Em causa está uma ação popular remetida ao TS angolano em agosto de 2022, subscrita por 57 membros da sociedade civil que reclamavam, em período eleitoral, da “falta de isenção e tratamento desigual” dos partidos políticos por parte dos órgãos de comunicação do Estado, até hoje sem qualquer resposta do Supremo.
O “silêncio” das autoridades judiciais em face desta ação popular levou o ativista Luaty Beirão e o advogado Benja Satula a entregarem, na terça-feira, novas provas à relatora do processo junto do TS com dados de dois relatórios trimestrais sobre “flagrante e continuada violação” da Constituição angolana por parte dos referidos órgãos de informação.
A ação popular, assinada pela sociedade civil, de ativistas a padres, passando por jornalistas e atores, visa os órgãos estatais, nomeadamente a Televisão Pública de Angola (TPA), a Rádio Nacional de Angola (RNA), o Jornal de Angola (JA) e a TV Zimbo, órgão privado recuperado pelo Estado.
“Esta ação popular tinha como imperativo ser respondida em tempo útil, passaram-se dois anos, as eleições passaram, e não há nenhum tipo de conclusão e foi remetida ao esquecimento. Nós aproveitámos [para mostrar] que o sistema de justiça é disfuncional e, com mais provas, uma vez que o processo está aberto, fomos lá reclamar pela clara denegação de justiça”, disse hoje Luaty Beirão à Lusa.
Beirão recordou que a ação popular foi remetida há dois anos ao Supremo “pedindo que fossem punidos” os órgãos de comunicação estatais e o Presidente da República, João Lourenço, enquanto garante da Constituição.
“Ao ver ela [Constituição] a ser violada, ele [o Presidente da República] é obrigado a tomar medidas”, observou.
As provas sobre a “atuação desconforme” dos referidos órgãos de comunicação estão descritas em 55 páginas, fruto dos relatórios trimestrais de monitoria da imprensa angolana, relativos aos meses de novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024 e de fevereiro, março e abril de 2024.
O advogado Benja Satula, agora representante da ação popular junto do Supremo angolano, recorda, na petição remetida terça-feira àquela instância, que a ação deve ser decidida em tempo útil, pois o prazo de dois anos em que se arrasta “já é contrário à jurisdicional efetiva” consagrada pela Constituição.
Luaty Beirão, coordenador do Movimento Cívico Mudei e um dos signatários da ação, enalteceu o envolvimento do advogado neste processo, admitindo, no entanto, não ter nenhuma expectativa em torno de uma posição favorável do TS.
“Usamos os tribunais para que a legalidade seja reposta, agora expectativa que seja tomada uma decisão favorável, apesar da abundância de provas, não tenho, se vier acontecer, será bom”, afirmou.
Segundo o relatório trimestral de monitorização da imprensa, entre fevereiro e abril de 2024, o Governo angolano ocupou 60,7% das capas do JA, 54,3% dos noticiários da TV Zimbo, 50,8% na TPA e 45,7% na RNA.
Nas matérias que tratam expressamente sobre partidos políticos, foi dedicado ao MPLA, partido no poder, 88,7% do tempo de antena na TPA, seguido por 7,2% ao PRS (oposição) e 3,3% à UNITA, maior partido na oposição, refere-se neste relatório trimestral do Mudei.
A pesquisa, que analisou 5.402 notícias distribuídas nos referidos órgãos, lamenta que estes tenham continuado a não dar nem espaço nem atenção às organizações sindicais, aos movimentos reivindicativos ou às organizações da sociedade civil.
O primeiro relatório trimestral desta organização não-governamental revelou que a agenda governativa ocupou 48,7% dos espaços noticiosos dos órgãos de comunicação tutelados pelo Estado angolano e o MPLA quase 80%.
Os “recuos” – em termos de autonomia editorial – verificados em órgãos intervencionados pelo Estado “são um sinal da visão persistente que amordaça os órgãos e os seus profissionais”, conclui a ONG.