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Segunda, 21 Março 2022 19:11

Geopolítica e Geoestratégia: Ucrânia e Rússia entre a continuação do conflito e o alcance de um acordo de paz (VI)

A operação militar russa na Ucrânia continua e a quarta ronda das negociações decorrida no passado dia 16 de Março entre os governos de Kiev e do Kremlin sobre um possível acordo de fim de um conflito que já dura mais de três semanas parece que aos poucos começam a surtir algum efeito positivo, e apesar de existirem ainda desencontros e desalinhamentos entre certos interesses manifestados pelos dois governos, ficou claro que o governo de Kiev já não deseja insistir em fazer parte da Organização do Tratato Atlântico do Norte que era e é a principal preocupação russa.

Neste encontro de negociações pequenos passos foram dados, as duas partes manifestaram as suas reais intenções de interesse Nacional. A proposta russa de paz exige que a Ucrânia seja um País constitucionalmente neutro, seguindo o modelo da Suécia ou da Áustria, tendo uma Constituição que declare explicitamente e oficialmente a sua neutralidade, sendo um Estado que não deva formar parceirias nem alianças militares, nem deve recorrer à ajudas militares estrangeiras ou internacionais mesmo em casos de ataque, rebelião, revolução, conflitos civis ou conflitos inter-estatal.

Esta proposta russa foi categoricamente negada pelo governo de Kiev. A Ucrânia aceita sim ser um Estado neutro mas sob algumas condições:

1 – Garantias de que, em caso de ameaça futura contra o seu Território ou soberania Nacional, o País deve ter o direito de recorrer à ajuda externa pedindo apoio técnico-militares e apoio de materiais de guerra;

2 – Que no acordo fosse mecionado de forma explícita os nomes dos países garantidores de apoio à Kiev, caso a Ucrânia fosse ameaçada ou invadida, esses aliados dariam ao governo de Kiev apoio diplomático, humanitário, financeiro e apoio bélico.

Esta contraproposta ucraniana é na verdade um tipo de neutralidade que permite ao País (em caso de tensões) de fazer uma espécie de «meia aliança militar», porque no acordo seria previsto apoios militares e logísticos mas não seria admissível o envio de militares na frente de combate à favor da Ucrânia, coisa que verificamos nesse conflito com a presença de vários combatentes volontários vindos de toda a parte do Mundo.

Em geoestratégia e em geopolítica a neutralidade é um princípio segundo o qual um Estado não deve tomar parte dos conflitos estrangeiros, dos conflitos regionais e dos conflitos internacionais, nem formar alianças militares com outros Estados, nem fazer acordos de parceiras internacionais de defesa. A neutralidade obriga também que um Estado não aceite instalações de bases militares no próprio Território Nacional. Este é o caso típico de neutralidade seguido pela Suiça, Finlândia, além da Suécia e da Áustria. Mesmo o Estado angolano é um Estado constitucionalmente neutro, não permite a instalação de bases militares estrangeiras no País.

Esta negociação de paz entre a Ucrânia e a Rússia é um tipo de negociação que exige um alto nível de compromisso e de responsabilidade Estatal, exige mudanças profundas no establishment de uma Nação. Diferente dos encontros anteriores (28/2; 3/3; e 7/3) entre Kiev e o Kremlin, neste último encontro notou-se uma certa vontade das partes em querer dar passos concretos e significativos para se pôr fim à este conflito.

Além deste ponto sobre o critério de «neutralidade» em que não há ainda um alinhamento definitivo entre os dois governos, um outro ponto de forte desacordo são as regiões separatistas de Donetsk e de Lugansk e também a região de Donbass. A Rússia exige que essas regiões sejam reconhecidas pela Ucrânia como Estados independentes mas Kiev não está disposta a ceder/aceitar essas exigências, mas espera-se que as partes cheguem à um ponto de equilíbrio à vantagem recíproca nos próximos dias ou semanas.

Neste encontro a Ucrânia manifestou a sua total prontidão em abrir mão de certos interesses a favor da Rússia mas que o Kremlin de forma imediata terá de pôr um fim ao conflito e retirar todas as suas tropas e materiais de guerra da Ucrânia, e que as cidades, zonas e as estruturas ocupadas pelo Kremlin durante essa operação militar sejam totalmente desocupadas e devolvidas ao governo de Kiev. 

Apesar do decorrer destas negociações o conflito na Ucrânia não teve um cessar fogo, o conflito seguiu o seu ritmo normal, e um dia antes do encontro de negociações, isso é no dia 15 de Março, os EUA enviaram à Ucrânia mais 800 milhões de dólares de ajuda em armamentos, incluindo armas anti blindados e armas antiaéras capazes de derrubarem aviões e mísseis convencionais.

Lembrando que antes os EUA já tinham enviado 200 nilhões de dólares em armamento a favor de Kiev, depois enviaram 350 milhões de dólares também em armamentos, ano passado (em 2021) os EUA tinham ajudado Kiev com 1 bilhão de dólares em armamentos e outros materiais militares, e neste ano de 2022 além dos valores já mencionados o Congresso americano no dia 10 de Março aprovou um pacote de ajuda financeira e humanitária de 14 bilhões de dólares à favor do Estado ucraniano.

Em política nada é de graça, tudo tem um preço, não importa o que alguém faça por ti, existe sempre um preço a ser pago, e todas essas ajudas que os EUA e outros países europeus estão prestando à Ucrânia mais tarde ou mais cedo o governo de Kiev terá de pagar, pagará de um jeito ou d’outro jeito. Kiev está sob pressão e crise político-econômica desde 2014, e assim que terminar este conflito com a Rússia o País mergulhará duas vezes mais numa tremenda crise e dívida pública e externa.

A Corte Internacional de Justiça (não confundir com Corte Penal Internacional) determinou no passado dia 17 de Março que a Rússia deve suspender imediatamente toda a sua operação militar na Ucrânia, tendo considerado a acção russa como irracional e uma autêntica violação dos direitos fundamentais do Homem.

Há décadas que as grandes Nações (superpotências mundiais, potências econômicas e potências militares) já não obedecem como tal as regras e princípios da ONU, vale lembrar que tanto a Assembleia Geral da ONU quanto o seu Tribunal (Corte Internacional de Justiça) inlusive o próprio Conselho de Segurança (orgão mais decisivo da ONU), já emitiram várias vezes resoluções condenando e proibindo os testes nucleares da Coreia do Norte, testes estes que tiveram início em 2006, de lá pra cá a Coreia do Norte praticamente nunca mais parou com seus testes nucleares, e apesar das inúmeras sanções econômicas e comerciais impostas a si e apesar das proibições dos testes, a Coreia do Norte simplesmente decidiu não acatar as ordens da ONU.

A mesma Corte Internacional de Justiça (através da criação de uma arbitragem sobre o Mar do Sul da China) tinha ordenado em 2016 e em 2017 para a China não ocupar e nem apoderar-se do mar do Sul da China (também conhecido como Mar Meridional da China), um mar reivindicado por outros países como: Filipinas, Vietnã, Malásia, Brunei, Indonésia e Taiwan.

A China não obedeceu a decisão da Corte Internacional de Justiça, pelo contrário, construiu ali ilhas artificiais, além de colocar nessas áreas bases militares, instalando ali sistemas de defesa antimísseis, sistemas antiaéreos, caças de guerra e mísseis antinávios, concentrando nessas bases militares algumas centenas de militares chineses, e o caso até hoje ficou assim sem nenhuma resolução efectiva e as Nações Unidas nunca mais exigiu que a China abandonasse este mar, e a China continua gerindo e controlando por completo este mar.

O Mar do Sul da China é um mar rico em recursos naturais como gás e petrólio, e o governo de Pequim estrategicamente tem procurado fazer vários acordos econômico-comerciais com os países vizinhos que revindicam a soberania deste mar de modo a aliviar as disputas e as tensões entre as partes envolvidas, sendo que este mar rapresenta uma zona de extrema importância, é uma das regiões econômicas e ambientais mais importantes do mundo, grande parte dos navios asiáticos de pesca e não só, navios comerciais de bens alimentares a nível do mundo têm como rota preferencial o mar do Sul da China, e milhares de pessoas daquela parte asiática dependem dessas águas para sua alimentação e sustento.

Mesmo o Estado de Israel não acatou as decisões da ONU sobre a não ocupação dos territórios pertecentes à Palestina. Só de lembrar que em 2016 o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução n.º 2334 pedindo à Israel que colocasse um ponto final aos assentamentos palestinos mas a ordem até hoje nunca foi cumprida, se passaram seis anos e a ONU não fez nada para que Israel cumprisse com a resolução do Conselho de Segurança, a situação continua até hoje sem solução viável.

O próprio Estados Unidos da América dificilmente acatam as decisões das Nações Unidas, um dos exemplos públicos e conhecidos por quase todos foi à sua invasão ao Iraque em 2003 sob o pretexto de que o Iraque tinha armas químicas

(armas de destruição em massa), a ONU e o Conselho de Segurança vetaram tinham proibido os EUA de intervir militarmente no Iraque, mesmo assim o governo americano decidiu agir por conta própria passando por cima das ordens das Nações Unidas, e no final todos aperceberam-se que no Iraque na verdade não tinha armas químicas.

Em geopolítica essas acções acima riferidos acontecem o tempo todo, então foi ou não errado a acção militar americana no Iraque? Não existe isso de certo ou errado em Política, existem apenas os interesses, existe apenas o que convém fazer e o que não convém fazer, em política pouco valem as avaliações ético-morais, não existe amizade, simpatia ou empatia, aqui o que realmente interessa são as avaliações estratégicas, qualquer Estado vive e depende disso: de estratégias e de resultados.

Por detrás de cada acção de um governo existem interesses que o cidadão comum desconhece, ao público o governo dirá simplesmente aquilo que a sua população precisa ouvir e saber, mas o verdadeiro motivo das suas acções nunca virá à público, assim funciona a política, é nos bastidores e na confidencialidade total onde tudo realmente acontece, onde tudo é traçado, programado, decidido e executado.

Toda esta longa abordagem é pra dizer o seguinte: esta recente decisão da Corte Internacional de Justiça em obrigar a Rússia de parar com a guerra na Ucrânia não irá impedir que o Kremlin continue com a sua operação militar, o Kremlin não tem como recuar equanto não forem alcançados os seus objectivos político-militares, nem mesmo o agravamento das sanções econômicas, financeiras, comerciais e o isolamento em grande escala da Rússia fará com que o Presidente Putin volte atrás na sua decisão, somente um possível acordo entre os dois governos pode dar um fim à este conflito.

Toda guerra tem um custo alto, em fase de guerra muitos tornam-se ricos, milionários, multimilionários e bilionários. As indústrias bélicas nas fases de conflito atingem o seu nível máximo de rendimento porque todos querem proteger-se, e a coisa mais importante para o Sistema Internacional é a «Segurança», e na hora em que existe um conflito real os Estados procuram reforçar a sua segurança e a segurança custa caro.

Por outra o factor tempo é essencial numa guerra, quanto mais uma guerra dura mais cara ela se torna, e a «Psicologia militar» é um elemento importante a ser observado num conflito, é fundamental que os generais e os comandantes preparem psicologicamente bem os seus soldados, isso porque se uma guerra durar mais do que o esperado em relação à aquilo que foi programado pelos estrategas militares ou pelo governo em causa, directa ou indirectamente isso pode causar um certo desiquilíbrio nos soldados, pode causar uma espécie de exaustão, impaciência, irritação ou trauma.

 Do outro lado está o factor segundo o qual, se a guerra for entre um Estado razoável em termos militares contra um Estado potente militarmente, aos poucos as coisas podem começar a sair do controle caso a guerra estiver a durar por muito tempo, porque isso obrigaria o Estado mais forte a intensificar os ataques, se empregariam armamentos mais sofisticados e letais de modo a acelerar o fim do conflito.

Na opinião de alguns analistas militares este cenário aos poucos já está acontecendo na Ucrânia, no início da operação a Rússia usou mísseis e armas convencionais normais, depois aumentou um pouco mais a intensidade dos seus ataques usando armas Termobáricas e agora o Kremlin está usando Mísseis hipersônicos, mísseis que até o momento não existem sistemas de defesas capazes de interceptá-los.

Se não se chegar rapidamente à um acordo entre Kiev e o Kremlin este conflito ganhará proporções ainda maiores, proporções sem precedentes, ataques indiscriminados poderão serão realizados e armas ainda mais letais serão usadas.

Os ataques russos com mísseis hipersônicos junto à uma base militar ucraniana que destruíram um depósito de munições e armamentos em Mykolaiv no oeste da Ucrânia, são mísseis oficialmente denominados de «KH47M2 Kinzhal» apelidados de “adaga” em russo, esses mísseis podem chegar à uma velocidade de até 15 mil km por hora, é um míssil que supera 4-5 vezes a velocidade do som e pode atingir com precisão um alvo à uma distância de até 2 mil quilómetros.                               

                A trajectoria desse míssil hipersônico muda constantemente durante o voo por isso é impossível de ser interceptado pelos radares e pelos sistemas de defesa, até o momento não há nenhum sistema antimíssil no Mundo capaz de derrubar o Kinzhal porque é indetectável e pode transportar ogivas nucleares de 500 quilos.

O ataque contra a base ucraniana foi tão rápido que nem houve tempo de se tocar as sirenes de alerta, a velocidade desse míssil é maior que a velocidade do som, é uma arma única no mundo, é uma arma de alta tecnologia, tal igual à uma outra arma hipersônica russa denominada de «Avangard» apelidada de míssil "invencível e invisível". Esses mísseis hipersônicos são capazes de mudar de rumo e de altitude à velocidades muito altas, tornando-os "praticamente invencíveis" num ataque.

O míssil Avangard foi testado com sucesso em Dezembro de 2018, durante o teste a sua velocidade foi 27 vezes superior à velocidade do som, e pode atingir alvos localizados a cerca de 6.000 km de distância, segundo informações avançadas pelo Ministério da Defesa da Rússia. E depois de vários testes realizados o Avangard foi colocado oficialmente em serviço da Defesa russa em Dezembro de 2019.

Citei apenas alguns mísseis hipersônicos do aparato militar russo (existem outros, estou preparando uma matéria sobre o poder bélico das grandes superpotências militares, publicarei em breve). Portanto mesmo se o espaço aéreo ucraniano fosse fechado (pedido várias vezes manifestado pelo Presidente Zelenskiy à OTAN) pouco adiantaria esse fechamento, porque os radares e os sistemas antimísseis da NATO não seriam capazes de interceptar esses mísseis hipersônicos, até o momento são mísseis completamente indetectáveis, sistema nenhum pode pará-lo ou destruí-lo. Isso foi dito por um Alto oficial da NATO e por oficiais do governo Norte Americano.

Rússia e Ucrânia precisam chegar “urgentemente” à um acordo de paz de modo a se pôr um ponto final à esta guerra, é necessário evitar que mais civis e inocentes morram, que mais cidadãos saiam da sua Terra Pátria refugiando-se para lugares distantes.

Apesar que nesta última ronda de negociações (16/3/2022) houve um pequeno avanço significativo de um possível acordo, é preciso que os dois governos façam mais esforços e avanços importantes, quanto mais rápido melhor. Neste encontro as delegações russas apresentaram 15 pontos de proposta de paz ao governo de Kiev, e em base às recentes declarações do Ministro das Relações Exteriores da Turquia Sua Excelência «Mevlut Çavusoglu», declarações essas que foram confirmadas por «Ibrahim Kalin» Porta-Voz do Presidente da Turquia, disseram que: dos 6 principais pontos em discussão já há um acordo entre as parte sobre os primeiros 4 pontos que são:

1 –=Neutralidade da Ucrânia – A não adesão do País à NATO;

2 – O desarmamento da Ucrânia e as garantias mútuas de Segurança;

3 – O processo denominado pela Rússia de "desnazificação" da Ucrânia;

4 – A remoção de obstáculos à utilização generalizada do russo na Ucrânia;

5 – O Estatuto de Donbass;

6 – O Estatuto da Crimeia.

Em base às declarações do Ministro das Relações Exteriores da Turquia e do Porta-Voz do Presidente turco, falta chegar à um acordo nos dois últimos pontos acima riferidos e os demais pontos da proposta de Paz poderão ser resolvidos e alcançados a nível das lideranças dos dois Países (lembrando que a Turquia neste momento é um dos principais Mediador desse conflito entre a Ucrânia e a Rússia).

Vamos aguardar pelas sucessivas dinâmicas das negociações de paz entre os dois governos. O Presidente Zelenskiy ultimamente tem manifestado vontade e interesse em negociar e conversar directamente com o Presidente Vladimir Putin.

É necessário que o Presidente Zelenskiy tenha uma posição filme na sua intenção de negociação com o Kremlin, as suas palavras não devem ter um duplo sentido: dizer que quer negociar e depois fazer discursos nos parlamentos ocidentais pedindo mais ajuda em armas e materiais de guerra, pedindo aos EUA/OTAN/UE que entrem directa ou indirectamente na guerra, isso só tende a agravar ainda mais a situação do conflito e dificultar 4 vezes mais a negociação, porque quando se quer negociar não se deve incentivar ainda mais a guerra, é momento de se fazer um acordo.

Esperemos que haja um desfecho positivo nisso tudo, o Estado de Israel tinha manifestato também a sua disponibilidade em organizar em Telaviv um possível encontro entre o Presidente Zelenskiy e o Presidente Putin (encontro este que por enquanto foi descartado pelo Kremlin esperando que haja primeiro mais avanços nos pontos ainda em discussão entre os dois governos). Talvez o encontro entre os dois líderes faria com que se chegasse definitivamente à um acordo de Paz na Ucrânia.

Estou focado na Diplomacia e nas Políticas de Estado!

As vezes é mais fácil negociar com militares porque são mais pragmáticos!

Eu e a Diplomacia, a Diplomacia e Eu

Elite Intelectual Diplomática

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Mentalidade Militar

Por: Leonardo Quarenta

PhD em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Diplomacia, Mediação e Gestão de Crises

Alta Formação em Conselheiro civil e militar

Alta Formação em Políticas de Segurança

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