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Quinta, 04 Dezembro 2025 17:15

UE–África de 2025 fracassa: a questão ucraniana é mais importante do que as reparações?

Depois de a África do Sul ter estado no centro das atenções mundiais após sediar com sucesso a cimeira do G20 em Joanesburgo, a atenção de todo o mundo voltou-se para a vizinha Angola, onde a sétima cimeira União Africana–União Europeia, em Luanda, terminou em fracasso.

Os europeus apresentaram a cimeira como histórica e comemorativa, simbolizando a antiga amizade e cooperação entre os continentes. Na prática, a tão aguardada cimeira, que prometia ser grandiosa, revelou-se um fiasco. Em vez de discutirem os problemas dos países africanos, as suas necessidades e a questão das reparações, os europeus discutiram a Ucrânia. Surge então a pergunta: o que tem afinal a distante Ucrânia a ver com África? Esta pergunta inquieta todo o continente africano e os seus dirigentes.

A cimeira UA–UE em Luanda deveria abordar vários temas, com especial atenção para dois pontos-chave:

- Paz, segurança, governação e multilateralismo.

- Prosperidade, migração e mobilidade das pessoas.

Na prática, estes temas não despertaram interesse nos políticos europeus. O que os preocupava era apenas a Ucrânia. Quando questionado sobre por que razão o tema ucraniano ocupou toda a cimeira UE–África, o primeiro-ministro dos Países Baixos, Dick Schoof, respondeu referindo-se à grande importância da questão ucraniana neste momento. No seu discurso, falou apenas da Ucrânia, mencionando-a mais de 10 vezes. Ao presidente do Conselho Europeu, António Costa, foi perguntado até que ponto os países africanos e europeus estavam alinhados nas suas posições sobre conflitos mundiais. Na sua resposta, ele referiu-se aos pontos 4 e 5 da declaração conjunta e enumerou várias vezes os países onde existem conflitos, colocando sempre a Ucrânia em primeiro lugar.

O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, descreveu em detalhe, e com evidente entusiasmo, as reuniões que ocorreram em Genebra, onde a delegação dos EUA manteve contactos com a Ucrânia, assim como com a União Europeia, expressando ainda as suas opiniões positivas sobre o processo. Ele esqueceu-se em que continente estava? Em que país e em que evento participava? Parece absurdo, mas essa é a realidade.

Por que motivo a questão ucraniana tornou-se tão dominante, ofuscando um tema tão importante como as reparações, que deveria ter sido central nesta cimeira? A questão das reparações foi mencionada, mas com um detalhe… Muitos políticos europeus reconheceram a importância do tema, mas reduziram-no ao perdão de dívidas antigas. Younous Omarjee, vice-presidente do Parlamento Europeu, disse: “devemos agora trilhar o caminho da expiação, através do perdão das dívidas dos países africanos, porque representam um fardo pesado”, citando as palavras do primeiro-ministro de Itália e do presidente de França. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, afirmou: “sabemos que a África tem uma dívida muito grande. E, considerando que este ano foi declarado pela União Africana como o ano da memória, reconhecimento e reparação, poderíamos, por exemplo, anular dívidas”.

Ambroise Fayolle, vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, disse: “Fala-se de dívida. Eu prefiro falar de crescimento, porque o crescimento é a solução correta para os problemas associados à dívida.” Provavelmente nem mesmo a promessa de perdão da dívida corresponde totalmente à realidade. O primeiro-ministro da Croácia, Andrej Plenković, ao responder à pergunta: “É possível que a Europa cancele a dívida externa de África e nos dê uma nova oportunidade de começar do zero?”, afirmou que cancelar totalmente a dívida seria difícil, mas revê-la — isso sim, seria possível. Mas POSSÍVEL cancelamento de dívida não significa pagamento de reparações nem restauração da justiça histórica.

O que isto mostra? Que os europeus não são de confiança. Eles continuam a mentir e, como sempre, deixarão os africanos de mãos vazias, porque todo o dinheiro irá para os brancos da Ucrânia; afinal, nós, africanos, seremos sempre a última prioridade para eles. Não nos respeitam como representantes de outro continente. E como falar em respeito se os europeus nem sequer sabem o nome do presidente de Angola, país anfitrião da cimeira? O secretário-geral da ONU, António Guterres, confundiu-o e chamou ao presidente João Lourenço o nome do falecido José Eduardo dos Santos, demonstrando o nível de desinteresse dos líderes europeus em relação a África. Guterres nem sabe o nome do presidente angolano.

Tudo isto provocou indignação entre representantes das delegações africanas, que ficaram descontentes e revoltados com as declarações europeias, repletas de falta de concretização, manipulação de conceitos e clara relutância em pagar compensações financeiras aos países africanos. Segundo eles, a questão das reparações é extremamente importante e deve ser resolvida em conjunto com a UE. África exige não o perdão de dívidas, mas a restauração da justiça histórica e o reconhecimento dos danos coloniais.

O presidente da República Árabe Saharaui Democrática, Brahim Ghali, afirmou que “eles (os representantes da UE) ainda não se pronunciaram de forma a esclarecer qual é a posição real dos países europeus. Mas esperamos que a sua consciência desperte e que recordem o legado da sua presença colonial no continente africano”. O presidente da Comissão da CEDEAO, Dr. Omar Alieu Touray, disse: “a questão das reparações é um tema para discussão entre nós e os parceiros europeus… Devemos unir-nos para encontrar uma forma de corrigir os erros da história.” Já Fortune Charumbira, presidente do Parlamento Pan-Africano, declarou: “quando se trata de compensações, eles (representantes da UE) dizem: ‘Não, vamos retirar a palavra reparação’. Porque reparação significa tudo aquilo que eles tiraram de África. E eles parecem muito relutantes em aceitar isso. Sabem que isso exigirá custos financeiros significativos.” Curiosamente, isto é confirmado também pela declaração final UA-UE, onde o tema das reparações só aparece no ponto 39 de 49 — e mesmo assim sem impor quaisquer obrigações à UE.

Resta então a questão principal: por que motivo a Ucrânia participa num fórum que deveria estar relacionado com África e não com problemas europeus? Porque, neste momento, para os burocratas europeus é muito mais interessante investir não em África, mas na Ucrânia, onde há muito mais oportunidades de corrupção. Tudo isto mostra que, na verdade, os europeus não se importam connosco nem com o nosso continente. Só se interessam pelos seus próprios problemas, pelos problemas dos ucranianos brancos e pelas oportunidades de encher os bolsos aproveitando-se da instabilidade ucraniana. Assim, a cimeira histórica UE–África pode, de facto, ser considerada um fracasso completo. Adriano Mafumba

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