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Sexta, 08 Setembro 2017 17:45

Avanços da sociedade angolana, recuo do controlo das instituições pelo "Estado-negócio"

O Quénia adquiriu o direito de ficar ligado a um memorável precedente na história geral da democratização de África. Foi quando o Supremo Tribunal, instância superior do seu sistema judicial, anulou, por comprovada falta de transparência, um acto eleitoral acabado de ocorrer, que igualmente mandou repetir.

Por Xavier de Figueiredo

Devem ter rejubilado com o precedente do Quénia milhões de africanos que anseiam ver o seu continente liberto de tiranias e Estados-negócio que o recurso à batota, como via para vencer eleições, permitia conservarem-se no poder, ainda por cima arrogando-se do atributo da legitimação eleitoral.

Há cerca de um ano, tinha sido a Gâmbia a ficar ligada a um outro precedente igualmente promissor, quando o Presidente candidato à reeleição não conseguiu resistir à pressão interna e regional para abandonar o poder, pelo simples facto de ter perdido as eleições para o seu adversário.

Os regimes dos países onde as eleições pecam por fraudulentas, não apenas em África mas noutras partes, devem a “proeza” a três vantagens capitais: a) controlo dos órgãos de organização e administração de eleições; b) controlo político dos tribunais em geral, em particular aqueles a que as leis conferem a faculdade de decidir sobre reclamações de natureza eleitoral; c) benevolências e cumplicidades da comunidade internacional quando se trata de mascarar de justos e livres resultados de facto fraudulentos.

O que passou no Quénia foi uma demonstração convincente de que o fenómeno da falta de independência dos tribunais africanos não é um fatalismo contra o qual nada se pode; viu-se que um dia acaba. Os órgãos de gestão eleitoral que haviam validado o resultado das eleições, esses também sofreram um abalo de consequências certas no futuro. Na Gâmbia, o que aconteceu também não terá deixado à vontade governos e organizações internacionais muito atreitas a juízos positivos em relação a eleições manifestamente manipuladas.

No rescaldo da decisão do Supremo Tribunal do Quénia, um facto ganhou também direito a registo. Os dois principais adversários das eleições anuladas, um dos quais o Presidente em fim de mandato, dado como reeleito, conformaram-se urbanamente com o veredicto do Tribunal.

O processo de democratização da África, iniciado no seguimento das mudanças que a ordem política internacional conheceu em resultado da queda do Muro de Berlim e da implosão do mundo soviético, mostrou a porta de saída, por vezes de forma humilhante, a todos os partidos únicos (a realidade era feita deles) que se apresentaram a eleições de facto livres e justas, como foram as desse ciclo inicial.

No fundo, o eleitorado africano, como aconteceria com qualquer outro eleitorado do planeta, aproveitou a liberdade de que finalmente tinha passado a dispor para se livrar de partidos que estava cansado de ver no poder, como cabeça de regimes quase sempre prepotentes e corruptos. E, por via de tais “predicados”, fomentadores de injustiças e desigualdades.

A fraude eleitoral que entretanto começou a fazer o seu aparecimento como maleita segura para poupar de provações e sobressaltos regimes conscientes de que o seu cadastro não lhes permitia ganhar eleições limpas, tirou partido, para se impor, de manigâncias que terão começado a desaparecer na Gâmbia e no Quénia. Não é estranha a essa nova realidade, que tende a alastrar, não a recuar, um elemento comezinho: as sociedade africanas, parte integrante de um mundo globalizado, evoluíram no sentido de uma maior consciência cívica e política.

A falta de transparência eleitoral que persiste em países como Angola, Guiné Equatorial, Zimbabué ou Moçambique estão condenados a prazo. É esse o inapelável sentido da marcha do tempo presente.

A CNE de Angola pôde, ainda, nas últimas eleições, ter uma conduta própria de um órgão politicamente controlado. Os tribunais idem aspas. Mas a capacidade de vigilância, protesto e reivindicação que os partidos da oposição e a sociedade civil revelaram ante as irregularidades das últimas eleições, deve ser vista como prenúncio de que as próximas eleições, se não foram já transparentes, hão-de ser muito menos fraudulentas.

AM

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