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Terça, 28 Julho 2020 10:59

Economista angolano considera positiva folga do FMI, mas questiona destino do dinheiro

O economista angolano Alves da Rocha considera que um empréstimo adicional do Fundo Monetário Internacional pode ser um sinal positivo para os investidores, mas questionou o destino a dar ao dinheiro.

Na segunda-feira, o secretário de Estado das Finanças, Osvaldo João, admitiu usar uma “folga” adicional de cerca de 800 milhões de dólares (680 milhões de euros ao câmbio atual) no plano do FMI, assinalando que a parte disponível para Angola é de cerca de 4,5 mil milhões de dólares (3,83 mil milhões de euros ao câmbio atual).

"Estando numa fase em que o 'gap' de financiamento é relativamente maior, face à redução da receita petrolífera, se o conselho de administração do FMI aprovar o acréscimo desta tranche, nós ficaríamos muitos felizes e ajudar-nos-ia muito a fazer a gestão de tesouraria nos próximos tempos", referiu Osvaldo João.

Para Alves da Rocha, se o desembolso for aprovado será um sinal que pode influenciar outros credores do país africano, nomeadamente a China, no adiamento do pagamento de juros e amortização da sua dívida externa.

“Se houver esse reescalonamento, o país pode ganhar aqui uma possibilidade de subir para o trampolim e dar um impulso maior para que alguma coisa de diferente aconteça proximamente”, referiu.

Contudo, o também diretor e coordenador do Departamento de Estudos Económicos do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) manifestou a sua preocupação quanto ao destino que vai ser dado ao dinheiro.

“Porque o adiamento do pagamento de juros e da amortização dos empréstimos é um adiamento”, sublinhou, referindo que relativamente à China, o principal credor de Angola, se houver um acordo para três anos, o impacto vai surgir nessa altura.

Nesse sentido, o economista questiona o que será feito “com estes ganhos temporários, com o adiamento”.

“Porque não será apenas a China, estou convencido disso. O que é que se vai fazer com este dinheiro, vai-se guardar num cofre, vai-se pôr a render, vai-se investir na economia, onde? É a fazer edifícios para a CNE (Comissão Nacional Eleitoral), é a fazer outros desmandos em termos de investimento público, esta é a preocupação que tem de se levantar”, destacou.

Segundo Alves da Rocha, essa transparência é importante numa altura em que o país está a registar uma diminuição das suas receitas ficais provenientes do petróleo, por força do acordo de Angola na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), adesão a que sempre foi contrário.

“Agora o que vai acontecer? A produção do petróleo está a diminuir, Angola vai ter que se confinar às quantidades que a OPEP determinou, o preço está agora mais ou menos estável nos 40, 41 dólares o barril, significativamente acima dos 33 dólares previstos no Orçamento Geral de Estado revisto para 2020, mas o que é facto é que o valor das exportações tem vindo a diminuir, consequentemente as receitas fiscais do Estado também, então o que é que se vai fazer com estes ganhos transitórios”, questionou.

Alves da Rocha realçou que o impacto de um novo empréstimo sobre as necessidades da economia angolana “é pouco, não contará muito”, mas pode ser um sinal positivo para outros credores, entre os quais Portugal, para que venha a influenciar na negociação da dívida externa.

O docente realçou que o estado das finanças públicas em Angola “é muito sério, difícil”, mas não concorda com a opinião de que a única forma de o país endireitar as finanças públicas e organizar o funcionamento das instituições é fazer um acordo com o FMI.

“Admitindo que o FMI é que é o bom polícia, que vem aqui, fiscaliza, chama-nos atenção para que não façam assim, façam assado, isso é uma desvalorização da nossa capacidade de organização, de entendimento dos problemas, de perceção de onde é que estão as dificuldades e não estou de acordo com isso, mas há vozes que dizem que a vinda do FMI é positiva, era necessária para que nós organizemos e nos disciplinemos”, disse.

O economista admite contudo, “do ponto de vista intelectual e da teoria económica”, que a vinda do FMI a Angola constitua um sinal positivo para atrair investidores para o país.

Entretanto, “a realidade dos factos não é esta, nem em Angola – não vi a entrada de investimento privado substancial - nem para a realidade dos países, que de alguma maneira, em algum momento, tiveram de recorrer ao “capitão” FMI e não têm esses registos empíricos”, frisou.

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