O tribunal entende que os requerimentos apresentados pelos advogados dos arguidos como questões prévias vão muito além desta qualidade por alegadamente tratarem de matérias de direito. Segundo a juíza, só no fim ou após a produção de prova se poderá decidir se estão ou não reunidos elementos constitutivos do tipo legal dos ilícitos que são imputados aos arguidos.
Em causa está o facto de os advogados terem invocado que o Ministério Público fez uma classificação “errónea do crime de burla por defraudação” e se notar total ausência de elementos que apontam para o crime que recai sobre o arguido Fernando Gomes dos Santos.
O mesmo acontece, de acordo com os advogados, com a acusação da prática do crime de branqueamento de capitais que pesa contra as empresas Plasmar International Limited e Uterright International Limited, por alegada inexistência do ilícito subjacente gerador de proveitos que o justifiquem.
De salientar que estas duas em presas, enquanto entidades colectivas, foram arroladas como arguidas ao lado da China International Found (CIF) Angola. "Se pronunciarmos sobre estas questões, seria fazer um julgamento antecipado e manifesta violação de vários principios constitucionais, designadamente o principio da legalidade e do julgamento justo e equitativo, exigindo deste último uma correta ponderação de toda a prova produzida para uma decisão que naturalmente se quer justa", explicou a juíza.
Ao abordar a amnistia e prescrição dos crimes supostamente praticados pelos generais Kopelipa e Dino, Anabela Valente afirmou que a amnistia é um acto legal que visa a generalidade das pessoas. Pelo que, é baseada no critério objectivo, na medida em que se refere à espécie de crime e não atendendo à qualidade ou quantidade de sujeitos que tenham cometido.
"No caso em apreço, este Tribunal entende que os crimes imputados aos arguidos não podem, de modo algum, ser considerados amnistiados", afirmou.
Procurações de 2020 podem "tramar" generais
Para justificar a sua decisão, a juíza presidente da causa apontou o facto de os generais Kopelipa e Dino terem assinado, nos dias 6 e 9 de Junho de 2020, documentos nos quais efectuam a transferência de todos os poderes que haviam sido delegados ao senhor Samora Borges Sebastião Albino, pelos accionistas da empresa Priority, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, anterior detentora da IF, Investimentos Financeiros. Através desse acto, o general Kopelipa passou a ser titular de uma procuração irrevogável, passada pelos accionistas das referidas sociedades, para a representar, sendo que o mesmo havia sido feito antes a favor do general Dino. No entender do tribunal, estes foram os últimos actos da conduta delitiva praticada pelos dois arguidos.
"Como estamos perante crimes continuados, com a data da prática do último facto, ou seja, Junho de 2020, escapa a aplicação da Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto, porque os factos são posteriores", frisou, referindo-se à lei que contempla todos os crimes não de sangue que foram cometidos de 11 de Novembro de 1975 a 11 de Novembro de 215, cuja moldura penal seja inferior a 12 anos.
A juíza presidente da sessão explicou que o crime continuado consiste na prática de vários crimes, com a mesma finalidade, e, em consequência, é punido como um só crime. Sendo que, neste caso, a data do último facto é o ponto de partida para a contagem de qualquer prazo.
Supostamente fora das Leis de Amnistia de 2016 e de 2022
No seu ponto de vista, restará a eventual aplicação da Lei. 35/22, de 23 de Dezembro (Lei de Amnistia), que contempla somente todos os crimes comuns puníveis com pena de prisão até oito anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros, no período de 12 de Novembro de 2015 a 11 de Novembro de 2022.
Porém, Anabela Valente salientou que essa lei não abrange os crimes de peculato, abuso de poder, tráfico de influência, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. A mesma determina ainda que não devem gozar desse privilégio os reincidentes e os agentes de crimes que se encontram em situação de concurso efectivo de infrações.
"Uma vez que há concurso, nenhum dos crimes referidos pelos ilustres mandatários está amnistiado, pelo que há quem deferir o solicitado neste concreto", frisou.
Quanto à prescrição de alguns crimes, a juíza explicou que os fundamentos da prescrição estão directamente ligados aos princípios da segurança jurídica, da estabilidade das relações jurídicas e da eficiência da justiça penal. A juíza disse que ela, a prescrição, é um instituto jurídico que determina o prazo máximo dentro do qual o Estado pode exercer o seu direito de punir ou de executar uma pena imposta. "No caso em apreço, não pode ser arguida a prescrição, uma vez que a conduta delectiva dos arguidos e os bens jurídicos ofendidos remetem-nos à figura do crime continuado", frisou.
Recorrendo à pronúncia, sustentou essa posição invocando a indicação de que o comportamento delituoso teve início no ano de 2008 e foi consumado nos dias 6 e 9 de Junho de 2020.
Por outro lado, a juíza informou que o colectivo de juízes decidiu manter a medida de coação aplicada aos arguidos, sendo liberdade sob termo de identidade e residência, por considerar que o direito individual à liberdade, que neste caso, não está coartado, mas restringido. "Deve ser exercido de maneira adequada e em consonância com toda a colectividade, sob pena de, estando em conflito, prevalecer este último, ou seja, o direito da colectividade". OPAIS