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Quinta, 07 Mai 2015 21:30

Fé cristã - um fenómeno social na mira do Governo Angolano

Angola é um Estado laico de fortes raízes cristãs, que assenta a sua linha evangelizadora na Bíblia Sagrada, tendo como objecto central a figura de Jesus Cristo. Ao longo da história como Nação independente, o país conviveu sempre com uma necessidade premente de garantir o pleno exercício de culto, abrindo no começo da década de 90 um prisma jurídico que deu vazão aos anseios dos cristãos.

À semelhança dos sectores económico e político, as igrejas apresentam-se, fundamentalmente, nas últimas décadas no país, como um valioso instrumento de pacificação dos espíritos, unidade nacional e de coesão social.

Com base na mensagem da salvação e do reforço do amor ao próximo, elas contribuem para o desenvolvimento do país e são reconhecidas pela sociedade, apesar das fronteiras jurídicas criadas entre os "representantes" de Deus e as autoridades estatais.

Nesse novo contexto, a Igreja surge como uma instituição colectiva que garante protecção aos lugares e objecto de culto, desde que não atentem contra a Constituição, ordem pública e se conformem à Lei.

Para se conformarem à Lei, os grupos religiosos devem ter respaldo do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, bem como da Cultura, realidade que nem sempre é seguida à risca, por dezenas de agremiações religiosas em Angola, nos últimos anos.

A falta de legalização tem levado o Governo angolano a impedir o exercício da liberdade de culto de grupos não oficializados, como forma de assegurar a sã relação entre as autoridades e a Igreja e impedir actos que possam lesar os interesses do Estado. Foi nesse espírito que as autoridades fizeram aprovar em Março de 2005 a lei que restringe os critérios para o reconhecimento das organizações religiosas.

À luz dessa lei, torna-se determinante o número de fiéis, que deve ser no mínimo 100 mil adultos, residentes no país e distribuídos em, pelo menos, dois terços das províncias.

Esses requisitos foram exigidos para evitar a proliferação de seitas e impedir ritos contrários à integridade e à dignidade da pessoa, assim como à ordem pública e à segurança nacional.

Não obstante a lei autorizar a liberdade de professar a fé, todas as organizações (legalizadas) só podem praticar actividades fora dos locais de culto mediante autorização prévia das autoridades.

Segundo dados oficiais, em 2005 foram proibidos 17 grupos religiosos, por terem celebrado cerimónias religiosas em habitação, sem estar legalizados para esse efeito.

Esse tipo de medidas fundamenta-se no facto de Angola ser um país de matriz profundamente cristã, em que os fiéis devem seguir uma orientação religiosa de obediência, tolerância, amor, perdão e pacificação, centrada em Jesus Cristo.

Todavia, a realidade prática nem sempre é assim. Casos há, em Angola, em que determinados crentes são vítimas das suas lideranças religiosas, que se escudam na  "bandeira" do cristianismo para acumular riqueza, poder e realizar acções anti-cristãs.

Esse uso abusivo da fé dos fiéis, quase sempre centrado numa mensagem evangelizadora de prosperidade material, tem levado à multiplicação de igrejas e de denominações religiosas.

Dados do Ministério da Cultura apontam para a existência de mil e 200 igrejas já identificadas como ilegais no país, até 2015, contra as 880 em 2004.

As razões para esse rápido crescimento ou proliferação de igrejas são várias e nem sempre fáceis de resolver, como reconhece o director nacional de Assuntos Religiosos, Manuel Fernandes, em declarações à Angop. Para esse dirigente, trata-se de "um problema social".

Manuel Fernandes é contra o crescente de movimentos "religiosos" não reconhecidos pelas instituições e que usam a fé para alcançar objectivos puramente materiais, tendo à mistura práticas atentatórias à dignidade da pessoa humana.

Entre as práticas contra a pessoa, chama a atenção para os constantes casos de crianças acusadas de prática de feitiçaria.

"É um problema que nos aflige e cujas razões precisamos estudar e analisar profundamente", disse o director nacional de Assuntos Religiosos.

A gravidade de algumas dessas práticas, que se agudizaram com o aparecimento de seitas, sobretudo no pós-conflito armado, pedem intervenção e soluções imediatas, afirmou.

Entre as causas da intensificação desse movimento no pós-conflito, apontou a abertura das fronteiras, com destaque para a fronteira com a República Democrática do Congo, de onde tem origem a maioria das novas igrejas que se instalaram nos últimos anos no país.

Para pôr fim aos excessos e às violações praticadas sob a capa de igrejas, Manuel Fernandes informou que está em curso uma actuação concertada entre o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos (INAR) e o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

A actuação conjunta visa identificar as pessoas envolvidas nessas práticas e responsabilizá-las criminalmente.

Um aspecto que dificulta a identificação das pessoas envolvidas é o surgimento diário de novos grupos religiosos, agravado pela localização destas em áreas sub-urbanas e muitas vezes fora delas.

Para contrapor essa dificuldade, Joaquim José, funcionário público, defende o reforço da fiscalização, podendo contar com a denúncia dos cidadãos. "Só dessa forma se deverá conter a proliferação de igrejas que vivem à margem da lei”.

Acrescenta que ouviu relatos impressionantes, sobre congregações supostamente religiosas que exercem a actividade de forma coerciva, a ponto de privar os seguidores de liberdades e direitos fundamentais previstos na Constituição.

Alguns movimentos religiosos identificados no país obrigam os fiéis a fazer avultadas contribuições financeiras em troca de promessas de uma vida melhor, denunciou Malequene Afonso, um dos entrevistados sobre o assunto.

As elevadas contribuições em dinheiro, prosseguiu, têm causado instabilidade social e a desintegração de famílias, fundamentalmente as com baixos rendimentos e outras com uma união débil. Em face deste cenário, disse ser urgente combater-se o fenómeno da proliferação de seitas e igrejas ilegais e fiscalizar permanentemente a actividade das instituições religiosas já autorizadas.

Defendeu a tomada de medidas severas das autoridades, em caso de violação das normas legalmente estabelecidas.

António Luquenbo, fiel da Igreja Pentecostal, lamentou a existência de seitas supostamente religiosas que chocam com as "Sagradas Escrituras". Ressaltou que muitas delas têm o foco na angariação de receitas financeiras.

Joana Alfredo, das Testemunhas de Jeová, admitiu ter dificuldades em compreender a existência de igrejas que, apesar de reconhecidas pelo Ministério da Cultura, “atropelam" as leis do país.

Disse ser uma situação que mancha a actuação das Igrejas que contribuem para a transformação de mentalidades e para a reconciliação nacional entre os angolanos.

“É altura de separar o bem do mal e tomar rapidamente medidas para acabar com essa situação, em que igrejas que pautam pelos mandamentos de Deus se misturam com as que atropelam essas regras", concluiu.

O padre católico José João disse que é importante que se faça um trabalho de consciencialização sobre a liberdade religiosa e lamentou o exagero nos discursos de muitas seitas religiosas.

Referiu que alguns desses discursos promovem práticas destruidoras de famílias, quando a mensagem da igreja deve ser de paz, irmandade e unidade.

ANGOP

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