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Domingo, 02 Fevereiro 2014 12:08

Luanda é ponto de "trânsito intercontinental" do comércio ilegal de marfim

A capital angolana, Luanda, tornou-se um ponto de "trânsito intercontinental" do comércio ilegal de marfim e pode estar a contribuir para a iminente extinção da população de elefantes da vizinha República Democrática do Congo, indica a National Geographic.

Um artigo intitulado "Relatórios sobre o comércio de marfim em Angola - será que a entrada da nação na CITES vai fazer a diferença?", escrito por duas investigadoras da área de Conservação de Primatas em África e no sudeste asiático refere que "presentemente Luanda representa um ponto-chave do trânsito intercontinental para grande escala de comércio ilegal de marfim".

As pesquisadoras escalaram o mercado de Benfica, famoso pela comercialização de peças feitas à base de madeira africana e muitas outras materiais caros, como o pau-preto e o marfim.

"Quando entramos no mercado vimos muitas esculturas em madeira, pinturas, tecidos coloridos e outros produtos artesanais", mas "o mais chocante no Benfica foi a quantidade impressionante de marfim vendido a preço de oferta, confinado a uma secção que contém cerca de 30 mesas", relatam as investigadoras Elena Bersacola e Magdalena Svensson.

Foi também à entrada ao famoso mercado de Luanda onde as pesquisadoras viram exposta várias peles de leopardo uma espécie protegida penduradas nas vigas, ao lado de uma estrada movimentada, demonstrando o que de "horrível estava dentro do mercado", pelo que "logo percebemos que havia também uma grande quantidade de produtos de origem animal para a venda", afirmam.

"Estes incluíam conchas de tartarugas marinhas, muitas das quais decoradas com pinturas brilhantes ou esculturas, peles de animais, denteis e chifres, e até mesmo os papagaios estranhos e um macaco azul", contam.

No artigo da National Geographic, Elena Bersacola e Magdalena Svensson consideram que o tamanho e a forma das presas encontradas no mercado Benfica sugerem que a maioria das peças de marfim ai comercializadas terá provavelmente sido extraída de "elefantes da floresta e não de elefantes de savanas circundantes".

Em Angola, os elefantes da floresta são encontrados apenas em Cabinda, um enclave situado entre o Congo (ex-Zaire) e República Democrática do Congo (RDC), enquanto os elefantes da savana estão presentes em regiões sul e nordeste, bem como no Parque Nacional da Kissama, a sul de Luanda, onde a população estimada é de 86 indivíduos, incluindo elefantes transladados de Botswana.

"Se o marfim do mercado de Benfica realmente vem da RDC, Angola estaria a contribuir diretamente para a iminente extinção das restantes populações de elefantes da floresta na RDC", consideram as investigadoras.

A passagem das estudiosas por Luanda procede a visita efetuada por outro grupo de pesquisa de primatas noturnos, dirigido por Tom Milliken, que também passou pelo mercado do Benfica e, posteriormente, publicou um relatório intitulado "No Peace for Elephants", que aborda o comércio de marfim em Angola.

"Tal como nós, eles encontraram um significativo comércio de marfim no mercado de Benfica", mas a venda é feita também "em vários outros locais em Luanda, incluindo hotéis de três, quatro e cinco estrelas e várias lojas, visando claramente os compradores estrangeiros", nomeadamente "a clientela asiática", afirmam no artigo Elena Bersacola e Magdalena Svensson.

Aliás, prosseguem as investigadoras, no relatório "Tom Milliken e seus colegas fundamentam de forma convincente que a fonte (do marfim comercializado no mercado informal angolano) foi, provavelmente, os países vizinhos do norte do Congo e República Democrática do Congo".

Aquando da sua visita ao mercado de Benfica, as pesquisadoras viam também "muitas estatuetas de Buda e dragão, pauzinhos, e selos de nomes típicos asiáticos", aliás, em agosto do ano passado, mais de cem quilogramas (268 libras) de marfim obtidos em Angola foram confiscados em Banguecoque, mas o seu destino "parecia" mesmo o Camboja.

Na altura da pesquisa, Angola ainda não se tinha juntado à Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora, o que veio a acontecer em finais do ano passado, ao se tornar o 179º Estado membro que aderiu ao instrumento.

Anteriormente, o país concordou em participar do Sistema de Informações sobre o Comércio do elefante (ETIS, sigla em inglês), que monitora o comércio global de marfim, em parte, através da análise de dados sobre apreensões de países participantes. As autoridades de "Angola, no entanto, nunca apresentaram quaisquer relatórios a ETIS, sugerindo que a aplicação da lei no que diz respeito ao comércio de marfim está ausente", consideram as investigadoras, assinalando que "embora esta entrada (de Angola) à CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção - dê um réstia de esperança, é difícil prever o efeito real que terá sobre o comércio nacional e internacional de marfim".

Comentando a denúncia publicada na National Geographic, o ambientalista moçambicano Carlos Serra, que conhece a realidade da fauna angolana, disse à Lusa que Angola e Moçambique "têm um historial muito comum e estão, neste momento, na mira da caça furtiva", além de que "são corredores de comércio ilegal internacional de espécies protegidas incluindo o marfim".

"Ambos os países enfrentam uma ameaça muito séria e, se nada for feito, quer em Angola, quer em Moçambique, para travar isso - quando digo nada refiro-me a medidas mais duras e firmes - adeus elefante", disse Carlos Serra.

Para o caso de Moçambique, assinalou o ambientalista, "não há ilusões quanto a isso: o extermínio que está a ocorrer na reserva de Niassa e em regiões de Cabo Delgado é prova clara de que é preciso passar para outra abordagem de intervenção, mas claro combinando com as medidas internacionais".

Lusa

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