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Domingo, 06 Junho 2021 14:07

Combater a corrupção em Angola “não é apenas uma questão de boa vontade”

Quando tomou posse em 2017, sucedendo a José Eduardo dos Santos, João Lourenço fez do combate à corrupção a principal bandeira do seu mandato. 

Quase quatro anos depois, apesar de ter visado figuras próximas do seu antecessor (nomeadamente os filhos de José Eduardo dos Santos), o Presidente angolano tem demonstrado maior resistência em tomar medidas contra figuras importantes do MPLA ou mais próximas de si, o que tem levado a oposição a falar em dualidade de critérios e em dois pesos e duas medidas no combate à corrupção.

No que pode ser encarado como uma tentativa de responder às críticas dos últimos dias, na terça-feira, na tomada de posse de Francisco Pereira Furtado, que substituiu Pedro Sebastião enquanto chefe da Casa de Segurança do Presidente, Lourenço apelou ao fim dos oficiais “fantasmas” (um esquema de pagamentos fraudulento) no seio das forças de segurança angolanas e pediu ao BNA e à Unidade de Informação Financeira para aumentarem o controlo das operações bancárias, de forma a evitar que casos como os que estão a ser investigados na “Operação Caranguejo” se repitam.

“[João Lourenço] pode ter boa vontade, mas o problema da corrupção em Angola não é uma apenas uma questão de boa vontade, mas sim de fazer reformas que façam com que as instituições renasçam. E essas reformas nunca foram feitas”, lamenta o economista Precioso Domingos.

“Se [João Lourenço] tivesse de mexer entre as pessoas que estiveram metidas em casos de corrupção, isso abalaria o regime. De vez em quando, há algumas pessoas que são sacrificadas e apresentadas como exemplo de luta contra a corrupção”

O sociólogo Paulo Inglês, por seu turno, acrescenta que Lourenço, desde que chegou ao poder, apercebeu-se de que a corrupção em Angola “não se trata de um desvio”, mas sim de “algo entranhado na própria estrutura do Estado”, o que levou o Presidente angolano a optar por uma “operação de charme”.

“Se [João Lourenço] tivesse de mexer entre as pessoas que estiveram metidas em casos de corrupção, isso abalaria o regime. A minha interpretação é que, de vez em quando, há algumas pessoas que são sacrificadas e apresentadas como exemplo de luta contra a corrupção”, sublinha o sociólogo angolano, notando que “as figuras que estão presas ou foram apanhadas são figuras de segunda linha”, dando como exemplos de pessoas em liberdade, apesar de envolvidas em escândalos de corrupção, Manuel Vicente, Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, mais conhecidos, respetivamente, como os generais “Kopelipa” e “Dino”.

Ao contrário do que aconteceu quando houve acusações de corrupção contra o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, ou contra o chefe de gabinete de Presidente angolano, Edeltrudes Costa, desta vez João Lourenço exonerou uma figura de topo muito próxima de si, embora sem afirmar claramente que essa decisão está relacionada com o escândalo de desvio de dinheiro do erário público atribuído a Pedro Lussaty.

A oposição e a sociedade civil angolana exigem que sejam revelados outros nomes relacionados com a “Operação Caranguejo”, nomeadamente se Pedro Sebastião está ou não envolvido. Além disso, a detenção do major Pedro Lussaty está a ser vista como um exemplo de uma figura de segunda linha detida no âmbito do combate à corrupção prometido por João Lourenço.

“Há alguma coisa nesse combate cerrado à corrupção que não está a correr como devia, mas também devemos reconhecer que existe uma vontade política”, afirma ao Observador João Malavindele, diretor da organização não-governamental angolana Omunga, acrescentando que “não se muda um regime que está no poder há mais de 40 anos de um dia para o outro”.

"É essa corrupção que hoje faz com que não tenhamos medicamentos nos hospitais, que as crianças continuem fora do sistema de ensino e que vivam mal-nutridas, o que tem provocado mortes sem fim"

Malavindele fala da “Operação Caranguejo” como um exemplo de que, em Angola, não existem “instituições fortes” e que “há muita coisa a melhorar dentro da estratégia e da política de combate à corrupção”, não hesitando em acusar João Lourenço de estar a protagonizar “mudanças cosméticas”.

“Estamos a falar de uma questão que se tornou num cancro para a nossa sociedade. É essa corrupção que hoje faz com que não tenhamos medicamentos nos hospitais, que as crianças continuem fora do sistema de ensino e que vivam mal-nutridas, o que tem provocado mortes sem fim. São situações que têm inviabilizado aquilo que deveria ser o crescimento e desenvolvimento de Angola. Tudo por causa do cancro da corrupção”, lamenta o diretor da Omunga. Observador

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