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Quarta, 03 Dezembro 2014 15:21

A utilidade sem consideração de Bento Kangamba

O trabalho de mobilização política” a que Bento Kangamba se dedica em Luanda (AM892) é especialmente apreciado nos órgãos de poder do regime, daí advindo o seu notório “peso político”. Em muitas das suas manifestações, eventualmente as mais genuínas, tal apreciação não denota, porém, sentimentos de consideração pessoal e/ou política, mas apenas uma noção de mera utilidade.

Novos dados sobre o assunto, verificados, indicam que a própria conduta do Presidente, José Eduardo dos Santos (JES), deixa transparecer uma mistura de sentimentos em relação a Bento Kangamba. Esteve na festa do pedido de casamento apresentado por Bento Kangamba à sua sobrinha, Avelina dos Santos, mas não compareceu no casamento, assim como limita a sua presença em convívios familiares.

O SG MPLA, Dino Matross, a cujos préstimos Bento Kangamba recorre amiúde tendo em vista influenciar o andamento/conclusão de assuntos relacionados com o seu “trabalho”, pendentes de decisões governamentais e outras, atende-o sempre de forma considerada solícita. Mas é um dos dirigentes que faz obstrução às suas pretensões em termos de carreira partidária.

2. Na mensuração da grande importância internamente atribuída ao “trabalho” que Bento Kangamba desenvolve (nos público, privado e encoberto), são considerados critérios como os seguintes:

- A vasta popularidade de que goza junto da população de Luanda (também das Lundas), por efeito da combinação de facetas da sua personalidade como populismo, generosidade e simplicidade, é vulgar, p ex, comprar toda a cerveja que simples vendedoras ambulantes, vulgo “zungueiras”, têm à venda num mercado improvisado a que chega, mandando depois proceder à sua distribuição gratuita pela circunstantes.

- A capacidade que revela para converter a sua popularidade em instrumento de mobilização política do interesse do regime, assim como num meio adicional de controlo e vigilância do ambiente de segurança.

- As influências de que dispõe junto de indivíduos e grupos-chave da sociedade, entre os quais o dos artistas e jornalistas; apoiando-se numa produtora de espectáculos, a que aparentemente está ligado, Bento Kangamba conquistou nítidas influências entre os artistas de todas as gerações, aos quais proporciona contratos e digressões, incluindo ao estrangeiro.

Também entram a crédito da importância do seu papel, episódios como voluntarismo que o levou a empregar encobertamente pessoal do corpo de segurança da sua organização, Kabuscorp, em acções com o fim de destroçar manifestações públicas de protesto político que, pela sua oportunidade, se julgou implicarem risco político.

3. A afirmação de Bento Kangamba como “mobilizador político” (também o identificam como agitador) advém nos seus primórdios da forma como conseguiu fazer diluir ou “desmontar”, conforme jargão, grandes influências que os bacongos haviam passado a ter no Sambizanga, um bairro politicamente simbólico para o MPLA e JES.

A abertura do Sambizanga aos bacongos foi favorecida por Fernando Miala – então uma das mais proeminentes figuras do regime. As reacções negativas provocadas entre ao bacongos pelo assassinato de Mfulupinga Landu Victor e mais tarde, pelo afastamento político de Fernando Miala, também ele bacongo, levaram a considerar urgente o estabelecimento na zona de um novo equilíbrio étnico-social.

Fernando Miala também gozava de especial aceitação entre os artistas. A aproximação de Bento Kangamba aos mesmos, especialmente estimulada pelo chefe da Casa Militar, Vieira Dias “Kopelipa”, destinou-se numa primeira fase a ofuscar influências de Fernando Miala; subsequentemente, a colmatar o vazio da sua queda política.

4. O “peso” que Bento Kangamba adquiriu por via da importância do seu “trabalho” em Luanda está patente em evidências como o acesso fácil que tem a figuras de primeiro plano do regime, usualmente pouco acessíveis; na facilidade com que gera e movimenta influências no sentido dos seus interesses; ou na prontidão de esforços do regime destinados a superar sequelas de embaraços a que se tem exposto no estrangeiro.

De acordo com estimativas fiáveis, Bento Kangamba aplica nas suas actividades verbas que poderão atingir USD 300 milhões/ano (outras estimativas, que se julga pecarem por excesso, chegam a indicar máximos de USD 2B). A mais importante fonte dos dinheiros é o Estado, a que chega por via de expedientes múltiplos.

A natureza “pouco ortodoxa” de alguns dos expedientes e/ou os métodos que usa para assegurar fundos públicos para as suas actividades, deu azo a constantes choques com os antigos ministros das finanças, Carlos Lopes, e da Construção, Fernando Fonseca; a exoneração de ambos não é de todo estranha a tais choques.

Exemplo figurado, mas inspirado em dados concretos, dos expedientes usados por Bento Kangamba para obtenção de fundos do Estado:

- Sugere o lançamento de uma obra numa zona; diz que a iniciativa é do interesse politico e social do MPLA, até como forma de esvaziar descontentamentos populares que a oposição tenderá a aproveitar em seu benefício; se a obra estiver prevista para zonas em que a UNITA tem mais implantação (Cacuaco, Cazenga, etc), o seu lançamento é defendido de forma mais veemente.

- O custo final da obra (executada por empresas por ele indicadas; por vezes uma empresa sua), é normalmente muitas vezes superior a estimativas/orçamentos iniciais; para tornear dificuldades de pagamento provocas pelo empolamento dos custos, pede e obtém da entidade pagadora uma “declaração de dívidas”, em poder da qual começa a mover influências visando o seu recebimento, usa argumentos politicamente calculados para produzir os efeitos pretendidos.

- As influências a que recorre são definidas na proporção do grau de dificuldade das pendências que pretende resolver, de forma directa ou indirecta tem acesso às mais proeminentes figuras do regime – um privilégio das suas afinidades com o círculo presidencial.

A par de dinheiros provindos dos cofres do Estado, Bento Kangamba conta também com fundos considerados “fora do orçamento” para financiar as suas actividades. A Casa Militar, o órgão que mais vela pela ordem e segurança na capital, é a principal fonte de tais fundos.

A capacidade económica própria (individual e/ou empresarial) que Bento Kangamba invoca para justificar a ordem dos fundos de que dispõe, é considerada ilusória. Os negócios a que se diz estar ligado (agricultura, construção e comércio) são considerados pouco expressivos ou incipientes; não têm escritórios em Luanda.

AM