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Segunda, 09 Dezembro 2019 19:26

Defesa de “Zenu” dos Santos diz que foram ignoradas pistas sobre irregularidades no BNA

O advogado de “Zenu” dos Santos, que está a ser julgado pela alegada transferência irregular de 500 milhões de dólares, responsabilizou o Banco Nacional de Angola (BNA) pelo ilícito e afirmou que a investigação ignorou pistas sobre a instituição.

Na primeira sessão do julgamento, o advogado António Gentil Simão, defensor oficioso do filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos contestou as acusações de tráfico de influência, burla por defraudação e branqueamento de capitais imputadas a José Filomeno “Zenu” dos Santos, apontando baterias ao ex-governador do BNA e aos “lobos com pele de cordeiro” que se aproveitaram da “ingenuidade angolana”.

Na contestação, António Gentil Simão afirmou que “Zenu” dos Santos, à data presidente do Fundo Soberano de Angola, foi abordado pelo empresário Jorge Gaudens, arguido no processo, para lhe apresentar uma proposta de um sindicato bancário, tendo solicitado uma audiência ao titular do poder executivo – na altura o seu pai, José Eduardo dos Santos – para a constituição de um fundo estratégico destinado a angariar recursos financeiros para capitalizar a economia angolana.

Em 2017, foi enviada uma missão a Lisboa para um encontro com os promotores do sindicato bancário, que incluía o ex-governador do BNA, Walter Filipe, outro co-arguido, o próprio “Zenu” dos Santos e o ex-ministro das Finanças Archer Mangueira, que acabou por não se concretizar por falta de comparência dos promotores.

Segundo a defesa de Filomeno dos Santos, desconfiado da “pouca credibilidade” do projeto, o antigo responsável da pasta das Finanças terá sugerido ao Presidente da República a assinatura de um memorando de entendimento, que não chegou a ser efetuado por Walter Filipe, que passou a liderar o processo.

António Gentil Simão afirmou que “Zenu” dos Santos esteve sempre à margem das decisões relativas ao processo que culminou na transferência de 500 milhões de dólares (452 milhões de euros) para um banco britânico, a mando de Walter Filipe.

Embora reconheça que o filho do antigo Presidente esteve presente em determinados encontros e tinha uma relação de amizade com Jorge Gaudens, o advogado disse que não está provado a sua participação numa teia internacional de branqueamento de capitais, que visava, alegadamente, extorquir o Estado angolano, nem foi sócio ou representante das empresas a quem o BNA transferiu fundos e pagamentos suspeitos.

“A investigação neste processo ignorou importantes pistas como o alerta das irregularidades no governo da gestão do BNA”, que terá sido assinalada pelo então ministro do Interior à Procuradoria-Geral da República, tendo optado por uma “estratégia reducionista” e “preferindo concentrar-se na árvore, ignorando a vastidão da floresta”, criticou.

O advogado salientou que os 500 milhões de dólares “têm proveniência mais do que lícita”, pois são fundos do BNA, sendo ilícito não o dinheiro, mas sim o procedimento de transferência por irregularidade de governação do banco central.

Alegou também que “a intenção criminosa de amplitude internacional, de eventuais negócios dissimulados dos detentores de fundos transferidos do BNA, não se esclareceu por insuficiência de investigação” e que tudo o resto não passara de cogitações.

Quanto ao tráfico de influências, considerou que “Zenu” dos Santos utilizou apenas a prerrogativa de acesso institucional e hierárquico à pessoa do então Presidente da República, pois era também presidente do Fundo Soberano.

O advogado afastou ainda qualquer intenção criminosa da participação em determinados encontros que terão sido apenas resultantes “daquela ingenuidade caracteristicamente angolana diante de eventuais lobos revestidos de pele de cordeiro, provavelmente afetos a esquemas internacionais de defraudação financeira, como a demonstrada por um governador de um banco central que ordena a transferência de 500 milhões de dólares através de um telefonema”, preocupando-se apenas mais tarde com a legalidade da empresa beneficiária.

Por outro lado, disse não estar provado que “Zenu” dos Santos persuadiu o titular do poder executivo a entregar-lhe dinheiro do BNA, pois ninguém em Angola pode persuadir o banco central a transferir fundos ilegalmente.

“As leis não o permitem pois em matéria de ‘compliance’ financeira, o BNA é e deve ser sempre a reserva moral do ‘establishment’ financeiro”, concluiu o causídico.

Advogado de ex-governador do BNA acredita que ex-Presidente vai colaborar

O defensor do ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), que está a ser julgado em Luanda, considera que a audição do ex-Presidente angolano é essencial para esclarecer o caso e acredita que José Eduardo dos Santos vai colaborar com a justiça.

O advogado Sérgio Raimundo falava aos jornalistas após ter apresentado um requerimento ao tribunal pedindo a audição do ex-chefe de Estado, para saber se tinha dado orientações ao antigo governador do BNA, Walter Filipe, para que este executasse uma transferência de 500 milhões de dólares (452 milhões de euros) do banco central para um banco inglês e que deu origem ao processo.

O antigo governador do BNA, Walter Filipe da Silva, o filho do antigo Presidente angolano e ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno "Zenu" dos Santos, o empresário Jorge Gaudens, e o ex-diretor do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, António Samalia Bule, estão acusados dos crimes de peculato, burla por defraudação, branqueamento de capitais e tráfico de influência.

"Felizmente o tribunal anuiu ao requerimento. Acho extremamente importante, não se pode chegar à conclusão a que se chegou na acusação sem ouvir a pessoa que na altura mandava neste país, para dizer se realmente mandou fazer, ou não, aquela operação", realçou o causídico.

Sérgio Raimundo salientou que é "um requerimento que está em aberto" e não significa uma confirmação da tese da defesa: "Pode até dizer o contrário, pode dizer que não mandou ou que mandou, mas não naqueles termos".

O advogado sublinhou que "é necessário que se oiçam todas as pessoas que tiveram alguma intervenção em todo este processo que está a ser alvo de julgamento", considerando que cabe aos cidadãos colaborar com a justiça.

"Acredito que o engenheiro José Eduardo dos Santos, enquanto antigo titular do poder executivo tem consciência de que deve colaborar com a justiça. Espero e acredito que ele vai colaborar com a justiça", reforçou, indicando que o antigo Presidente, que está fora do país, nem terá de se deslocar, bastando responder a um questionário.

Em causa está uma suposta transferência irregular de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola para um banco britânico, que seria parte de uma garantia que o estado angolano teria de dar para aceder a um pretenso financiamento de mais de 30 mil milhões de dólares, através de um Fundo de Investimento Estratégico.

O fundo teria sido proposto ao executivo pelo empresário angolano Jorge Gaudens Pontes, amigo de longa data de José Filomeno "Zenu" dos Santos, e serviria para financiar projetos considerados estratégicos para o país.

A operação seria intermediada pela Mais Financial Servisses, empresa pertencente a Jorge Gaudens Ponte que contava, alegadamente, com o apoio de um sindicato de bancos internacionais.

Em agosto de 2017, foram transferidos 500 milhões de dólares americanos para a conta da PerfectBit, uma entidade contratada pelos promotores da operação, apesar das suspeitas do então ministro das Finanças Archer Mangueira que desconfiou tratar-se de um esquema fraudulento.

Na sessão de hoje, os advogados dos quatro arguidos contestaram e tentaram desmontar os argumentos da acusação, numa manhã que se tornou penosa devido à falta de ar condicionado na sala do tribunal.

Válter Filipe da Silva acabou mesmo por abandonar a sala antes do final da audiência depois de se sentir mal, tendo o juiz solicitado assistência médica.

Marcaram hoje também presença no tribunal declarantes e testemunha do processo, entre as quais Archer Mangueira de Sousa, que tutelava na altura a pasta das Finanças e José de Lima Massano, atual governador do BNA.

O julgamento foi suspenso por volta das 14:00 locais e prossegue na terça-feira às 09:30, estando prevista a audição dos arguidos.

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