O momento era de festa desportiva, mas naquele instante a política parece ter entrado em campo, poucas semanas após tumultos contra o aumento do custo de vida em Angola, que resultaram em 30 mortes.
No Pavilhão Multiusos do Kilamba, em Luanda, soaram apupos quando o Presidente da República, João Lourenço, foi convidado a entregar a taça à equipa angolana, a campeã do AfroBasket2025.
Para Cláudio Fortuna, investigador da Universidade Católica de Angola (UCAN), a cena evidencia claramente o "momento de aperto que o país vive".
"João Lourenço, enquanto titular do poder executivo é, em última instância, o responsável pela 'dor de um parto coletivo' que tem estado a afetar a grande maioria dos angolanos", comenta Fortuna em declarações à DW.
Aquele desafo coletivo foi "uma mensagem muito clara dirigida ao Presidente da República de que as pessoas estão, de alguma forma, saturadas", acrescenta o analista político.
"É um gesto normal"
Não é a primeira vez que essa "saturação" transborda para o desporto.
Ainda na semana passada, organizações angolanas de defesa dos direitos humanos solicitaram à Federação Argentina de Futebol para cancelar o jogo amigável com Angola, previsto para novembro, por envolver "gastos milionários" que chocam com a "dolorosa realidade vivida por milhões de angolanos".
A final do AfroBasket2025, disputada no domingo, teve lugar exatamente três anos depois das últimas eleições gerais, numa altura em que a taxa de desemprego ronda os 32%, segundo os dados oficiais mais recentes, e os preços dos alimentos e dos transportes continuam a subir.
Segundo o cientista político angolano Eurico Gonçalves, "é normal e natural que alguns apresentassem [no campeonato de basquete] um comportamento e atitudes contrários à política [governamental] que objetiva a coesão social".
Ano de celebração
Em comunicado, o Presidente da República não se pronunciou sobre os apupos, limitou-se a saudar a vitória da seleção angolana, que conquistou o 12º título continental.
Para João Lourenço, "ficou patente a força do desporto na projeção da imagem" do país. O chefe de Estado afirmou ainda esperar que a vitória de Angola frente ao Mali, por 70-43, "influencie a vida económica e social".
O que terá querido dizer João Lourenço com estas palavras?
"Em comunicação política, o Presidente da República utilizou os apelos moral, racional e emocional para, mais uma vez, encorajar o povo angolano, salientando que, só com determinação, disciplina e trabalho árduo, os angolanos alcançarão o progresso social e económico", explica Eurico Gonçalves.
Além deste torneio, Angola realizou e também ganhou as edições do Afrobasket de 1989, 1999 e 2007.
A vitória frente ao Mali é um orgulho para o país, num ano em que Angola celebra 50 anos de independência, disse Rui Falcão, o ministro angolano da Juventude e Desportos.
"É uma aposta que nós fizemos, celebrar com dignidade os 50 anos. Realizar torneios internacionais de alto nível e vencê-los", afirmou o governante.