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Terça, 13 Março 2018 09:09

General Agostinho Neto, a gratidão do oprimido e a falsa reconciliação nacional

Angola, um Estado fundado a 11 de Novembro de 1975, é exemplo acabado de país governado sem projecto.

À medida que as décadas têm passado, tem ficado cada vez mais evidente que a gestão de Angola pelo MPLA tem sido um processo de violência sem projecto. A Independência foi convertida numa gigantesca arquitectura penitenciária sobre as vidas e sobre as liberdades dos Angolanos.

Por Nuno Álvaro Dala

É o paradoxo dos libertadores: aqueles que um dia – movidos pelos nobres ideais da liberdade, da independência e do bem-estar social – lutaram política e militarmente para a libertação de Angola e, porém, uma vez tendo alcançado o poder, se converteram em opressores. Ontem libertador, hoje opressor.

A elevação de António Agostinho Neto à patente de general do exército, mais do que configurar uma adicional evidência acabada ao facto de que Angola é governada para satisfazer interesses do pequeno grupo que mantém o País refém da sua agenda, demonstra que o regime apenas mudou de rosto.

Por outro lado, revela a falta de respeito à memória das milhares de vítimas da chacina de 27 de Maio de 1977, de que Agostinho Neto foi o grande responsável.

Mergulhado na sua própria arrogância doentia de suposto “guia imortal da revolução angolana” e no seu autoritarismo traduzido em impor a sua vontade a todos, Agostinho Neto promoveu através da sua máquina de chacinas uma governação do terror. Em 1980 (ele já estava morto e, mesmo assim) ainda havia Angolanos presos em estabelecimentos prisionais e campos de concentração como o da Calunda (Moxico). Estes sobreviveram, ao contrário de dezenas de milhar que foram chacinados, de outros que morreram à fome e, no caso das mulheres, estupradas com requintes nazis de crueldade, cujos corpos o Estado, até hoje, não revela o seu paradeiro.

Num país cujos cidadãos sofrem as consequências de serem (des)governados por delinquentes, onde a pobreza e a miséria abundam cada vez mais, vivendo em bairros feitos esgotos a céu aberto, causa uma visceral revolta que, para satisfazer a vontade de algumas pessoas, uma figura que tanto contribuiu para a tragédia angolana tenha sido promovida a general do exército, como se tal facto fosse assunto de urgência nacional.

Entretanto, não deixa de ser notável esta espécie de celebração que muitos cidadãos fazem do facto, numa demonstração clara de manifestação da eterna gratidão do oprimido. Sendo verdade que há cidadãos revoltados com tal facto, por um lado, também o é que muitos e muitos cidadãos quase que celebram o patenteamento a título póstumo de Agostinho Neto. Será que não têm memória?

“Fundador da Nação”, “Guia Imortal da Revolução Angolana”, “Poeta Maior” e muitas outras atribuições de requintes quixotescos se revelaram insuficientes para glorificar uma figura odiada por tantas famílias cujos entes queridos foram chacinados depois que Agostinho Neto esbravejou “não perderemos tempo com julgamentos”?

Um dos maiores desafios de Angola passa pela reconciliação nacional.

Patentear a título póstumo o grande responsável pela tragédia angolana dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977 é promover a reconciliação?

Que tipo de governo é este que sistematicamente glorifica os algozes em detrimento das vítimas?

Angola precisa de reencontrar-se. O mercado da violência instalado pelo regime do MPLA produziu incontáveis vítimas mortais. Milhares de vidas foram ceifadas na tragédia de 27 de Maio, na Sexta-Feira Sangrenta e em muitos outros momentos da História da Angola Independente. A própria guerra foi um permanente estado de mutilação e destruição de vidas.

As vítimas, todas elas, devem ser lembradas e homenageadas. O perdão mútuo é fundamental. Todos devem perdoar e todos devem ser perdoados, e isto não será conseguido através de decretos, amnistias e outras perversas práticas unilaterais e supremacistas que sempre visam usar o Estado para beneficiar o pequeno grupo que se apropriou do País e que tem recorrido à violência em diversas fases da sua história para se manter no poder.

As instituições do Estado devem realizar todo um processo que, mais do que viabilizar a realização das cerimónias para que as famílias chorem os seus entes queridos mortos à luz dos rituais angolanos, leve também à reconciliação de Angola com os seus libertadores: Álvaro Holden Roberto, António Agostinho Neto e Jonas Savimbi. Nenhum destes líderes dos movimentos libertários conseguiu manter as mãos limpas – cada um deles foi responsável por grandes atrocidades, principalmente os líderes históricos do MPLA e da UNITA.

Precisamos de um memorial que simbolize a homenagem a todos os Angolanos e a todas as Angolanas cujas vidas foram ceifadas por causa das nossas incompreensões e falta de capacidade de “sermos os outros porque eles (os outros) são nós”, e que seja um lembrete de jamais voltarmos à guerra, à selvagem acumulação primitiva do capital e a outros males que mantêm a alma angolana em estado de desequilíbrio cósmico-espiritual.

A reconciliação não deve ser apenas entre Angolanos e Angolanos. Deve ser também um processo de reencontro com a História. Assim, deixaria de haver a falsa classificação de “santos e pecadores”. Deixaria de haver “O Dia do Herói Nacional” e passaria a haver “O Dia dos Heróis Nacionais”. Deixaria de haver a estátua de um único herói no Largo da Independência e passaria a haver lá 3 (ou mais). E poderia haver também um panteão nacional (ou algo próximo disso).

Com a actual governação, porém, os Angolanos continuarão a ser vítimas do grupo de mantém o Estado refém da sua agenda.

O que os Angolanos precisam é de um governo que, comprometido com a transparência, o desenvolvimento, o bem-estar, a democracia e o direito, cumpra com as seguintes tarefas urgentes:

1. Auditoria à toda a dívida pública – visando apurar a quem ou a que o Estado angolano deve e qual o verdadeiro valor da dívida e renegociá-la com os credores devidamente identificados e certificados;

2. Proceder a um repatriamento justo de capital – que, não precisando deixar na miséria aqueles que se locupletaram de fabulosas quantias de dinheiro público, se traduza no retorno do referido capital (em substância) aos cofres do Estado. Este processo deverá ser feito de acordo com uma lei que reflicta um consenso nacional;

3. Reestruturar o processo de elaboração do orçamento geral do Estado, concedendo maiores fatias aos sectores da saúde, da educação e demais categorias do sector social.

Desta forma, Angola terá um novo rumo, alcançando a normalidade como país e, assim, entrar em processo de franco desenvolvimento.

É mister que assim seja.

Desta forma, “os nossos mortos compreenderão então por que morreram, afinal” (Teta Lando).

Mas será este o rumo que João Lourenço quer seguir? Tudo indica que não.

A vitória não é certa. A luta deve continuar.

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