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Segunda, 01 Junho 2015 22:12

Crise: Bancos sem dinheiro reduzem créditos

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Com a queda das receitas petrolíferas, as autoridades do país desdobram-se num esforço titânico, à procura de dinheiro junto de investidores internacionais, para manter a estabilidade financeira e avançar com a construção de infra-estruturas tidas como fundamentais.

A questão já é preocupante para muitos homens de negócios, com particular destaque para a banca comercial, que reduziu o crédito à economia.

Embora a autoridade monetária do país não tenha admitido a real falta de cambiais no mercado angolano, a situação é diferente para quem pretende viajar ao exterior, onde a moeda nacional não é negociável. Analistas dizem que a última actualização do mercado monetário e financeiro, feita pelo Banco Nacional de Angola (BNA), espelha bem o pessimismo instalado na venda pública de divisas e da concessão de créditos à economia.

Em Março último, de acordo com documento do Banco Central, os empréstimos concedidos voltaram a descer cerca de 1,3%, face ao mês anterior, cifrando-se em 4.124 mil milhões de kwanzas (40, 2 mil milhões de dólares).

O documento distribuído em Luanda indica que o relatório mensal do BNA sobre o panorama monetário e financeiro do país e os empréstimos à administração central registaram evolução contrária e cresceram durante o período em referência 1,2% para 269.791 milhões de kwanzas (2,7 mil milhões de dólares).

A falta de liquidez nas empresas públicas, conforme o BNA, fez que os empréstimos da banca comercial para o resto do sector público caíssem para os 4,5% no mesmo mês, para 63.538 milhões de kwanzas (635.380 milhões de dólares).

A tendência da redução do financiamento, segundo análise da autoridade monetária angolana, é fruto da queda das receitas do petróleo com a baixa do preço do mesmo no mercado internacional, o que fará o peso do crude nas receitas fiscais do país, na previsão do Governo, descer de 70%, em 2014, para uma estimativa de 36,5% até final do ano.

Mesmo com estas oscilações do mercado financeiro, a situação foi diferente para o sector privado, que absorveu o grosso dos empréstimos concedidos, totalizando 3,2 biliões de kwanzas (23,3 mil milhões de dólares), uma ligeira subida, se comparada a de Fevereiro. Indica, igualmente, que o crédito total concedido durante o período em análise se cifrou nos 4.124 mil milhões de kwanzas (40,2 mil milhões de dólares), uma redução de 1,3% face a Fevereiro, quando se atingiram os 4.178 mil milhões de kwanzas (41 mil milhões de dólares) ao contrário de Janeiro, aquando o volume total de crédito já tinha descido 4,5%.

QUADRO NEGRO

Conforme o economista e docente universitário, Carlos Ngongo, existem duas realidades neste país, o que se vive na economia real não afecta o poder.

"Os sacrifícios anunciados pelo Presidente da República (PR) são um exercício difícil para quem está a ver que os bancos comerciais não estão a disponibilizar os dólares e sabemos que este país está refém ao petróleo e este produto gera divisas. Então, há que estabelecer prioridades do financiamento que se pretende", disse, tendo explicado que a análise do BNA peca em não divulgar as vendas de divisa no mercado primário e o que aconteceu no secundário.

"Estamos presos à informação da movimentação interna, relativamente ao financiamento da economia e o que, realmente, os bancos receberam do Banco Central como estimulo à sua actividade", questionou o nosso interlocutor.

"Ainda me lembro de que fui das pessoas mais críticas deste processo e disse, na altura, que não se criassem ilusões, porque o país não produz o suficiente para sustentar o mercado interno e que a prioridade fosse a luta pelo crescimento a dois dígitos. Em contrapartida, a teimosia de uma elite duvidosa com o interesse do projecto Angola trouxe-nos até aqui", lamenta o nosso interlocutor. Um país, avaliou, deve ter a sustentabilidade na sua indústria. A importação dos derivados do petróleo, neste momento, chega a superar as receitas que entram no país.

"Em 2014, a receita petrolífera cresceu 70%, e tínhamos as reservas internacionais líquidas em alta, cerca de 34 mil milhões de dólares e hoje quanto é que o país tem para acudir a vida interna? Certamente que, em termos de curvas de provisões financeiras, estamos a pique", lembrou o académico. O que não funcionou, identificou, é a planificação, uma vez que poderíamos muito bem conviver com as duas moedas, embora a externa reduzida.

E sustenta a ideia com a afirmação de que o mercado paralelo é o modelo mais vivo da falta de sintonia nos órgãos que definem a política financeira do país e as apreciações que se fazem aos gastos para o poder político.

"O país caminha 'às cegas' para encontrar o modelo de gestão do erário. É bom que se façam análises que vinquem e que há transparência. Estamos preocupados com os preços dos combustíveis, enquanto a moeda nacional derrapa diante do dólar. Uma nota de 100 dólares está a ser vendida a 20 mil kwanzas e o que que se assiste é o interesse de ir à rua vender o dólar", sublinhou. Há, no seu entender, a necessidade de acompanhar o mercado paralelo, porque, à primeira vista, é possível ver o crescimento da venda de divisas nas ruas.

"Cresceu o movimento e a razão é que há pessoas que sustentam este mercado. A desvalorização do kwanza já está reflectida na taxa de inflação real e não a do BNA, uma vez que não há engajamento nenhum, para que esta tendência não se prolongue", notou. Na análise que faz do mercado financeiro angolano, Carlos Ngongo junta-se aos demais estudiosos e rebate que a questão das emissões de obrigações como instrumento de financiamento para compensar a descida das receitas petrolíferas não pode ser o caminho.

"Então, recorremos ao Reino Unido e já estamos com um empréstimo de 1000 milhões de dólares e à espera que as Finanças digam o endividamento do Estado a nível interno e fazer um quadro comparativo com o tecto de endividamento recomendável a nível internacional. O caminho poderá ser um resgate e o fim do monopólio das nossas riquezas", garantiu.

As significativas descidas das receitas fiscais provenientes deste sector, que é o motor do crescimento e estabilidade financeira em Angola, podem condenar o país a mendigar apoios que poderão hipotecar as gerações futuras.

"A governação tem de pensar o dia de amanhã e é fundamental monitorar as movimentações da banca, no bom sentido, porque acredito que muito dinheiro dos bancos comerciais está no mercado informal e a consequência é que não há divisas para quem precisa de se deslocar ao exterior", revelou. Para ele, isso não é tudo. Há que motivar o interesse dos investidores estrangeiros até nacionais e definir bem as competências quando se trata da aprovação dos projectos de iniciativas empresariais.

"Há interesses em investir no país, mas, se tiver uma avaliação do investimento estrangeiro, nestes cinco meses de 2015 penso que houve uma grande retracção, enquanto vários projectos foram engavetados ou indeferidos", afirmou a fonte, que é aqui onde o país tem deficiências, porque, se o investidor não for de conveniência, nada sairá do papel. Queres outro exemplo? - questionou, acrescentando que todas as iniciativas que visavam a promoção do empreendedorismo no país foram partidarizadas. "Olhe para os beneficiários directos do Angola Investe. O BUE caiu no esquecimento e muitas outras acabaram por voltar para a elite e os cidadãos à espera e ninguém diz", lembrou.

ENDIVIDAMENTO

De acordo com dados do Ministério das Finanças, a emissão de dívida pública por Angola deverá situar-se, este ano, em 20 mil milhões de dólares, com recursos a captar junto de investidores privados, pagando juros que chegam a 7%.

Considerado o pior ano das finanças, o nosso interlocutor acredita que ainda temos margem de manobra para o endividamento até ao tudo. Questionado sobre o que sabe do plano anual de endividamento público para 2015, respondeu que este montante é o necessário para garantir o financiamento do Orçamento Geral do Estado - 2015 revisto. Recentemente, Angélica Paquete, directora de Gestão da Dívida Pública, assegurou que "introduzimos, no exercício fiscal de 2015, a possibilidade de os investidores privados ou colectivos poderem aceder ao mercado primário interno".

O acesso dos investidores privados pode ser feito através de Bilhetes de Tesouro, de prazos mais curtos e com taxas de juro que variam entre 4,5% (a 91 dias) e 6% (364 dias), num montante total a colocar pelo Estado equivalente a 402 mil milhões de kwanzas (3,8 mil milhões de dólares).

Igualmente acessível a investidores privados, através do BNA, estão as Obrigações de Tesouro, com maturidades de 2 a 5 anos, e taxas de juro de 7%, descritas pelo Governo Angolano como um dos mais elevados retornos do mundo neste tipo de produto financeiro.

O Estado Angolano espera arrecadar, nesta componente, mais de 480 mil milhões de kwanzas (4,6 mil milhões de dólares) este ano, apesar da situação económica e financeira desfavorável do país, face à quebra nas receitas do petróleo.

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