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Quarta, 30 Outubro 2019 01:23

As queixas amplificaram nas redes sociais por parte de quem praticou actos lesivos contra a economia angolana

Não têm sido nada fáceis estes dois anos de mandato de João Lourenço ao leme da nação e as comparações com a gestão do pós-guerra de José Eduardo dos Santos são inevitáveis, dentro de um primado que a memória em política é muito curta.

A Angola real surge hoje com acrescida liberdade de expressão, amplas liberdades e uma vida democrática nova e, por isso, as dificuldades que os cidadãos e as famílias conhecem no dia-a-dia são amplificadas e passam a fazer parte de um quotidiano de maior distensão.

Do ponto de vista das liberdades e garantias, estes dois anos foram o soltar da tampa que durante muito tempo silenciou a voz dos cidadãos, reprimindo-a mesmo. Não basta permitir manifestações e liberdade de expressão para que os cidadãos possam consciencializar-se que se está perante um novo quadro, reformista, diria imposto pela própria situação em que o país se encontrava. E que o próprio MPLA encarou de frente, procurando corrigir o que se via andar mal, para que Angola fosse um País de oportunidades iguais para os seus filhos e aqueles que, com eles, querem abraçar os caminhos do desenvolvimento e da prosperidade.

O Presidente eleito só tinha duas opções: ou seguir a cartilha de reformas que o seu partido concebeu e foi sufragada vitoriosamente nas urnas, ou entrar no esquema das promessas vazias para conquistar votos e manter tudo como estava antes.

Esta poderia ser a via mais fácil, mas era, também, inexequível, pois os cofres estavam depauperados e a realidade económica refém de uma realidade terrível no quotidiano do País. Foi a necessidade de nos confrontarmos com a situação real em contraponto com o mascarar contas e simular projectos de desenvolvimento inadequados e completamente desfasados das nossas escassas reservas.

Os empréstimos obscenos que o País contraiu de forma algo leviana, para o desenvolvimento social e produtivo foram esbanjados e as receitas dos nossos produtos de referência, como o petróleo e os diamantes, por exemplo, acabaram por ficar hipotecados por muitos anos, condicionando o futuro de Angola.

A saída foi entrar num programa de reformas, aprovado pelo partido vencedor das eleições, mas a realidade confrontou-se com uma distância enorme entre o que foi delineado e a sua aplicação prática.

Trata-se de um programa reformista simultaneamente de autocrítica e de “lamber feridas”, mas, também, de esperança. Em rompimento com um passado recente que tornou o país dependente de uma elite predadora, antipatriótica, cujos contornos ainda hoje estão longe de ser conhecidos na totalidade, mas cujos principais sinais nos levam ao estado “a que isto chegou”.

As redes sociais amplificaram queixas por parte de quem praticou actos lesivos contra a economia de Angola, mas isso não consegue desresponsabilizar, em circunstância alguma, de quem foi a culpa, a coberto de todos os que estavam no topo da hierarquia do aparelho de Estado. A farra era generalizada, a impunidade era institucional. Por muito que se defenda uma justiça não selectiva, houve (há) quem se acaparou desalmadamente do erário e que tem, sem temores de qualquer espécie, de responder perante a justiça, tal a gula e a ganância com que se apropriaram dos bens que supostamente eram de todos. Haverá muitos outros que se aproveitaram, igualmente, da situação, mas ou aderiram às novas regras ou tem-se predisposto a investir no país, fomentando o emprego nacional. Um arrependimento individual e colectivo, depois de muitas tropelias, mas que pode, e deve, ser levado em conta, contrastando com a soberba e o desafio que outros têm levado a cabo, como se o país se tivesse iniciado em 26 de Setembro de 2017.

A vida está dura? Está mais difícil nestes dois anos do que antes? Apesar de não ser difícil responder a isso com um talvez, há, pelo menos, uma esperança para que os tempos sejam melhores. A saúde está pior agora do que estava? É evidente que está muito longe da perfeição, mas já se notam melhorias, ainda que pequenas face à dimensão dos problemas. Urge, por exemplo, dar condições a médicos que estão desempregados, o que não deixa de ser paradoxal num País onde há uma falta gritante de técnicos de saúde. A educação está no mesmo patamar? Ainda está distante, mas há indícios de que há melhorias. Milhares de professores, educadores e auxiliares foram admitidos e há professores a ensinarem em condições péssimas. Tudo a seu tempo. Mas seria injusto dizer que estes dois sectores sociais, que a todos tocam, estejam hoje pior que ontem.

A economia vai marcando passo. Internamente, constata-se que o buraco era bem mais fundo que do que qualquer mente mais brilhante podia imaginar, tal o grau de intoxicação e de camuflagem da realidade que se conhecia.

A conjuntura externa também não tem favorecido e quando se pensava que hoje, dois anos depois, o braço privado já estivesse com músculo para assumir o seu papel na economia e no desenvolvimento, vemos o cortejo de lamúrias de quem beneficiou anos e anos dos milhentos dos programas de apoio com juros ultra bonificados, com créditos que nunca reembolsou e os únicos resultados conhecidos estão nas mansões e opulências espalhadas por Luanda Sul, algumas províncias angolanas, África do Sul, Namíbia, Portugal, Brasil, Miami, Dubai e outras paragens. Foi para aí que foram desviados os dinheiros dos tractores, dos fertilizantes, das máquinas e tudo o resto, que se julgava erguer e que fracassou na ambição desses mesmos que hoje choram por mais e novos apoios, por apertos da AGT, e da falta de divisas que gastaram em orgias nas quintas e fazendas que era suposto produzirem os alimentos que nos manteriam firmes para encarar outros desafios do desenvolvimento, mas que, na realidade, se transformaram em feiras de vaidades.

A economia real, a que conta, com ou sem petróleo, a que diz respeito ao bolso das pessoas e das famílias, essa precisa de mais atenção. É a que está a dar mais dores de cabeça, porque é a que mexe com as pessoas, com a nossa capacidade de poder satisfazer as nossas necessidades e que, por imperativo da realidade, são cada vez mais baixas.

E aí temos um desemprego urbano galopante. Em parte, também, porque as políticas têm potenciado as assimetrias regionais em vez de as eliminar. Qualquer luz que se acenda em Luanda é um chamariz para centenas de pessoas abandonarem o campo e vegetarem nas cidades, onde os preços dos artigos e produtos conhecem uma especulação desenfreada por parte de comerciantes desonestos, que antes se queixavam da falta de acesso às divisas, hoje desculpam-se com a variação cambial. Uma boa fiscalização e inspecção, com legislação mais incisiva contra a fraude, não tornaria ninguém menos democrático por fazer cumprir a lei, que terá sempre que servir o colectivo, levando à cadeia especuladores e açambarcadores e valorizando as pessoas sérias.

É comum dizer-se que “em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”, mas para inverter esse ditado são precisos recursos que o país não possui, sobretudo financeiros, que têm sido arregimentados graças à diplomacia económica que visa tirar Angola do isolamento em que se encontrava, e buscar parceiros que possam ajudar-nos a efectivar a diversificação económica, fazer obras duráveis e sem os pornográficos números dos custos. Acabarem-se os negócios obscuros que levam à contratação de projectos, serviços, obras e equipamento que ou não são executados ou são premeditadamente mal elaborados. O caso recente das ambulâncias é bem um dos muitos exemplos recorrentes no País (Há gente que assinou, há responsáveis, só tem mesmo que os julgar e condenar de forma exemplar).

Dois anos é quase metade de um mandato que, está visto, não vai resolver todos os problemas de Angola, mas que será um marco para que possa caminhar sob alicerces seguros para a normalidade e abandonar, definitivamente, o país da ilusão em que se transformou nos últimos anos.

Por Víctor Silva / JA

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