Terça, 18 de Março de 2025
Follow Us

Quinta, 03 Outubro 2024 16:49

Sociedade civil acusa Supremo Tribunal de denegação de justiça em processo com dois anos

Membros da sociedade civil angolana queixaram-se hoje de denegação de justiça relativa a um processo contra o Presidente angolano e órgãos de informação estatais, pendente há dois anos no Tribunal Supremo (TS), tendo remetido novas provas àquela instância.

Em causa está uma ação popular remetida ao TS angolano em agosto de 2022, subscrita por 57 membros da sociedade civil que reclamavam, em período eleitoral, da “falta de isenção e tratamento desigual” dos partidos políticos por parte dos órgãos de comunicação do Estado, até hoje sem qualquer resposta do Supremo.

O “silêncio” das autoridades judiciais em face desta ação popular levou o ativista Luaty Beirão e o advogado Benja Satula a entregarem, na terça-feira, novas provas à relatora do processo junto do TS com dados de dois relatórios trimestrais sobre “flagrante e continuada violação” da Constituição angolana por parte dos referidos órgãos de informação.

A ação popular, assinada pela sociedade civil, de ativistas a padres, passando por jornalistas e atores, visa os órgãos estatais, nomeadamente a Televisão Pública de Angola (TPA), a Rádio Nacional de Angola (RNA), o Jornal de Angola (JA) e a TV Zimbo, órgão privado recuperado pelo Estado.

“Esta ação popular tinha como imperativo ser respondida em tempo útil, passaram-se dois anos, as eleições passaram, e não há nenhum tipo de conclusão e foi remetida ao esquecimento. Nós aproveitámos [para mostrar] que o sistema de justiça é disfuncional e, com mais provas, uma vez que o processo está aberto, fomos lá reclamar pela clara denegação de justiça”, disse hoje Luaty Beirão à Lusa.

Beirão recordou que a ação popular foi remetida há dois anos ao Supremo “pedindo que fossem punidos” os órgãos de comunicação estatais e o Presidente da República, João Lourenço, enquanto garante da Constituição.

“Ao ver ela [Constituição] a ser violada, ele [o Presidente da República] é obrigado a tomar medidas”, observou.

As provas sobre a “atuação desconforme” dos referidos órgãos de comunicação estão descritas em 55 páginas, fruto dos relatórios trimestrais de monitoria da imprensa angolana, relativos aos meses de novembro e dezembro de 2023 e janeiro de 2024 e de fevereiro, março e abril de 2024.

O advogado Benja Satula, agora representante da ação popular junto do Supremo angolano, recorda, na petição remetida terça-feira àquela instância, que a ação deve ser decidida em tempo útil, pois o prazo de dois anos em que se arrasta “já é contrário à jurisdicional efetiva” consagrada pela Constituição.

Luaty Beirão, coordenador do Movimento Cívico Mudei e um dos signatários da ação, enalteceu o envolvimento do advogado neste processo, admitindo, no entanto, não ter nenhuma expectativa em torno de uma posição favorável do TS.

“Usamos os tribunais para que a legalidade seja reposta, agora expectativa que seja tomada uma decisão favorável, apesar da abundância de provas, não tenho, se vier acontecer, será bom”, afirmou.

Segundo o relatório trimestral de monitorização da imprensa, entre fevereiro e abril de 2024, o Governo angolano ocupou 60,7% das capas do JA, 54,3% dos noticiários da TV Zimbo, 50,8% na TPA e 45,7% na RNA.

Nas matérias que tratam expressamente sobre partidos políticos, foi dedicado ao MPLA, partido no poder, 88,7% do tempo de antena na TPA, seguido por 7,2% ao PRS (oposição) e 3,3% à UNITA, maior partido na oposição, refere-se neste relatório trimestral do Mudei.

A pesquisa, que analisou 5.402 notícias distribuídas nos referidos órgãos, lamenta que estes tenham continuado a não dar nem espaço nem atenção às organizações sindicais, aos movimentos reivindicativos ou às organizações da sociedade civil.

O primeiro relatório trimestral desta organização não-governamental revelou que a agenda governativa ocupou 48,7% dos espaços noticiosos dos órgãos de comunicação tutelados pelo Estado angolano e o MPLA quase 80%.

Os “recuos” – em termos de autonomia editorial – verificados em órgãos intervencionados pelo Estado “são um sinal da visão persistente que amordaça os órgãos e os seus profissionais”, conclui a ONG.

Rate this item
(0 votes)