Entre assinaturas de acordos de cooperação em diferentes setores, a recente visita de Estado de Lula da Silva a Angola tem dado que falar por outros motivos.
Durante uma conferência de imprensa, o presidente brasileiro ressaltou “o bom comportamento” dos jornalistas angolanos, dando a entender que tal se devia à presença do chefe de Estado, João Lourenço. Segundo o estadista, no Brasil a imprensa “cobra mais”.
O comentário não passou despercebido dentro e fora de Angola. Em entrevista à DW, Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, considera que o comentário foi em tom de “crítica” à “passividade” da comunicação social do país.
DW África: Como interpreta o comentário feito pelo Presidente brasileiro, Lula da Silva?
Teixeira Cândido (TC): A nossa ilação é que está implícita uma crítica à passividade da comunicação social; uma crítica ao estilo de jornalismo que se faz, fundamentalmente no setor público, porque os jornalistas que estavam presentes na sala eram maioritariamente de órgãos públicos, cuja atuação é condicionada por todas as razões e mais algumas.
No início do primeiro mandato [do Presidente da República, João Lourenço], ensaiou-se essa perspetiva de ter presentes vários órgãos de comunicação social, mas foram sendo afastados e, hoje, os únicos órgãos que acompanham o Presidente nas deslocações ao exterior e no Conselho de Ministros são os órgão públicos. São eles que configuram a identidade dos média, de um modo geral.
Em Angola, quem nomeia o gestor dos órgãos públicos é o Presidente da República. Não têm, obviamente, independência perante o poder político. O que resta os colegas é fazer um jornalismo que designamos como institucional ou administrativo. É o reflexo disso, não é nada de novo. Prende-se com o facto de ser um Presidente estrangeiro a fazer essa referência.
DW África: Considera que foi uma provocação deliberada do estadista? A intenção seria mesmo ironizar essa "passividade", de que fala, dos jornalistas angolanos?
TC: A nossa ideia é de que o Presidente Lula não teve acesso a informação sobre a liberdade de imprensa e aproveitou aquele momento para fazer essa "piada", com as devidas aspas. Para nós, nos média, a interpretação é que foi uma crítica, porque em país nenhum a imprensa independente pode temer o Presidente. Por que razão é que a imprensa pode temer a presença do "gestor" do país, a quem tem de prestar contas - e presta, muitas vezes por via dos média? Quando tem medo, quando tem receio da presença do Presidente da República, está claro que não há independência. Nós nem precisávamos desta piada do Presidente Lula, este é o nosso quotidiano.
DW África: E perante o comentário, esperava outra reação do Presidente João Lourenço?
TC: Não era expectável que, naquele momento, o Presidente reagisse de outra maneira. Acho que ele também foi surpreendido pela observação. Eventualmente, os reflexos podem vir a seguir a essa visita, porque afinal não somos só nós, jornalistas, sindicatos e outras associações que fazem a leitura da dependência política dos média. Os estrangeiros também acompanham com alguma preocupação e, felizmente para nós, afinal não estamos sós. Não somos os tais que estão contra o Governo, que olham para a comunicação social como refém do poder político. Um Presidente estrangeiro, amigo de Angola, afinal também conseguiu notar isso.
DW África: Angola caiu 26 lugares no último Índice da liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e nos últimos tempos têm-se multiplicado inclusive denúncias de intimidações e perseguições a jornalistas. O que está a falhar?
TC: Falta vontade política de descentralizar, de desprendimento dos média públicos. A ideia que se tem é que não se consegue governar sem os média por perto - os média fundamentalmente favoráveis. DW África