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Domingo, 31 Janeiro 2016 22:12

Jornalista angolano ferido durante assallto em Joanesburgo na Africa do Sul

O dia 30 de Janeiro fica marcado para sempre na memória de 15 jornalistas angolanos, que desembarcaram no Aeroporto O.R Tambo, em Jonesburgo, Africa do Sul, com o propósito de fazer a cobertura da gala final do The Voice Angola.

A comitiva foi vítima de um assalto em que Salú Gonçalves, da Rádio Luanda, foi alvejado com um tiro na cabeça. OPaís conversou com o radialista na manhã de ontem, depois da cirurgia e ele conta o drama por que passa.

Houve um assalto e tentativa de sequestro (de que fomos vítimas). O que é que pensou naquele momento?

Fomos cerca de 15 pessoas e eu fui a única que teve sequelas físicas. Pensei na vida, foi exactamente nisso em que pensei. Porquê nós? porquê é que tenho de estar aqui? Enfim, todos nós pensamos nisso, e depois passa aquele filme que nos leva a pensar nos amores das nossas vidas. Como geralmente nesse tipo de situações não entro em pânico, mantive a calma, entreguei os bens que tinha por entregar sem revelar qualquer tipo de resistência e isso de uma forma geral acabou por facilitar a vida de todos, porque todos nós cooperamos e foi mais fácil assim.

Em que momento é que percebeu que tinha sido baleado? Quando eles saíram da viatura e começaram a fazer os disparos vi um brilho forte que parecia que me encandeava, deve ter sido o momento em que o projéctil terá embatido no vidro e imediatamente a seguir senti uma espécie de um formigueiro e depois um ruido como um grilar na minha cabeça, foi aí que senti uma dor, pus a mão e senti que tinha um caroço na saliência e senti que tinha um buraco e dei conta que estava a sangrar bastante e, aí, dei-me conta que tinha levado um tiro e comuniquei aos companheiros de viagem. Sempre tive consciência. Em momento algum perdia. Até no momento da cirurgia, em que tive anestesia local e o médico ia conversando comigo, pedindo para virar a cabeça de um lado para o outro. Foi numa fracção de segundos que me dei conta de que tinha sido baleado.

Referiu que nessas situações consegue manter a calma, mas sentiu que a sua vida fosse terminar naquela dia?

Sim. Cheguei a pensar nisso. E junto dos jornalistas Ernesto Gouveia e Miguel Pacheco cheguei a esboçar isso. Chegando a dizer se eu morresse entregassem as minhas coisas…, eles imediatamente disseram não vais morrer nada. Isso foi quando ia entrando na ambulância, já os paramédicos haviam feito a primeira assistência no local. Pediram para sentar e alguns sul-africanos deram-me a toalha para estancar o sangue. Pensei que tinha chegado a minha vez de morrer. Como todos nós sabemos, a morte é a única certeza que temos enquanto vivos, mas é o maior temor do ser humano. Temi, pela minha vida, de deixar os meus filhos órfãos.

Por norma, quando estamos “diante de perder a vida”, pensamos em ver a vida numa perspectiva diferente. O que é que vai mudar em si daqui para frente?

Vou guardar menos reservas. Vou tentar resolver as coisas olho no olho, tentar não dormir de costas viradas. Tentar não deixar que mal entendidos fiquem por resolver por longo período. Parecem frases feitas, mas renasci. Porque cheguei a pensar que atingiu parte do meu cérebro, depois os médicos disseram que não. Enquanto escorria o sangue perguntavam se estava com frio ou não, se o corpo estava dormente ou não, mas quando cheguei a assistência foi tão célere e tão profissional… Fui mantendo a calma e mantendo-me mais em mim. Depois, fiquei toda a madrugada acordado. Como tenho o sono muito leve, sempre que viessem ver o soro acordava e dizia sempre ‘ainda estou vivo’. Afinal estou vivo e vou amar muito mais a partir de agora à si, aos meus amores a todos os seres. Vou respeitar muito mais a vida.

O que é que lhe disseram os médicos, não haverá nenhum tipo de sequela? Não vai haver nenhum tipo de consequência após este desastre?

O médico diz que consequências existem sempre e depende muito de cada ser humano. Foi feito um relatório para ser entregue à equipe médica angolana e se for o caso poder voltar, e ser observado novamente. Agora é esperar que o pior não aconteça. Depois disto, sentarme no divã de um psicólogo, e vou fazê-lo mesmo. Preciso de o fazer. Imediatamente a seguir. E esperar que a vida continue e que seja apenas uma cicatriz. As utras pessoas, de certeza irão perguntar o que é isso, e quem souber vai logo ligar à esse dia triste da minha vida, e para quem não souber a partir de agora passará a dar conta que esta cicatriz é um V de vida, um R de renascimento, mas, claro, a vida continua. Faz exactamente hoje (31 de Janeiro), 25 anos desde que o meu pai teve um AVC e veio a falecer 14 dias depois, no dia dos namorados, e me vem a memória, porque lembrei- me do meu pai. E vê só como a vida é, talvez devem ter sido esses anjos que guiaram e conseguiram desviar o curso da bala para que ela se tornasse apenas um sinal e um recado: Cuidado que a vida é frágil, que são apenas três segundos, ontem, hoje e amanhã.

Daqui a cinco anos. Olho para si e vejo essa cicatriz. Pergunto-lhe o que é que aconteceu. Que imagem é que lhe virá à memória?

(Silêncio por uns instantes). Gritos, cheiro à morte. Vida. Vou pensar que estou vivo que voltei a nascer. Dentro de 25 dias completo 50 anos. por causa desta coisa da crise e dos cuidados que temos que ter para guardar algum. Vou pedir aos amigos que me ajudem a dar uma festa, acho que mereço. Essa cicatriz daqui a cinco anos vai significar que estou vivo mesmo.

O País

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