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Quinta, 19 Dezembro 2019 18:32

Ex-governador do BNA acusa antigo ministro das Finanças de falsas declarações à PGR

O ex-governador do banco central angolano, coarguido no processo de transferência indevida de 500 milhões de dólares, acusou hoje o ex-ministro das Finanças de Angola de falsas declarações, por apresentar um documento anulado que serviu para a acusação.

Valter Filipe foi hoje interrogado pelo segundo dia, na sétima sessão de julgamento iniciado no dia 09 deste mês no Tribunal Supremo de Angola, que julga também os coarguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário angolano, José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, e António Samalia Bule Manuel, antigo diretor do departamento de Gestão e Reservas do Banco Nacional de Angola (BNA).

O coarguido, que continua a ser interrogado esta sexta-feira, fez a acusação quando respondia a várias questões colocadas à instância do Ministério Público, tendo reiterado que toda a operação, que culminou com a transferência dos 500 milhões de dólares (450 milhões de euros) para um banco em Londres, em 2017, foi coordenada pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Segundo Valter Filipe, no dia 21 de julho de 2017, depois do regresso de uma viagem a Lisboa para conversação com a parte proponente do projeto de financiamento a Angola, através da criação de dois fundos de investimento, que beneficiaria o país em 35.000 milhões de dólares (31.000 milhões de euros), foi solicitado um parecer conjunto do Ministério das Finanças, o BNA e a empresa proponente, a Mais Financial Service, do coarguido Jorge Gaudens Pontes Sebastião, sobre o processo.

O antigo governador do BNA, nomeado, em março de 2016, pelo ex-chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, e exonerado do cargo, em outubro de 2017, pelo atual Presidente angolano, João Lourenço, contou que o então ministro das Finanças, Archer Mangueira, elaborou um parecer unilateral, que submeteu ao Presidente.

No documento, Archer Mangueira, prosseguiu Valter Filipe, propunha que se devia começar a relação através de um memorando de entendimento, tendo na audiência com o ex-Presidente o mesmo solicitado uma explicação.

Valter Filipe contou que, quando lhe foi passada a palavra para dar a sua opinião, informou o Presidente que o parecer não era conjunto, mas apenas do Ministério das Finanças, facto que foi confirmado por Archer Mangueira.

Face à explicação, contou o réu, José Eduardo dos Santos mandou anular aquele parecer, orientando que fosse feito um documento conjunto.

Nesse sentido, entende Valter Filipe que o então ministro das Finanças prestou falsas declarações em sede de instrução preparatória quando apresentou à Procuradoria-Geral da República o parecer com a assinatura do ex-Presidente angolano.

De acordo com o coarguido, o documento apresentado por Archer Mangueira foi o remetido pela Casa Civil do Presidente da República momentos antes da convocatória do então Chefe de Estado angolano para a audiência.

"É do meu ponto de vista gravíssimo um ministro das Finanças entregar à Procuradoria-Geral da República um memorando do qual foi a base e o fundamento da acusação da PGR, tendo o então ministro consciência que o Presidente havia orientado para ser elaborado um parecer conjunto e não um parecer unilateral do Ministério das Finanças", disse.

O réu chegou a solicitar ao tribunal que no inquérito a ser feito ao ex-Presidente uma das perguntas a constar "de forma específica" é se orientou ou não anulação daquele documento, que o Ministério Público utiliza como base e fundamento para a acusação.

O coarguido, que foi o 16.º governador do BNA, esclareceu ainda que a contradição havida no parecer conjunto não era entre o banco central e o Ministério das Finanças, mas sim entre aquele órgão ministerial e a empresa proponente, esta última que propunha como condição 'sine qua non' para o andamento do processo a existência de um contrato de consultoria financeira entre o Estado angolano e a Mais Financial Services.

Depois de seis horas de interrogatório, com hora e meia de intervalo, o réu, que acabou de se recuperar de um problema de saúde, manifestou exaustão, tendo o tribunal agendado para sexta-feira a continuação do seu interrogatório, agora pela defesa.

No final da sessão, o tribunal deferiu uma solicitação da defesa, que se oficie junto do BNA, para se juntar aos autos, o processo administrativo interno no âmbito do qual foi realizada a transferência dos 500 milhões de dólares.

O caso remonta ao ano de 2017, altura em que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, uma proposta para o financiamento de projetos estratégicos para o país, ao que encaminhou para o executivo, por não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.

A proposta foi apresentada ao executivo angolano no sentido da constituição de um Fundo de Investimento Estratégico, que captaria para o país 35.000 milhões de dólares.

O negócio envolvia como "condição precedente", de acordo com um comunicado do Governo angolano, emitido em abril de 2018, que anunciava a recuperação dos 500 milhões de dólares, a capitalização de 1.500 milhões de dólares (1.218 milhões de euros) por Angola, acrescido de um pagamento de 33 milhões de euros para a montagem das estruturas de financiamento.

Na sequência foram assinados dois acordos, entre o Banco Nacional de Angola e a Mais Financial Services, empresa detida por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de longa data do coarguido José Filomeno dos Santos, um para a montagem da operação de financiamento, tendo sido em agosto de 2017 transferidos 500 milhões de dólares (406 milhões de euros) para a conta da PerfectBit, "contratada pelos promotores da operação", para fins de custódia dos fundos a estruturar.

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