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Sexta, 28 Novembro 2014 17:28

Luanda já tem serviço nocturno de entregas ao domicílio

Vários são os jovens que arriscam as suas vidas entrando em bairros com pouca segurança, mas o perigo não os intimida.

Eram aproximadamente 19 horas quando os repórteres do jornal OPAÍS chegaram à pizzaria Reusmar, no distrito do Kilamba Kiaxi. O ambiente parecia calmo para uma noite de Sábado. Passaram cerca de 30 minutos, quando começou o corre-corre dos “entregadores” nocturnos.

Entre vários homens, encontrava-se Jandira Costa de 27 anos. Ela presta serviços nos períodos da tarde e da noite, uma situação rara de se ver nos dias de hoje.

Há dois anos neste trabalho, Jandira diz que no princípio foi difícil adaptar-se ao tipo de trabalho, pois ela nunca tivera trabalhado como portadora em toda a sua vida, mas, por motivos financeiros, não teve outra alternativa e acabou por aceitar o desafio.

“Hoje já consigo dizer que gosto do que faço, aprendi a gostar e hoje conheço basicamente alguns bairros de Luanda, porque o trabalho o exige, caso contrário perdes o cliente”, disse.

Enquanto era entrevistada por este jornal, Jandira é chamada pelo seu líder para uma entrega no bairro Popular. Nesta altura já eram 19 horas e 45 minutos e, sem perder tempo, arrumou o seu equipamento e recebeu as coordenadas para chegar sem dificuldades ao cliente, com a encomenda. Jandira encaminhou-se para a sua motorizada, mas antes verificou o seu equipamento e, posteriormente, usou o capacete e o colete reflector.

Em pouco mais de 30 minutos, Jandira acabava de chegar ao bairro Popular, precisamente na rua Machado Saldanha.

“Hoje não tive problemas em encontrar a residência do cliente, muitas vezes é complicado, no nosso país há poucas ruas e casas numeradas e com iluminação, tem vezes que o cliente tem de ficar à porta da sua casa para facilitar a entrega”, afirmou.

Com bastante cautela estacionou a motorizada ao lado de um estabelecimento protegido por seguranças armados. Questionada por ter deixado a moto a aproximadamente 30 metros de distância da casa do comprador, Jandira diz que por motivos de precaução não arrisca, por não saber realmente como é e nunca ter feito entrega naquela zona.

Jandira Costa não teve problemas em encontrar a casa, não foi necessário ligar para reconfirmar a morada, pelo facto de a casa ser a única com as características indicadas.

Entregou a encomenda e Dona Juliana, (nome fictício), apresentou o cartão multicaixa e efectuou o pagamento.

“Bem, agora é só voltar ao restaurante e apresentar as fichas ao supervisor, eu prefiro que os clientes paguem com cartão, é mais seguro. Em caso de um assalto, os meliantes não têm como levar os valores monetários”, afirmou com satisfação.

Por outro lado, a estafeta diz que nunca sofreu um assalto no exercício do seu trabalho, garantindo também que nunca foi discriminada pelos colegas por ser a única mulher no restaurante a fazer entregas ao domicílio nos períodos menos movimentados.

Depois de uma hora e meia no bairro Golf, os repórteres seguiram para o distrito da Samba, mais propriamente no antigo controlo. Segundo fontes contactadas no local, nesta mesma zona existe um salão de beleza que presta serviços ao domicílio no período nocturno.

Libânia Ágata, de 37 anos, é cabeleira e proprietária do estabelecimento. Ela diz que não tem sido fácil trabalhar à noite, mas tenta fazer o possível para agradar aos seus clientes que não têm como aparecer no salão.

Ela lidera uma equipa composta por sete elementos, na sua maioria homens. Libânia diz que, geralmente, quando as clientes solicitam os seus serviços optam por homens, alegando que o tratamento é melhor.

“Nós somos uma equipa completa. Normalmente, quando temos que tratar alguém no período da noite não aceitamos que seja fora do distrito da Samba, se for no período da tarde vamos até ao bairro Catinton, porque aqui os marginais já conhecem as nossas motos e carros. Eu às vezes faço questão de tratar o cabelo de alguns meninos e eles têm um grande respeito por mim”, realçou.

Libânia salienta que se Luanda fosse mais organizada e com menos assaltos teria empresas a apostar mais nos serviços ao domicílio, tendo em conta que a cidade precisa de inovação em vários sectores.

Restaurantes prestam serviços ao domicílio no período nocturno

Situado no município de Viana, o restaurante “Neuse” é um dos poucos que tem feito serviço semelhante. Alguns munícipes manifestaram-se satisfeitos com os serviços prestados pelo estabelecimento, como é o caso de Ernesto Gamboa, que vive sozinho e tem beneficiado dos serviços.

“Fiquei impressionado quando soube, nem sempre tenho tempo de ir ao restaurante comer, quando estou muito atarefado ligo para eles e resolvem o meu problema. Em 30 minutos recebo o meu jantar, coisa que só via na Europa”, contou a OPAÍS.

O gerente do estabelecimento, Raul Gonçalves, disse que se não fosse pelo índice elevado de criminalidade poderiam abranger todos os bairros de Viana, mas, por medo, optou por fazer entregas só na vila de Viana.

“Não posso pôr em risco a vida dos funcionários numa zona que está sempre às escuras, se for no período da tarde podemos chegar até Viana Sanzala não há problemas, no período da noite operamos na vila apenas”, explicou.

Durante a reportagem, acompanhamos um dos estafetas numa entrega no condomínio Ginga, que, por sinal, fica fora da vila, mas que, por se tratar de de um condomínio com segurança, o restaurante abre uma excepção.

Eram por volta das 21 horas, o jovem Ananias João pegou na encomenda, tomou nota do endereço e dirigiu-se à viatura. Durante a viagem, Ananias revelou que não gosta do que faz, mas precisa de trabalhar para sustentar os quatros irmãos e a sua mãe que é deficiente visual.

“Com o salário que ganho consigo pagar os estudos dos meus irmãos, mas não posso mentir e dizer que gosto do que faço, corro este risco, de trabalhar à esta, hora pela minha família apenas”, disse.

Ananias conta também, que já foi abordado por bandidos depois ter feito uma entrega num dos bairros, mas ao aperceber-se das suas intenções não perdeu tempo e mudou de rota.

O que o público diz

Nalguns bairros de Luanda os cidadãos não sabem da existência de serviços ao domicílio em plena noite, como é o caso de António Panzo, morador do bairro da Lixeira, município de Belas.

“Com a violência que existe no meu bairro, não ligaria a uma pizzaria a solicitar os seus serviços. Acredito que o rapaz não sairia daqui vivo, acho melhor não arriscar, ficaria com um peso na consciência para o resto dos meus dias”, disse.

Por outro lado, Panzo reconhece que estes serviços só vêm mostrar que alguma coisa na sociedade angolana tem mudado, com algumas desvantagens, porque acredita que há bairros que nunca terão acesso a estes serviços devido à falta de iluminação e ruas intransitáveis.

Já a cidadã Joaquina Mateus, moradora do bairro Palanca, pensa diferente. Para ela, se estes serviços forem implementados em toda a parte de Luanda, vai ser uma grande valia para todos os cidadãos.

“Se continuarmos com medo dos bandidos nunca vamos ter serviços de qualidade no período da noite. Quem disse que a população não pode movimentar-se porque temos medo? a Polícia tem que tomar medidas”, salientou.

Os mecanismos que os empreendedores usam

Toda a pessoa, quando investe um capital, requer sempre receber uma quantia maior do que a investida. Para isso é necessário usar todos os mecanismos e satisfazer o cliente. Diante deste facto, a equipa do Jornal OPAÍS contactou empreendedores, para uma explicação sobre empresas que prestam serviços ao domicílio no período nocturno. Para Margarete Fernandes, accionista de uma pastelaria, estes serviços sempre existiram, mas em Angola ainda não se faziam sentir. Hoje as coisas estão cada vez diferentes.

“Temos que seguir a dinâmica no mundo dos negócios, com estes trabalhos no período nocturno não é só a empresa que sai a ganhar, as duas partes ficam satisfeitas”. Por outro lado, Margarete diz que para que estes serviços resultem, não basta só as empresas criarem condições, é necessário que o Governo organize as ruas e ilumine os bairros. Quanto à criminalidade em alguns bairros da cidade capital, diz que as entidades patronais devem garantir seguranças aos seus funcionários no momento em que estiverem a exercer as suas funções nos bairros onde a criminalidade é muito elevada.

OPAÍS

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