, soluçando ao mesmo tempo.  “A Edna apareceu e está em casa do papá, no Morro Bento”, respondeu o irmão de “Dama Bu”, tendo a mesma tia, perplexa com a notícia, perguntado também se apareceu viva ou morta, no cemitério ou na morgue. “Está viva”, completou o irmão a informação que recebeu do outro lado da linha sobre o aparecimento de “Dama Bu”.

Uma outra tia chegou a dizer que não podia ser verdade, por o cadáver da sobrinha ter sido enterrado no dia anterior, admitindo, de forma séria, a possibilidade de ser “uma ‘kazumbi’ (alma de outro mundo)a pessoa que foi vista no Morro Bento”. A família só “caiu na real” quando “Dama Bu” regressou a casa, tendo o momento gerado, inicialmente, grande perplexidade entre os familiares e vizinhos.

Depois da certeza de ter feito o funeral do corpo de uma desconhecida, que tinha com “Dama Bu” semelhança na estrutura física, corte de cabelo e tatuagens, a família procurou a 3º Conservatória do Registo Civil para a recuperação da personalidade jurídica de “Dama Bu”. O Jornal de Angola soube que, desde a reinauguração do cemitério do Benfica, em 2014, ainda não se registou nenhuma exumação e inumação de restos mortais.

O cemitério do Benfica, localizado no município de Belas, ocupa uma área de 300 mil metros quadrados, cerca de 11 hectares, equivalentes a 11 campos de futebol, sendo, por esta razão, o maior campo santo da província de Luanda.

Geneticista dá ênfase à importância do DNA

A geneticista Maria Madalena Chimpolo, abordada pelo Jornal de Angola para falar da utilidade da Genética na identificação de corpos, sublinhou que o Departamento de Medicina Legal deve ter sempre em conta a “identificação da individualidade”, por via da definição de dados, tais como o sexo, a idade, a causa da morte e a identidade, com recurso a meios disponíveis, como, por exemplo, a impressão digital e o exame de DNA (a sigla em português é ADN).

Depois de ter explicado que a decomposição é um processo de degradação que começa assim que o indivíduo morre, a geneticista acentuou que, embora o corpo tenha sido identificado com base em traços e tatuagens, mesmo no estado elevado de decomposição, “não fica evidente o nível ou estado de degradação para permitir a emissão de um parecer adequado”.

“Não devemos esquecer o artigo 6 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que todo o mundo tem o direito de reconhecimento em todos os lugares como pessoa perante a lei e isso inclui estabelecer a identidade específica da falecida muito antes de o corpo ser reclamado”, adiantou a geneticista.

À pergunta sobre se defende a criação de bases de dados de DNA, a geneticista respondeu que, para fins de investigação criminal e identificação civil, “nada nos impede de construirmos essas bases, tendo em conta o acúmulo de informação biológica/forense resultantes dos serviços prestados”, mas tem de haver, à semelhança do que acontece noutros países, uma legislação específica.

No entender da especialista, a criação de bases de dados de DNA vai permitir que “mais facilmente os corpos sejam identificados”, devendo o trabalho de identificação prosseguir com a comparação de perfis de DNA dos possíveis familiares ou com os perfis existentes na base de dados de perfis de DNA. JA

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