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Segunda, 27 Janeiro 2014 17:23

A vez de uma Comissão da Verdade em Angola

O Agora ouviu vários actores políticos sobre a necessidade ou não da criação de um órgão para resolver os assuntos pendentes da confrontação armada entre o MPLA e a UNITA. Uns são a favor, enquanto outros discordam, justificando que isso voltaria a mergulhar o país no caos.

O assunto é sério e pela sua complexidade promete ainda "deixar passar muita água debaixo da ponte". Aliás, Angola esteve em guerra durante cerca de três décadas, deixando um cortejo de mortos, viúvas, órfãos e estropiados. O conflito armado que opôs o Governo às Forças Militares da UNITA provocou também a destruição do património do cidadão e de infra-estruturas públicas, havendo mesmo quem estima que, com o troar dos canhões, o nosso país recuou perto de meio século no processo de desenvolvimento.

Em 2002, calaram-se as armas e foi rubricado o Memorando de Entendimento do Lucena pelas partes rivais, levando a integração dos militares do "Galo Negro" nas Forças Armadas Angolanas (FAA).

Contudo, haverá ainda muitos pendentes que devem ser esclarecidos para acalentar os ânimos, enterrar de vez o machado do ódio e caminharmos nos trilhos da verdadeira reconciliação nacional.

Na prática, não haverá em Angola quem levante o dedo para dizer que não perdeu um ente querido na sequência do longo período de confrontação armada. É por isso que algumas correntes questionam, lembrando Jonas Savimbi: "Como fica o nosso passivo, depois do fim da guerra?".

Não perdendo de vista esse posicionamento do finado líder do maior partido na oposição, a UNITA, por cá intelectuais aos mais diferentes níveis, incluindo do MPLA, no poder há mais de 30 anos, tem manifestado a necessidade de criação de um órgão, para o esclarecimento de todos os casos resultantes da guerra sem revanchismo. Esse órgão seria a reedição da comissão da verdade e reconciliação nacional criada na África do Sul para dirimir a exclusão étnica provocada pelo regime de segregação racial, o apartheid.

As vozes ouvidas pelo Agora lembraram os massacres cometidos tanto pelas forças governamentais, assim como pelos guerrilheiros da UNITA, um verdadeiro genocídio que, na opinião do jurista e analista de política internacional, Manuel Paulo (nome fictício), deve ser levado ao conhecimento público e evitar que as gerações vindouras não incorram nos mesmos erros do passado.

O DEBATE.

Sobre esta questão da criação da comissão da verdade, o deputado Raul Danda sugeriu a necessidade de levar a debate, de forma a fortalecer a reconciliação entre os angolanos, a questão das "Causas, Origens e Consequências da Guerra em Angola", permitindo que a verdade se saiba sobre essa matéria.

"Em Angola, não deve haver assuntos de que se faça um tabu, nem mesmo o da guerra. Ela teve lugar entre angolanos desde muito antes da independência do país, a 11 de Novembro de 1975. Faz parte da nossa história, e os factos têm de ser narrados tal como aconteceram. Abordemos, pois, o assunto com frontalidade e verdade", defendeu o também líder da bancada parlamentar da UNITA.

Questionado a propósito, o professor universitário Pedro Cangombe foi peremptório: "Sim, Angola precisa de uma comissão da verdade, porque muitas das suas histórias estão por ser contadas. As que foram contadas foram-nas feitas por pessoas suspeitas e em muito, mal contadas, com invenções e acréscimos mentirosos, produzindo falsas testemunhas".

Por sua vez, o jurista Marcos Chitanga entende que Angola precisa de uma comissão da verdade, por ser um imperativo para a nossa reconciliação.

"Todos os dias fazemos mais para nos afastarmos da nossa aproximação. Angola é um barril de pólvora, está cheio há muito tempo e nós estamos a acalcar", disse, avançando para a necessidade de "apagarmos as chamas do nosso passado".

Lembrando que devíamos acatar os conselhos do comandante Pedro Pires, quando, em 1974, aconselhou Agostinho Neto a encontrar um espaço para as raças (o mesmo dizer tribos). Chitanga indicou que o que se faz hoje é o mesmo que excluir.

"A acumulação primitiva de capital tem de ser feita incluindo todas as raças. A protecção tem sido feita a uma minoria, tornando-a cada vez mais rica, em detrimento da minoria, não ajuda muito a plena reconciliação.

NÃO À ABERTURA DE FERIDAS DA GUERRA.

Um influente político do MPLA abordado ontem sobre a questão disse ao Agora que avançar para uma comissão da verdade seria o mesmo que destapar, desnecessariamente, as feridas da guerra. Para ele, a criação de um órgão desta dimensão tinha de ser bem ponderada para evitar o julgamento dos culpados nos tribunais. Em contrapartida, o assunto já tinha sido levantado em 2002 pelo presidente da Comissão de Gestão da UNITA, Paulo Lukamba Gato. Na mesma ocasião, Kwata Kanawa, então secretário do MPLA para Informação, retorquiu, argumentando que não valia apena enveredar por esta via. Foi também nesta altura que surgiu o slogan "perdoar sim, mas esquecer não" , tendo os órgãos de comunicação social sido intimados a evitar a abordagem de conteúdos que evocassem a guerra.

Agora

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