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Quarta, 19 Agosto 2020 20:15

O Mirex: A Inserção de quadros Angolanos nas Organizações Internacionais

O seminário organizado pelo MIREX no passado dia 14 de Agosto, tendo como foco a possibilidade de inserimento de cidadãos nacionais nas demais organizações a nível do Mundo, foi uma iniciativa positiva, teoricamente é fatível, mas concretamente tenho as minhas dúvidas, pelo simples facto de que, o nosso sistema político-diplomática ainda baseia-se em grande escala pelo tráfico de influência, falta de transparência, corrupção e nepotismo.

A intervenção dos prelectores demonstrou que o MIREX não tem um programa concreto de actuação de como esses quadros serão recrutados e catapultados para esses organismos internacionais. Durante a dissertação os embaixadores foram muito genéricos, falavam tudo de forma geral, no específico não chegaram de dizer explicitamente como o governo se moveria para marcar maior presença na arena internacional, através dos nossos recursos humanos qualificados.

Existe aqui uma grande contradição: o mesmo MIREX que diz que é necessário a inserção de mais angolanos nas organizações internacionais, é o mesmo que age como autor principal usando o critério “amiguíssimo”, trocas de favores, familiaríssimo, etc. Não existe ainda seriedade na administração e gestão do Ministério das Relações Exteriores de Angola, e esses encontros, vídeos conferências, convênios e seminários, não passam de mera formalidade, para dar a impressão de que alguma coisa está sendo feita, na prática o ritmo é o mesmo, “muda o que nada muda”, os empregos são sempre por esquemas, por recomendações, por influências, os concursos públicos não contam pra nada muito menos a inteligência do candidato, o que conta é ter alguém que te coloque a trabalhar por lá.

Sua Excelência Senhora Embaixadora Josefa Sacko, ela que é a Comissária da Economia Rural e Agricultura da União Africana, durante a sua intervenção fez referência de que, dá-se a falta de angolanos formados para poderem preencher as demais vagas de Angola na União Africana, o que ela diz em parte é verdade mas não é de tudo verdade, porque já temos muitos cidadãos bem formados, só não têm oportunidades para lá estarem, se tentassem fazer um recrutamento mais aberto e transparente teríamos mais indivíduos capacitados do que vagas disponíveis nas instituições africanas e naquelas internacionais.

O mesmo podemos dizer do Embaixador Sebastião Isata, ele que é o Presidente da Comissão do Direito Internacional da União Africana, foi convidado pra falar sobre as estratégias em volta dessas inserções, ele também mencionou o factor “formação”, mas isso hoje é quase um falso problema, hoje o número de quadros qualificados é elevado, temos angolanos competentes que estudaram tanto dentro como fora do País, caso houvesse maior interesse por parte do MIREX esses quadros estariam a disposição do Ministério, sendo que, é uma obrigação moral todo o cidadão contribuir para o desenvolvimento do seu próprio País, pra não falar de mim mesmo que sou o angolano com mais diplomas universitários: 8 diplomas universitários e 6 cursos de alta formação de diferentes áreas, entre licenciatura, masters, mestrados e dentro de muito pouco tempo (se Deus quiser) defenderei o meu Ph.D em Ciências Sociais na Especialidade do Direito Constitucional e Internacional.

Só pra dizer que todos esses discursos bonitos por parte dos nossos embaixadores e dirigentes do MIREX, de que precisam de mais quadros formados para serem inseridos nas demais organizações internacionais para representarem a Nação são discursos levianos e sem sentidos, porque são eles que preenchem as vagas do Ministério no “calar da noite”, fazem tudo de forma silenciosa oferecendo os lugares disponíveis aos familiares e amigos.

 O Embaixador Isata em vez de falar concretamente das estratégias, sem perceber fugiu um pouco do tema, limitando-se a fazer uma abordagem político-diplomática mais de tipo histórico, só pra corrigir o Embaixador Isata a Sociedade das Nações nasce em 1919 não em 1920, e pra quem é especialista na matéria sabe que a diplomacia como tal (diplomacia propriamente dita) completou este ano 101 anos desde a criação da Sociedade das Nações (1919), na época a diplomacia era mais de tipo militar ou seja era ligada à questões das tensões, mediações, gestão de crises e dos conflitos militares, naquele tempo a diplomacia era secreta não pública (as negociações e acordos bilaterais), hoje a diplomacia tem outras prioridades, tendo maior foco nos direitos humanos, no desenvolvimento econômico, acordos político-jurídicos, relações comerciais, etc.

A iniciativa do MIREX em realizar esta palestra foi e é positiva mas ficar somente na teoria é o erro crasso que a maior parte dos nossos dirigentes cometem o tempo todo, enquanto jurista, politólogo, diplomático, economista e especialista em projectação europeia, esperava que os prelectores se focalizassem mais em argumentos práticos, quase todos limitaram-se em dizer que é preciso formação e conhecimento de línguas, mas em nenhum momento alguém falou do factor “meritocracia”, coisa que falta no MIREX e não só.

Estudar é sempre a coisa mais difícil (motivo pelo qual temos no MIREX muitos diplomatas sem altas formações universitárias), o factor língua mesmo sendo essencial ninguém deveria ser excluído por isso, isto é também da responsabilidade do MIREX, ou seja um académico bem formado mas que não fala essa ou aquela língua o Ministério deve  prepará-lo linguisticamente, deve mandá-lo neste ou naquele País para que este aprenda línguas, em seguida o indivíduo estaria pronto para ocupar funções e responsabilidades em base aos interesses do MIREX e do Estado, porque só falar línguas não significa dizer que a pessoa seja intelectual ou qualificada, podes até falar línguas mas ser analfabeto e não ter diplomas universitários, é o caso de muitos; mesmo dentro do próprio MIREX isso é uma realidade, portanto se deve priorizar os que têm altas formações universitárias e financiá-los na aprendizagem de línguas, ou aprenderão línguas com o tempo caso forem inseridos numa Embaixada ou consulado angolano, esse foi e é o percurso de muitos dos nossos diplomatas. 

Esses tipos de palestras ou seminários deviam ser heterogéneos, deviam convidar também prelectores que incitassem o contraditório no bom sentido da palavra, o que notei é que todos concordavam com todos em tudo, falavam todos a mesma língua e seguiam todos o mesmo organograma lógico, o saber não evolui desse jeito, a ciência é dinâmica tal igual a diplomacia. E o moderador Miguel Domingos Bembe ele que é Ministro Conselheiro (Director Nacional da GEPE-MIREX), não soube gerir com bastante eficácia a palestra, nesse encontro os funcionários do MIREX eram jogadores ao mesmo tempo árbitros, foi um seminário que durou mais de 3 horas, na qual todos estavam aí simplesmente para ouvir, e na hora das perguntas o que na verdade estava mais pra consenso absoluto do que pra perguntas, 99,7% do tempo foram dados aos diplomatas (embaixadores, representantes, ministros conselheiros, conselheiros, primeiros secretários, e assim por diante), infelizmente não me deixaram fazer perguntas, pude perceber que tudo aquilo era programado, com excepção de um e outro, todos que falaram eram completamente funcionários do MIREX.

Como já fiz referência o seminário foi positivo, mas saí daí meio decepcionado, na qualidade de ser um angolano extremamente qualificado em matérias político-diplomáticas eu tinha várias perguntas por fazer, por exemplo, do ponto de vista pontual: quais os mecanismos e estratégias concretas que serão implementadas para a inserção desses quadros angolanos nas Organizações Internacionais? A palavra-chave aqui é «estratégias concretas», falou-se de estratégias mas ninguém falou de estratégias concretas, argumentaram tudo de forma mais teórica do que prática, concluí que não existe ainda um verdadeiro plano de acção para a realização desse projecto, é a aqui onde está o problema, não basta dizer que é preciso que todos se formem quando você como governo ou gestor não dá meios e instrumentos adequados de modo que todos estudem e se formem devidamente.

Sinceramente eu esperava que o Ministro Téte António fosse mais incisivo e explícito quanto as estratégias que seriam usadas para a realização desse tal projecto. Que mecanismos seriam usados para a selecção dos potenciais candidatos angolanos à essas organizações? Que tipo de Comissão teria a responsabilidade de avaliar os quadros nacionais, visto que há sempre muito nepotismo na hora de preencher certas vagas a favor do Estado? Como seríamos bem representados nas demais organizações internacionais com essa prática de trocas de favores e corrupção? O critério de avaliação dos candidatos seria igual pra todos? Por exemplo um Licenciado seria avaliado tal igual há um que tem Mestrado? E um Ph.D. em Diplomacia ou em matérias similares como seria avaliado? Quem iria avaliar um Ph.D.?

Eu já nem queria mais escrever artigos sobre o MIREX (esse é o meu 19° artigo sobre o MIREX), mas sou obrigado a continuar a escrever porque não me deixaram fazer perguntas durante a palestra. Aquela palestra seria também a ocasião para pedir directamente ao Senhor Ministro esclarecimentos sobre a Carta aberta que lhe tinha escrito no passado dia 3 de Agosto, até aqui o Senhor Ministro não respondeu as questões contidas na Carta, isso demonstra não simplesmente falta de ética político-diplomática por parte do Senhor Ministro, mas é também é sinônimo de falta de comprometimento para com os cidadãos, que têm o direito de questionar, o direito de serem respondidos e o dever de fiscalizar os seus dirigentes. Caso obtesse as respostas que procuro durante a palestra nunca mais escreveria sobre o MIREX, eu estaria em Paz com o MIREX e o MIREX estaria em paz comigo.

O Decreto Presidencial n.° 209/11, de 3 de Agosto de 2011, publicado no diário da República n.° 147, I Serie, segundo o qual o artigo 33 deste decreto faz referência as reformas (Jubilação) dos diplomatas com idade limite de 60 anos, mas temos vários funcionários diplomáticos a cima dos 70 anos, outros estão nos 80 anos, mesmo assim continuam aí ocupando espaços dos mais jovens nas embaixadas, nos consulados e nas outras organizações internacionais, esta seria mais uma das minhas perguntas dirigidas ao Ministro Téte António que na sequência da sua tomada de posse como Ministro no dia 9 de Abril de 2020, prometeu uma série de reformas mas tudo não passou de teorias, 4 meses se passaram e até aqui nenhuma mudança significativa foi feita.

O  Secretário Geral do MIREX continua sendo Agostinho de Carvalho dos Santos Van-Dúnem “Gugu”, que continua acumulando as funções de Responsável das Finanças e Chefe dos Recursos Humanos, é tudo muita incompetência, falta de seriedade, falta de programa e de projecto de mandato, num País sério isso nunca aconteceria, e sobre a Inspecção da IGAE ao MIREX já ninguém tem tocado mais no assunto, foi tudo pior que  uma autêntica encenação teatral. 

Participo o tempo todo em convênios e conferências e em todos esses encontros notei um elemento em comum: o elemento “contraditório”, ou seja confronto de ideias e de opiniões, mas nessa palestra organizada pelo MIREX não vi isso, todos tinham uma posição única comum, isso não tem nada a ver com diplomacia, nem com o politicamente correcto, muito menos com o saber, desse jeito a nossa diplomacia não vai ao lado nenhum.

O “conformismo cego” é sinônimo de ignorância e de incompetência, já fiz parte de várias conferências de natureza completamente diplomática, já fui moderador de debates entre os embaixadores da União Europeia e membros do Vaticano durante o convênio internacional entre a Santa Sé e a União Europeia em Roma, pude notar o quanto é fundamental haver posições diferentes, isso ajuda muito no crescimento de um País, de um Continente, de uma organização regional e internacional.

É diplomaticamente incorrecto o MIREX convidar nos seus seminários e palestras simplesmente pessoas do mesmo círculo de convivência e de trabalho, é fundamental que se agregue também nesses encontros pessoas fora dos ambientes do MIREX, pessoas formadas e que entendam de diplomacia, e é muito triste um angolano estar sempre entre os ocidentais e ser valorizado mas o teu próprio governo não te valorizam e nem fazem nada por ti, e se um dia ficas famoso ou conhecido internacionalmente vão todos querer aparecer e dizer que esse indivíduo é nosso cidadão. Tal igual a minha pessoa, existem por aí muitos angolanos que estão se formando com muito sacrifício, dando no duro dia e noite sem nenhuma ajuda das instituições angolanas que nada fazem e nunca fizeram pelo seu próprio povo e comunidades.

 Portanto, apesar do formato da palestra que na minha opinião deixou muito a desejar, a iniciativa foi positiva, só peço ao Senhor Embaixador Sebastião Isata pela próxima que entre directamente no contexto do argumento em causa, e desde já gostaria de convidá-lo a fazer comigo um debate ou um LIVE sobre qualquer tema ligado ao Direito Internacional ou à Diplomacia, seria bom termos um encontro de titãs, para aliciarmos com ideias positivas e intelectuais as mentes dos amantes da diplomacia e do Direito Internacional. 

O MIREX é “muda o que nada muda”.

«Eu e a Diplomacia a Diplomacia e Eu».

Por Leonardo Quarenta

Doutorando em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia

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