De que ilha falas tanto em "Insular"?
São várias concepções de ilhas. Há bastante espaço para várias interpretações. Pode ser uma ilha geográfica, como uma ilha mais metafórica e interior, de isolamento e solidão. Dentro das grandes cidades, existem muitas ilhas a andarem pela rua, bastante isoladas umas das outras. O nome "Insular" não se deve somente a se ter gravado numa ilha, como a ilha de Jura, na Escócia. Mas é acima de tudo daí que vem o nome.
Portanto, partiste da inspiração dessa ilha para o conceito de todo o álbum.
A ideia foi surgindo caoticamente. Não sou uma pessoa que tem uma ideia para um disco e depois constrói tudo à volta. O conceito de ilha foi surgindo lentamente. Inicialmente, a ideia surgiu com a Ilha de Luanda [ou Ilha do Cabo], que é um lugar muito ligado à minha infância. Pensei até em desenvolver a minha relação com a Ilha de Luanda e com a música popular angolana mas depois decidi fazer uma coisa completamente diferente. Mas depois o Carlos Seixas falou-me da ilha de Jura e de uma casa na ilha - o estúdio Sound of Jura - isolada de tudo. Achei super-interessante a possibilidade de uma espécie de residência artística nesse lugar, com músicos de lá, tirando o Pedro Geraldes, guitarrista dos Linda Martini, que participou na pré-produção.
Como se deu a escrita da letra da Capicua de 'Louca' para ti?
A Ana já é uma amiga. Participei no disco dela, no "Sereia Louca", num tema que se chama 'Lupa'. Foi um convite que me fez. Entretanto, ficámos amigas e eu sou muito fã do trabalho de Capicua. Depois, num jantar informal, pedi-lhe que me escrevesse uma letra e contei-lhe a história verídica e dramática de uma mulher louca que anda pela cidade e todo o mundo faz pouco dela. Mostrei-lhe um vídeo. E ela escreveu a letra que é brilhante, tal como tudo o que faz. A letra tinha tanta força, que qualquer música parecia macia demais. Até chegar àquela música, foram necessárias muitas semanas.
O «rei» da 'Prosa da Situação' é José Eduardo dos Santos?
Quem é que tu achas que é? É muito provável, não é? A música é muito explícita, fala bastante por si, não exige muitas explicações. Mas mais importante que saber quem é o rei, é saber quem é que manda. É uma paródia, é mais uma canção de protesto em relação à situação política do meu país, bastante encravada num impasse a nível de sucessão presidencial. A música critica também o estado de sonolência e a atitude da elite perante esse impasse.
Como é que vês esta situação dos detidos como Luaty Beirão, em Angola?
Tenho acompanhado desde o princípio, e muito de perto, apesar da distância. Na verdade, quando foram presos, eu estava a gravar em Jura. Desde o princípio que a minha perspectiva é bastante pública, tenho falado disso nas minhas crónicas semanais para o Rede Angola. Foram quatro meses a falar sobre isso. Acompanho com preocupação, como qualquer angolano preocupado com questões de democracia, justiça, igualdade e liberdade de expressão. Nesta semana, estão a decorrer os julgamentos. Ainda não temos bem noção mas este caso dos presos políticos é o acontecimento político mais importante em Angola desde o fim da guerra civil. A saúde da democracia está posta à prova e gostava que todo o mundo estivesse com os olhos postos em Angola. É bastante forte, a acusação. São bastante frágeis, as provas. E isso deixa-nos muito desconfiados face à justiça. Espero que haja bom senso.
A tua liberdade civil em Angola já foi posta em causa por dares opiniões desfavoráveis ao governo do MPLA?
Não, tirando aquilo que eu própria me auto-censuro, principalmente no início da minha carreira, em que era mais difícil falar das coisas explicitamente. Venho de um país em que as pessoas se auto-censuram, um dos lemas é mesmo «xê, menino, não fala política», do 'Velha Chica' do Waldemar Bastos. Mas hoje em dia, temos que contrariar isso, desde a sociedade civil aos artistas. Temos que cultivar o debate. Mas apesar da minha liberdade civil não estar em causa, não considero que isso seja representativo para todo o país. A liberdade de expressão não está bem distribuída por toda a sociedade. O facto de dizer abertamente o que penso, não quer dizer que todo o mundo o possa fazer em segurança e sem consequências.
Assumes o comando musical em todos os aspectos: letra, composição, direcção de arranjos, interpretação. Estás cada vez mais confiante?
Sim, com a experiência de três discos, uma pessoa começa a conhecer melhor as possibilidades que também se esgotam. É um pau de dois bicos. Por um lado, tens mais experiência. Por outro lado, sentes que se esgota a linguagem e tens que ir à procura de mais para se ser criativa, não perder a frescura, nem a paixão, nem a espontaneidade, que são coisas que se perdem com a experiência.
Tens vontade de continuar a colaborar com fadistas?
Não fecho as portas a isso. Gosto muito de fado. Embora não seja fadista, cantava fado em Luanda quando era pequena. Tenho uma ligação muito íntima com o fado e tenho muitos amigos fadistas. Já colaborei com vários.
Qual o músico angolano que gostavas que os portugueses conhecessem e não conhecem?
É injusto porque há muitos. Talvez dissesse o Paulo Flores, por ser contemporâneo, completo e por eu ser super-fã dele. Acho que representa muitas coisas da música angolana, não só o lado mais tradicional como o lado mais vanguardista. Tem discos maravilhosos e muito bem produzidos, letras incríveis, altamente politizadas mas também poéticas, e com uma relação muito ínitma com a angolanidade.
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