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Terça, 15 Janeiro 2019 12:36

Empresa chinesa expropria terras de camponeses no Huambo

As comunidades das aldeias do Sachitemo, Capunda e Pungua, no município da Tchicala Tcholoanga, na província do Huambo, aguardam, há mais de um ano, por uma decisão judicial sobre o processo que moveram contra a empresa chinesa Jiangzhou Agriculture, Lda. por expropriação das suas terras comunitárias.

Durante este período, as comunidades locais, parte da comuna do Sambo, têm-se debatido com graves problemas de fome, por lhes terem sido retiradas as terras onde praticavam a agricultura familiar, a sua fonte de rendimento e subsistência. A acção de restituição de posse, movida pelas referidas comunidades, sob processo sumário n.º 187/17 – C, encontra-se encalhada no Tribunal Provincial do Huambo, que até à data não convocou qualquer audiência.

A Jiangzhou Agriculture, Lda. é formada pela empresa chinesa Jiangsu Jiangzhou Co. Lda., dedicada ao desenvolvimento de tecnologia agrícola, e pela empresa de direito angolano Dajiang Construction Co. Lda., pertencente à cidadã chinesa Lingzhi Li, residente em Angola. Trata-se de um investimento aprovado sob regime contratual, através do despacho presidencial n.º 173/17, de 10 de Julho de 2017, avaliado no montante de 12 milhões de dólares. Tem um prazo de implementação previsto de dez anos e ocupa uma extensão de sete mil hectares.

No entanto, apesar de o projecto ter sido aprovado apenas em 2017, a Jiangzhou iniciou as suas actividades um ano antes, em Julho de 2016. A 4.ª cláusula do contrato de investimento apresenta os seguintes objectivos económicos e sociais: incentivar o crescimento da economia; promover o bem-estar económico das populações; promover as regiões mais desfavorecidas, sobretudo no interior do país; propiciar o abastecimento eficaz do mercado interno.

Contrariamente aos objectivos definidos no contrato, a Jiangzhou Agriculture, Lda., não tem cumprido sequer com a sua responsabilidade social em relação à comunidade do Sachitemo.

Logo no início do esbulho de terras, para dirimir os conflitos, a empresa chinesa comprometeu-se a construir uma escola e um posto de saúde na aldeia do Sachitemo, como forma de mitigar o conflito de terras.

O velho posto de saúde e a velha escola da aldeia do Sachitemo, nunca substituídos pelas prometidas novas instalações

O regedor Teodoro, da comunidade de Sachitemo, culpa a administração local pela forma como as comunidades foram, na sua perspectiva, enganadas pelo projecto chinês: “O Kata [actual administrador do município da Tchicala-Tcholoanga], no princípio, foi quem sensibilizou o povo com muitas mentiras; mas como somos povo “simples”, onde podemos nos queixar se o governo nos faz essas coisas, onde mais iremos? Estamos como um chip bloqueado, estamos parados.”

Já o soba Malengue, da mesma comunidade, aponta também vários membros da comunidade local como culpados pela situação: “Ouvi dizer que alguns recebiam dinheiro, uns dez mil kwanzas (o equivalente a 30 dólares), e as pessoas abandonavam as suas lavras e tinham de procurar onde trabalhar. Nós, isso de nos dar dinheiro, não queremos, queremos que nos façam um hospital e uma escola, mas desde o início [do projecto em 2016] até hoje nada está a aparecer.”

À época do trabalho de pesquisa, os funcionários chineses recusavam-se a falar, “por falta de tradutor”, alegadamente de férias nesse período.

Exploração

Para além do esbulho de terras e do agravamento das condições de vida das comunidades locais, a empresa chinesa é acusada pelos trabalhadores angolanos de exploração criminal da sua mão-de-obra.

Por 12 horas de trabalho diário, de domingo a domingo, os trabalhadores auferem um salário de 21 mil kwanzas mensais (o equivalente a pouco mais de 50 dólares), e apresentam elevadas despesas com a alimentação, um problema decorrente da permanência no local de trabalho e do exercício das actividades, segundo informou um dos trabalhadores entrevistados:

“Trabalhar aqui tem sido mais ou menos, porque, conforme trabalhamos, a comida trouxemos de nossas casas. Se descontarmos a comida estamos a ganhar 400 AKZ/dia [o equivalente a 1,30 dólares], e uma das nossas principais dificuldades é a comida.”

A agricultura é fundamental para o desenvolvimento “sustentável” em Angola. Por sua vez, a agricultura de subsistência deve merecer particular atenção por parte das autoridades, pelo seu impacto imediato na vida das populações, principalmente das comunidades rurais. Para o efeito, tem de haver mais respeito dos órgãos decisores por essas comunidades, e esses órgãos devem ainda prover a sua protecção, que será mais facilmente alcançada pela via do diálogo com as comunidades rurais. É também necessário haver vontade política para se instruírem os membros das instituições governamentais, por exemplo, institutos do Ministério da Agricultura e técnicos das administrações dos governos provinciais e centrais, para que fiscalizem convenientemente as actividades de empresas como a Jiangzhou Agriculture, Lda. Devem ser fiscalizadas as suas técnicas de produção e, sobretudo, o cumprimento das responsabilidades sociais que estas se propõem implementar quando negoceiam os contratos de investimento. Enquanto isto não acontecer, situações como esta continuarão a ocorrer impunemente.

*Este texto é um excerto adaptado da monografia “Presença chinesa na costa africana ocidental: análise exploratória sobre a actuação da empresa Jiangzhou em Angola e seus reflexos”, apresentada ao Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil, pela estudante angolana do curso de Ciências Econômicas.

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