Devem ter rejubilado com o precedente do Quénia milhões de africanos que anseiam ver o seu continente liberto de tiranias e Estados-negócio que o recurso à batota, como via para vencer eleições, permitia conservarem-se no poder, ainda por cima arrogando-se do atributo da legitimação eleitoral.
Há cerca de um ano, tinha sido a Gâmbia a ficar ligada a um outro precedente igualmente promissor, quando o Presidente candidato à reeleição não conseguiu resistir à pressão interna e regional para abandonar o poder, pelo simples facto de ter perdido as eleições para o seu adversário.
Os regimes dos países onde as eleições pecam por fraudulentas, não apenas em África mas noutras partes, devem a “proeza” a três vantagens capitais: a) controlo dos órgãos de organização e administração de eleições; b) controlo político dos tribunais em geral, em particular aqueles a que as leis conferem a faculdade de decidir sobre reclamações de natureza eleitoral; c) benevolências e cumplicidades da comunidade internacional quando se trata de mascarar de justos e livres resultados de facto fraudulentos.
O que passou no Quénia foi uma demonstração convincente de que o fenómeno da falta de independência dos tribunais africanos não é um fatalismo contra o qual nada se pode; viu-se que um dia acaba. Os órgãos de gestão eleitoral que haviam validado o resultado das eleições, esses também sofreram um abalo de consequências certas no futuro. Na Gâmbia, o que aconteceu também não terá deixado à vontade governos e organizações internacionais muito atreitas a juízos positivos em relação a eleições manifestamente manipuladas.
No rescaldo da decisão do Supremo Tribunal do Quénia, um facto ganhou também direito a registo. Os dois principais adversários das eleições anuladas, um dos quais o Presidente em fim de mandato, dado como reeleito, conformaram-se urbanamente com o veredicto do Tribunal.
O processo de democratização da África, iniciado no seguimento das mudanças que a ordem política internacional conheceu em resultado da queda do Muro de Berlim e da implosão do mundo soviético, mostrou a porta de saída, por vezes de forma humilhante, a todos os partidos únicos (a realidade era feita deles) que se apresentaram a eleições de facto livres e justas, como foram as desse ciclo inicial.
No fundo, o eleitorado africano, como aconteceria com qualquer outro eleitorado do planeta, aproveitou a liberdade de que finalmente tinha passado a dispor para se livrar de partidos que estava cansado de ver no poder, como cabeça de regimes quase sempre prepotentes e corruptos. E, por via de tais “predicados”, fomentadores de injustiças e desigualdades.
A fraude eleitoral que entretanto começou a fazer o seu aparecimento como maleita segura para poupar de provações e sobressaltos regimes conscientes de que o seu cadastro não lhes permitia ganhar eleições limpas, tirou partido, para se impor, de manigâncias que terão começado a desaparecer na Gâmbia e no Quénia. Não é estranha a essa nova realidade, que tende a alastrar, não a recuar, um elemento comezinho: as sociedade africanas, parte integrante de um mundo globalizado, evoluíram no sentido de uma maior consciência cívica e política.
A falta de transparência eleitoral que persiste em países como Angola, Guiné Equatorial, Zimbabué ou Moçambique estão condenados a prazo. É esse o inapelável sentido da marcha do tempo presente.
A CNE de Angola pôde, ainda, nas últimas eleições, ter uma conduta própria de um órgão politicamente controlado. Os tribunais idem aspas. Mas a capacidade de vigilância, protesto e reivindicação que os partidos da oposição e a sociedade civil revelaram ante as irregularidades das últimas eleições, deve ser vista como prenúncio de que as próximas eleições, se não foram já transparentes, hão-de ser muito menos fraudulentas.
AM