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Terça, 07 Janeiro 2020 21:28

Como a Justiça portuguesa travou 10 milhões para a Rússia

A transferência de 10 milhões para a Rússia do general 'Dino' levantou suspeitas. O BCP comunicou à Justiça e a informação chegou a Angola. Que fez o arresto milionário a Isabel dos Santos.

A revelação de que a Polícia Judiciária teria impedido, em dezembro de 2019, uma transferência de 10 milhões de euros de uma conta do Millennium BCP aberta em nome do general Leopoldino Nascimento, ‘Dino’, sócio de Isabel dos Santos na operadora Unitel, para uma conta russa colocou novamente na agenda a importância do sistema de combate ao branqueamento de capitais que vigora em Portugal. Foi esta transferência para a Rússia congelada em Lisboa que esteve na origem do arresto milionário à empresária decretado em Angola. E que colocou em evidência o sistema de comunicações entre os bancos e a Justiça.

Esta não, aliás, a primeira vez que altos dirigentes angolanos tiveram problemas com as autoridades judiciais portuguesas devido às suas contas bancárias. Já em 2012 e 2013 o Ministério Público tinha sido obrigado a abrir diversos processos administrativos para pedir explicações à própria Isabel dos Santos, à sua meia-irmã Tchizé dos Santos, aos generais Manuel Dias Vieira, ‘Kopelipa’ e Leopoldino Nascimento, ‘Dino’, e também a Manuel Vicente, então vice-presidente de Angola, sobre a origem dos capitais milionários que circulavam pelas respetivas contas.

Afinal, como funciona esse sistema de informação entre a Justiça e as instituições de crédito? Como foi possível suspender temporariamente a transferência de 10 milhões do general ‘Dino’ que depois acabou por ‘atingir Isabel dos Santos? Eis as respostas.

O caso dos 10 milhões do general ‘Dino’ e novo inquérito contra Isabel dos Santos

Em concreto, foi devido ao dever especial de diligência que a lei de branqueamento de capitais impõe a todos os bancos que o Millennium BCP alertou a UIF da Polícia Judiciária em dezembro de 2019 que o seu cliente general ‘Dino’ se preparava para realizar uma transferência de 10 milhões de euros para uma conta de um banco em Moscovo titulada pela Woromin Finance Limited, sociedade alegadamente controlada por Isabel dos Santos. ‘Dino’ não só é sócio de Isabel dos Santos na operadora angolana Unitel, como é um dos grandes aliados militares do ex-presidente José Eduardo Dos Santos, pai de Isabel.

A lei oferece uma grande discricionariedade aos bancos para concluírem que determinada operação pode ser suspeita. Por exemplo, basta o facto de a Woroming nunca ter recebido transferências do general ‘Dino’, e ter contas bancárias num país sinalizado como frágil no combate ao branqueamento de capitais, para fazer soar as campainhas vermelhas do departamento de compliance do Millennium BCP ou de qualquer outro banco português.

A partir do momento em que a UIF recebeu a informação, analisou os antecedentes do general ‘Dino’ — já anteriormente investigado e denunciado por suspeitas de branqueamento de capitais — e propôs ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a suspensão da operação bancária.

Foi o procurador Rosário Teixeira, que coordena no DCIAP a relação com a UIF, quem tomou a decisão de abrir um inquérito criminal. A lei estipula que o Ministério Público tem um prazo de seis dias para suspender temporariamente a operação, extrair uma certidão, instaurar um inquérito e apresentá-lo ao juiz de instrução criminal para que este confirme no prazo de dois dias a suspensão da operação suspeita.

De acordo com o Correio da Manhã, terá sido isto que ocorreu em dezembro de 2019. Ou seja, Isabel dos Santos e o general ‘Dino’ deverão ser os visados nesse novo inquérito que o Ministério Público terá aberto na sequência da comunicação do Millennium BCP. O Observador solicitou à Procuradoria-Geral da República a confirmação da abertura dessa investigação mas não recebeu qualquer resposta até à publicação deste trabalho.

Tendo em conta que tudo terá ocorrido na primeira quinzena de dezembro de 2019, é surpreendente que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola tenha tido um conhecimento tão rápido da decisão das autoridades portuguesas de suspenderem uma transferência de 10 milhões de euros do general 'Dino'.

 Tendo em conta que tudo terá ocorrido na primeira quinzena de dezembro de 2019, é surpreendente no entanto que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola tenha tido um conhecimento tão rápido das decisões das autoridades portuguesas. Isto porque a providência cautelar de arresto a Isabel dos Santos interposto pela PGR de Angola no Tribunal Provincial de Luanda foi decidido a 23 de dezembro de 2019, sendo mencionadas nas págs. 5 e 11 as atividades da UIF tomadas poucos dias antes.

A investigação com mais de oito anos contra Isabel dos Santos que ainda perdura

Mas esta não é, como já se disse, a primeira vez que o sistema financeiro alerta a UIF da PJ para transações suspeitas de familiares de José Eduardo dos Santos e de altas figuras políticas angolanas. Entre 2012 e 2013, diversos alertas envolveram transações suspeitas de Isabel dos Santos, da sua meia irmã ‘Tchizé’ dos Santos, de Manuel Vicente (então vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol) dos generais Leopoldino Nascimento, ‘Dino’, e Hélder Dias Vieira ‘Kopelipa’ (ex-chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos) e até do então procurador-geral angolano João Maria de Sousa.

Os procedimentos então seguidos foram exatamente os mesmos aos que detetaram a tentativa de transferência de 10 milhões de euros para a Rússia: os respetivos bancos nacionais envolvidos entenderam que estavam perante transações suspeitas devido à alegada origem ilícita dos fundos e informação a Justiça portuguesa.

Não é a primeira vez que o sistema financeiro alerta a PJ para transações suspeitas de altas figuras políticas angolanas. Entre 2012 e 2013, diversos alertas envolveram transações suspeitas de Isabel dos Santos, da sua meia irmã 'Tchizé' dos Santos, de Manuel Vicente, dos generais Leopoldino Nascimento, 'Dino', e Hélder Dias Vieira 'Kopelipa' e até do então procurador-geral João Maria de Sousa.

 Por exemplo, ‘Tchizé’ dos Santos teve de justificar uma transação de 1,2 milhões de euros que tinha recebido em 2008 de uma sociedade offshore chamada Westside Investments, SA. De acordo com a revista Sábado, a filha do então presidente José Eduardo dos Santos terá apresentado um contrato estabelecido com o Governo para a formação e gestão privada dos conteúdos do segundo canal da Televisão Pública de Angola.

Outro caso, noticiado pelo Expresso, relacionava-se com o então procurador-geral João Maria de Sousa que se considerava vexado pelas autoridades judiciais portuguesas por ter de explicar a origem de uma transferência de 70 mil euros da sociedade offshore Spiral Enterprises para uma conta sua no Santander Totta em Portugal. A Spiral estava ligada à importação de produtos de Portugal, sendo que Maria de Sousa seria sócio de uma das sociedades que se dedicavam a essa atividade.

Não foram só transferências bancárias que estiveram em causa. Também a compra de imóveis num empreendimento de luxo no Estoril construído por um fundo imobiliário levou a Comissão de Mercados de Valores Mobiliários a fazer participações ao Ministério Público. Em causa estão as transações relacionadas com a compra de três apartamentos por valores totais de cerca de 5,6 milhões por parte de Manuel Vicente e dos generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’. O processo foi entregue ao procurador Orlando Figueira e acabou arquivado — sendo mais tarde um dos casos que esteve na origem do caso Fizz, que levou à acusação e condenação de Figueira por ter sido alegadamente corrompido por Manuel Vicente para arquivar os mesmos autos.

Todas estas comunicações deram lugar à abertura de procedimentos administrativos para avaliar a origem dos fundos usados, sendo que alguns deles foram transformados em inquéritos criminais. Um deles deriva da queixa de 2013 que o ex-embaixador angolano Adriano Parreira e o jornalista Rafael Marques apresentaram contra Isabel dos Santos e os generais ‘Dino’ e ‘Kopelipa’. Os inquéritos contra estes três ex-responsáveis angolanos continuam abertos e poderão conhecer novo fulgor em breve. OBSERVADOR

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