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Sexta, 24 Julho 2020 11:57

João Lourenço promete a Bolsonaro "tratamento adequado" para diferendo da IURD

O embaixador do Brasil em Angola afirmou que o presidente angolano garantiu ao seu homólogo brasileiro que o diferendo na Igreja Universal do Reino de Deus terá o "tratamento adequado" e reiterou a "excelência" das relações entre os dois países

Em entrevista à Lusa a propósito do conflito que opõe a Igreja Universal do Reino de Deus em Angola a um grupo de dissidentes angolanos, o diplomata adiantou que João Lourenço já respondeu à carta que lhe foi enviada, no dia 11 de julho, pelo seu homólogo brasileiro Jair Bolsonaro em que este solicitava uma maior proteção de membros da IURD, "a fim de garantir sua integridade física e material e a restituição de propriedades e moradias".

Escusando-se a entrar em detalhes, Paulino Franco de Carvalho, que manteve contactos diplomáticos de alto nível na semana passada afirmou que o chefe de estado angolano respondeu por escrito a Jair Bolsonaro, reiterando "a excelência das relações bilaterais entre os dois países "e assegurando que, no que diz respeito às autoridades angolanas, esta integridade será garantida

Na carta, "o Presidente João Lourenço afiança ao Presidente Bolsonaro que tudo o que diz respeito a esse diferendo entre a IURD aqui em Angola e ex-membros da IURD, o chamado grupo dissidente, terá o tratamento adequado, cabível na justiça angolana", adiantou à Lusa.

Paulino Franco de Carvalho assegurou que o objetivo do governo brasileiro e, por extensão, da embaixada "não é imiscuir-se nas decisões tomadas pelas autoridades angolanas", mas solicitar que sejam protegidos os direitos dos cidadãos brasileiros que vivem em Angola, em particular os da Igreja Universal, sem entrar na disputa entre a direção da IURD e a ala dissidente.

Assim, a intervenção da diplomacia deveu-se, não só à tomada dos templos, mas também ao facto de ter havido atos de violência contra cidadãos brasileiros, e não só, cometidas pelo grupo de dissidentes, frisou o diplomata, indicando que a embaixada recebeu queixas diretamente e através das suas redes sociais, bem como por parte da direção da IURD.

Quanto às "invasões" que se concentraram entre os dias 22 e 23 de junho "foram feitas de modo muito organizado, em todo o país, e não só em Luanda", pelo que "não houve possibilidade de a polícia intervir tempestivamente".

Caberá agora à justiça angolana, "tomar as medidas correspondentes para que as queixas crime que foram interpostas pela direção da Universal possam ser acolhidas e esses invasores sejam retirados dos lugares que ocupam, ou seja, haja uma reintegração de posse dessas propriedades", acrescentou.

Para o embaixador, o que está em causa é a preservação dos direitos dos cidadãos.

Nós não consideramos razoável, nem aceitável, que propriedades alheias, propriedades de terceiros sejam invadidas e não haja reação por parte das forças policiais", realçou, reafirmando as garantias de que as autoridades darão a necessária segurança às propriedades, sejam os templos ou residências onde moram os membros da igreja.

O conflito na IURD em Angola, que se arrasta desde novembro do ano passado, agudizou-se no mês passado com a tomada de vários templos por parte de bispos e pastores angolanos da Comissão de Reforma da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) que acusam a ala brasileira de crimes e práticas contrárias à religião.

Segundo a Comissão de Reforma, entre os dias 22 e 23 de junho deste ano, os pastores "imbuídos de espírito de fé e bravura decidiram pôr fim às más práticas perpetradas pelo Senhor bispo Honorilton Gonçalves, nomeadamente racismo, arrogância, abuso de poder e de confiança, que culminou com o resgate efetivo dos templos e locais de culto nas 18 províncias de Angola".

O conflito interno da IURD em Angola tem provocado tensões entre os dois países, com envolvimento direto de ambos os governos.

Os angolanos acusam os brasileiros de irregularidades e práticas contrárias à religião como a vasectomia, racismo e discriminação e romperam, em novembro do ano passado, com a representação brasileira em Angola encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves.

Em dezembro de 2019, a Procuradoria-Geral da República angolana instaurou dois processos-crime contra a IURD, tendo como base as denúncias feitas por pelo menos 300 pastores angolanos, subscritores do documento.

Diferendo da IURD tem “repercussão politica” mas não afeta relações Angola/Brasil – embaixador 

O embaixador do Brasil em Luanda admitiu repercussões políticas do conflito que envolve a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola, mas salientou que as relações bilaterais não estão em causa.

“Brasil e Angola confundem-se nas suas histórias há mais de 300 anos. As relações são intensas não só a nível oficial, de acordos de cooperação entre governos, mas principalmente a nível das sociedades. Temos uma comunidade brasileira muito produtiva e muito integrada na sociedade angolana”, declarou à Lusa Paulino de Franco Carvalho, que considerou que este “pano de fundo das relações bilaterais” não é afetado pelo diferendo da IURD.

Bispos e pastores angolanos da IURD acusam os brasileiros de irregularidades e práticas contrárias à religião, como a vasectomia, racismo e discriminação, e romperam, em novembro do ano passado, com a representação brasileira em Angola encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves.

O conflito agudizou-se em junho com a tomada de templos por parte dos dissidentes, entretanto constituídos numa Comissão de Reforma. Os bispos e pastores da IURD acusam este grupo de estar a mobilizar ex-pastores, alegando discordância com os brasileiros e “outras infâmias que servem de argumentos para sustentar a sua tese de rebelião e justificativa para cometimento de atos criminosos como: invasão, furto, agressão, calúnia, burla entre outros", de acordo com uma carta aberta divulgada esta semana.

Comentando os acontecimentos recentes, o embaixador brasileiro considerou que se trata de um “episódio muito específico”, mas que naturalmente tem repercussão política, especialmente no Brasil, onde partidos influenciados pelos seguidores de igrejas neopentecostais têm uma presença “que não é de hoje”.

“O próprio Presidente Lula [da Silva] recebeu e deu apoio [à IURD], bem como [os ex-presidentes] Dilma Rousseff, Michel Temer ou Fernando Henrique Cardoso”, notou o diplomata.

Paulino Franco de Carvalho assinalou que os fiéis da IURD compõem uma parcela significativa da sociedade brasileira, que “tem direito a voz, tem direito a voto” e influenciam a agenda política brasileira, “como é natural numa democracia vibrante, como a brasileira, em que todos os pontos de vista podem ser manifestados".

“O que há é uma pressão legítima de setores da sociedade brasileira que se veem representados na Igreja Universal, setores esses que têm uma representação política no parlamento brasileiro e no congresso nacional", comentou.

O embaixador realçou, por outro lado, que a influência da religião sobre o poder político não é exclusiva do Brasil.

“As igrejas de um modo geral, não só as evangélicas, mas também a Igreja Católica, os seus fiéis são cidadãos, e influenciam a agenda política de muitos países”, disse, lembrando que há partidos na Europa, incluindo Portugal, que assumem o seu alinhamento com a ética cristã, católica.

“As pessoas que têm uma religião influenciam a sociedade, influenciam a ação política do país, o que até me parece positivo, faz parte de uma democracia plena”, reforçou.

Garantiu, no entanto, que o Governo brasileiro não quer intervir na disputa no seio da IURD em Angola.

“Não cabe ao Estado tomar partido num diferendo que é privado, cabe sim defender o interesse dos seus cidadãos desde que respeitem as leis locais”, vincou.

O crescendo de tensões na 'Universal' já levou ao envolvimento dos governos de ambos os países: o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, escreveu ao seu homólogo angolano, João Lourenço, pedindo proteção para os bispos brasileiros.

Por seu turno, o chefe da diplomacia angolana, Téte António, assegurou que a relação com o Brasil é boa e que a justiça está "a tratar esta questão". Entretanto, a ministra de Estado angolana, Carolina Cerqueira, anunciou que vai ser feito um relatório sobre os incidentes, notando que "há indícios de alguns crimes".

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