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Domingo, 02 Setembro 2018 01:55

Vamos estudar a nossa história

Foto do filme angolano que resgata a história da rainha negra NJinga? Foto do filme angolano que resgata a história da rainha negra NJinga?

Quando se fala de África, as primeiras ilações que vêm à mente das pessoas são de um continente pobre apesar da abundância em recursos naturais, com latentes conflitos armados causados pela ganância pelo poder e dirigido por indivíduos corruptos e egoístas que só pensam em enriquecer seus bolsos enquanto a maioria da população morre a fome. E se o objetivo for falar de África antes da colonização, para muitos, África era um território habitado por selvagens que nada tinham de intelectualidade ou mesmo de cultura.

Por Ulisses Lufundisso.

África é um continente rico. Não me refiro apenas em recursos naturais. Falo concretamente em história. Nossa história é muito rica e encantadora. Angola em particular tem uma história incrível, desde a chegada dos povos bosquímanos, passando pela imigração bantu, do surgimento dos reinos às guerras de resistência contra os invasores europeus até a luta independentista contra o regime colonial português. Debaixo dessa ponte histórica, muita água erudita rolou. E isso não deve simplesmente morrer. Deve-se passar de geração em geração.

Muitos pensadores europeus com destaque para historiadores e filósofos, banhados pela arrogância própria da aparente superioridade intelectual europeísta sobre as demais, ao longo da história foram apregoando que antes da chegada dos seus confrades invasores, África não tinha história. Os africanos não descobriram nada, não inventaram nada. Apenas são repetidores… toda África com exceção do Egipto cuja influência nas culturas europeias e asiáticas é inegável, para não falar da descoberta da geometria por exemplo.

África foi e é muito mais do que aquilo que os tais eruditos europeus vendem para o mundo. Antes da chegada dos invasores, o continente africano já dispunha de várias unidades politicamente organizadas em reinos e impérios com estruturas próprias, uma cultura organizacional excepcional, como por exemplo o Reino do Congo, com uma extensão territorial alargada, se expandindo por territórios de países hodiernamente conhecidos por Angola, RDC, Congo Brazzaville, Gabão e até partes dos Camarões. O Reino do Congo tinha inclusive uma moeda: o Nzimbo. Podemos ainda falar de impérios como o do Gana, Mali, Ioruba, Songai e outros.

Infelizmente caímos na armadilha dos europeus e passamos a descredibilizar o que é nosso e a exaltar o que é europeu ou norte-americano.

Para não cair no erro de falar sem provas concretas, vou me focar apenas na triste realidade angolana.

No que tange a história de África em geral e de Angola em Particular, os currículos escolares vigentes em Angola são uma miséria, tanto no ensino geral como no ensino universitário. No ensino geral vê-se apenas um ``cheirinho´´ daquilo que é a nossa história. Como já disse acima nesse texto, para nós, o dos europeus e norte-americanos é melhor. É triste e vergonhoso notar que um angolano com o ensino médio feito, pouco ou nada sabe sobre os Reinos do Congo, Ndongo ou Matamba por exemplo, sobre os feitos de Mandume ou sobre a Rainha Nzinga (ou Ginga). Todo mundo sabe que a Rainha Nzinga foi uma grande guerreira, mas o que realmente ela fez? Quais foram os seus grandes feitos heróicos? De que forma ela marcou a história angolana? Arrisco a dizer que mais de metade dos estudantes angolanos não sabem. Mais vergonhoso que isso, é saber que a maioria daquilo que nós sabemos sobre a nossa história, foi-nos contado pelos portugueses. É aí onde as nossas universidades deveriam ter um papel fulcral. Seriam elas a partir para a descoberta da nossa história, estudar o nosso passado com mais afinco e deixarem de dar mais primazia a história além África. Estuda-se com muita incidência as duas grandes guerras mundiais que tinham como epicentro a Europa, estuda-se as revoluções industrial, francesa e americana. Mas porque não estudar com afinco a guerra do Congo que também ficou conhecida como primeira guerra mundial africana? E a batalha do Cuito Cuanavale que é tão publicitada pelo partido no poder e que inclusive a sua data (23 de Março) passou a ser o dia da SADC. Porque não a estudar nas escolas?

Nos cursos de ciências políticas, direito e relações internacionais por exemplo, devia-se focar mais naquilo que são as ideologias defendidas pelos grandes pensadores pan-africanistas. Não vou cansar os leitores falando das ideias defendidas por Nkwame Nkrumam, Julius Nyerere ou Patrice Lumumba por exemplo. Vamos olhar para Angola. Estudar com mais afinco a origem dos movimentos de libertação ainda é um tabu (infelizmente), por isso nem vou me focar nas ideologias de Jonas Savimbi ou Holden Roberto. Mas porquê não estudar o pensamento político de Agostinho Neto que é considerado como o herói nacional? Qual era a visão do nosso herói? Será que ele só se limitou a escrever poemas?

Acima falei que o reino do Congo dispunha de uma moeda própria. Nos cursos de economia, porque não estudar como estavam estruturados os sistemas financeiros e económicos no reino do Congo e como tirar proveito disso para a nossa realidade?

Os estudantes passam a vida toda a estudarem Rousseau, Maquiavel, Thomas Hobbes e companhia, mas será assim tão difícil estudar os grandes pensadores africanos? Para não falar da filosofia ou literatura africana que são muito riquíssimas…

Mas pensando bem, estou a perder meu tempo ao fazer este apelo às universidades angolanas, pois as mesmas preferem cooperar com universidades sul-americanas e europeias em detrimento das suas congéneres africanas.

Não só uma mudança do currículo escolar em Angola é necessária, como também uma mudança de paradigma na forma como olhamos para África. E isso não se restringe apenas a investigação e estudo da nossa história, mas também a uma relação mais profunda entre os africanos.

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