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Quinta, 22 Fevereiro 2018 01:53

Carta aberta aos angolanos que festejaram a morte de Jonas Savimbi

Caríssimos cidadãos,

Recebam os meus melhores cumprimentos.

A 22 de Fevereiro de 2002, vocês gritaram, choraram, comeram, beberam e até fizeram disparos de celebração pela morte de Jonas Savimbi.

Por Nuno Álvaro Dala

Para vocês, o grande culpado pelas desgraças de Angola e dos Angolanos, sim, o monstro, o assassino, o criminoso de guerra, tinha sido abatido. Ele era o único obstáculo à paz e ao bem-estar dos Angolanos.

A festa durou horas, dias, semanas e, em alguns casos, durou meses.

Naquele dia, 22 de Fevereiro de 2002, eu estava em plena aula quando foi dada a notícia da morte do líder fundador da UNITA. Os meus colegas, quase que com perfeição de orquestra, gritaram ruidosamente de júbilo. Parecia que as paredes da sala de aula desabariam. O clima festivo relegou a aula à desimportância, e o professor – tal como eu – parecia ter entrado em estado de depressão, uma reacção que causou estranheza aos colegas, que, exultantes, não compreendiam por que eu, o colega ao meu lado e o professor estávamos tomados de um sentimento complexo, o qual era uma mistura de tristeza, constrangimento e apreensão. É-me extremamente difícil definir o que senti, mas estou certo de que não era alegria.

Ao longo do percurso de regresso à casa, era notável o estado de êxtase que tomara de assalto os cidadãos. Enquanto isto, eu lutava com os meus próprios sentimentos e pensamentos, mas também me intrigava o facto de milhões de indivíduos adultos estarem a celebrar a morte de uma pessoa. Até achei que reagir à notícia com silêncio teria sido a melhor opção. Enfim, lá estava eu mergulhado num mar de indagações que procuravam também compreender a diferença entre festejar a morte de uma pessoa e festejar a paz – uma paz que, pensava eu, fora infelizmente forjada ou conseguida de forma violenta.

Angolanos e Angolanas,

Haja honestidade: para todos vocês que festejaram a morte de Jonas Savimbi, ele era o mal em pessoa, o ser maligno que foi abatido para o bem de todos os Angolanos, os quais passaram a visualizar um país pacífico, próspero e de elevados níveis de bem-estar social.

José Eduardo dos Santos, passou a ser visto como o grande arquitecto que deu a paz aos Angolanos, a personificação do bem.

Um ditado em latim diz: “tempus est optimus judex”, ou seja, “o tempo é o melhor juiz”.

Passados 16 anos, o balanço é inequívoco.

A economia do país cresceu fabulosamente, de tal sorte que a sua taxa de crescimento passou a ser das maiores do mundo. A economia nacional teve a sua mini-idade de ouro.

Entretanto, ao longo de 16 anos de paz (e de ausência de Jonas Savimbi), ficaram evidentes os seguintes factos:

1. DISTRIBUIÇÃO PERVERSA DA RIQUEZA: a vasta maioria da riqueza produzida no País está nas mãos de um restrito grupo indivíduos. Este grupo é composto por José Eduardo dos Santos, Manuel Domingos Vicente, Hélder Vieira Dias Kopelipa, Marta dos Santos, Isabel dos Santos, José Filomeno dos Santos, José Leitão, Higino Lopes Carneiro e outras figuras. Ou seja, pequeníssima minoria tem quase tudo, e uma grandíssima maioria – composta de mais de 20.000.000 (vinte milhões) de pessoas – não tem quase nada. Notem que, salvo excepção, todos estes indivíduos possuem mais de uma nacionalidade, o que quer dizer que a riqueza de Angola está nas mãos de estrangeiros. Aliás, o dinheiro de toda esta gente está domiciliado em bancos no estrangeiro;

2. SAQUE DO ERÁRIO PÚBLICO: ao longo do período 2002-2017, José Eduardo dos Santos levou a cabo uma governação do saque. Enriqueceu todos os seus filhos. Enriqueceu todos os seus colaboradores, alguns dos quais mencionei acima. Notem que ele chegou depois ao ponto de justificar o saque instituído como sendo natural, na medida em que se enquadrava num processo de acumulação primitiva de capital. Para ele, não houve saque. O seu enriquecimento e o da sua clique foi legítimo. O saque atingiu uma tal magnitude, que o seu sucessor, João Gonçalves Manuel Lourenço, pôs às mãos na cabeça em jeito de descrença (ele mesmo, no entanto, também se beneficiou da eduardista acumulação primitiva do capital). Notem que nos últimos dias da seu longo e esquecível mandato, José Eduardo dos Santos ordenou o saque de 500.000.000.00 (quinhentos milhões) de dólares, efectuado pelo seu filo José Filomeno dos Santos (no Banco Nacional de Angola), por um lado, e um outro saque de 500.000.000.00 (quinhentos milhões) de dólares, efectuado pela sua filha Isabel dos Santos (na Sonangol);

3. CRISE SEM FUNDO: depois de anos de crescimento económico fenomenal, Angola entrou em crise em 2015, fruto da redução acelerada do preço do barril do petróleo, por um lado, e do saque desbragado do erário público, por outro, pois, como sabem, quando se faz poupança em tempos de bonança a crise não tem o mesmo impacto. Notem que, apesar da crise dos preços do petróleo ser global, são apenas alguns os países produtores que estão de rastos como Angola, pois, a maioria dos países soube gerir os seus altos rendimentos acumulados durante os anos dourados do petróleo. A dívida externa de Angola aumenta astronomicamente (52% do OGE 2018 será para pagar a dívida). Hoje, uma das soluções encontradas para evitar o naufrágio definitivo da economia passa pelo repatriamento do capital, um processo que, até agora, disso só tem o nome;

4. ELEIÇÕES E MANIFESTAÇÕES: todas as eleições realizadas em tempo de paz foram marcadas pela fraude. Houve fraude em 2008. Houve fraude em 2012. Houve fraude em 2017. O MPLA – através de uma expedita e escandalosa engenharia da fraude – tem-se servido das eleições para se legitimar. À oposição tem restado contentar-se com as migalhas. Por outro lado, as manifestações têm sido inviabilizadas e reprimidas pelas autoridades que, mantendo um estilo neocomunista de governação, têm-se mostrado alérgicas aos protestos públicos, sendo que os raros cidadãos que têm saído às ruas para protestar possuem diversas marcas de agressão nos seus corpos. Nas raras vezes em que cidadãos e activistas protestaram, foi por ausência de alternativa melhor ao regime. As manifestações que não têm sido reprimidas são aquelas de cantar hosanas ao líder do MPLA e as do tipo “chique”, que não incomodam o regime;

5. CORRUPÇÃO: a guerra deixou de ser principal problema de Angola em 2002 e o seu lugar foi ocupado por outros males destrutivos, sendo a corrupção um destes. Em Angola pratica-se corrupção para tudo e a todos os níveis. Do maior corrupto (José Eduardo dos Santos) ao cidadão que pratica a pequena corrupção, o País tem sido dilacerado por este mal, responsável pela sucção de milhares de milhões de dólares e euros. Se o dinheiro despendido por via da corrupção fosse recuperado, seriam eventualmente trilhões, e com estes seria possível pôr fim à crise!

6. ESBULHOS DE TERRAS E DEMOLIÇÃO DE CASAS: governantes e seus familiares e demais pessoas próximas têm esbulhado terras de incontáveis cidadãos, os quais têm sido tratados como estrangeiros na sua própria terra. Por outro lado, demolições selváticas têm sido a marca das autoridades: agravamento das condições de vida, mortes, vida ao relento e outros males têm sido as consequências da acção demolidora do martelo irracional de um governo que não respeita o seu próprio Povo;

7. JUSTIÇA: em tempo de paz, os Angolanos têm visto, sentido e vivido o arfar escandaloso de um sistema de justiça que claramente tem agido para proteger os detentores do poder, seus familiares e demais pessoas próximas. Os saqueadores da nação, os corruptos, os esbulhadores de terras e demais responsáveis pela tragédia angolana têm sido protegidos por uma Procuradoria-Geral da República que os trata como sumidades sacras, ao passo que a mesma e os tribunais têm com todo o zelo processado, julgado e condenado respectivamente os cidadãos que se têm batido por um país melhor. O sistema de justiça tem sido como instrumento de intimidação e perseguição aos Angolanos de bem.

De facto, é longa a lista de nomes de Angolanos que foram e têm sido perseguidos – em tempo de paz – pelo regime através das forças policiais e militares, da Procuradoria-Geral da República e dos tribunais. Muitos acabaram mesmo assassinados: Nfulumpinga Landu Victor, Cheroke, Elias Chacussanga, Isaías Cassule, Alves Camulingue, Hiberto Ganga e outros.

A lista de problemas é infindável: a fome, a doença, a falta de água e de electricidade, o saneamento básico de proporções apocalípticas, a elevada mortalidade materno-infantil, obras públicas de durabilidade esferovital ...

Angolanos e Angolanas,

Há 16 anos, quando vocês, como que cheios de razão, festejaram a morte de Jonas Savimbi, passaram a enxergar o quão paradisíaca seria Angola sem aquele que era por vocês era visto como a encarnação do mal, o grande obstáculo à felicidade do Povo Angolano.

E agora?

Onde está a prosperidade? Onde está o bem-estar generalizado? Onde está a felicidade?

De quem é a culpa pelo estado de tragédia civilizacional em que Angola se encontra?

Vocês festejaram a morte do velho guerrilheiro.

Jonas Savimbi esteve longe de ser um santo. Cometeu erros graves, mas que são compreensíveis sem sacrificar, porém, a verdade e sem deixar de respeitar a dor dos Angolanos que sofreram directa e indirectamente as agruras de uma guerra que durou décadas e cujas causas se foram como esfumando no horizonte do tempo.

Compreender uma pessoa passa por reconhecer as suas virtudes e os seus defeitos. Isto deve ser feito com equilíbrio, o mesmo equilíbrio que facilitaria inferir que um líder que enfrenta desafios de uma conjuntura política marcada por uma guerra de guerrilha não deixaria de cometer erros e até mesmo atrocidades, como também aconteceu com António Agostinho Neto e Álvaro Holden Roberto.

Angolanos e Angolanas,

A guerra não é apenas feita por uma só parte. Mais do que isto, é preciso compreender que vocês, limitados no esforço de identificação e compreensão da causas e implicações da guerra, festejaram a morte de Jonas Savimbi movidos, em parte, pela propaganda do regime.

Durante anos a fio, o grupo que tomou de assalto o poder em Angola e o controla desde 1975 serviu-se dos meios do Estado para demonizar Jonas Savimbi. Seus feitos como um dos obreiros da Independência foram omitidos e seus erros foram superdimensionados, de tal sorte que, mesmo sem questionar, as pessoas simplesmente criam que ele não era apenas o causador dos problemas de Angola, ele era o problema – o obstáculo a ser eliminado.

Mais do que a superdimensionalização dos seus erros e sua transformação em monstro, o regime do MPLA atribuiu-lhe inclusive a autoria de atrocidades que foram propositalmente cometidas pelas Forças Armadas Angolanas. O objectivo era criar as condições políticas que levassem a Comunidade Internacional a tomar as medidas que, com o tempo, resultaram nas sanções da ONU contra a UNITA.

O cerco a Jonas Savimbi e à UNITA começou a nível internacional e terminou em Angola.

Hoje está evidente o que/quem é o grande problema de Angola.

O grande problema de Angola é aquele grupo bem identificado, composto de gente com mais de uma nacionalidade, que – através do MPLA – tem controlado o País há décadas e já demonstrou que é capaz de mergulhar novamente Angola na guerra para se manter no poder.

A todos vocês que festejaram a morte daquele que há quase 30 anos avisou que muitos se ateriam apenas nos seus defeitos e que só compreenderiam a sua luta depois de estar morto, deve ficar claro o seguinte:

O grupo hegemónico conseguiu fazer-vos odiar visceralmente um nacionalista (para quem o Angolano estava em primeiro lugar) e conseguiu fazer-vos amar o engenheiro da fome, do saque, da corrupção e do apocalipse social, bem como o arquitecto desta paz que ainda cheira à pólvora.

E caso tenham mudado de atitude, congratulo-me.

A luta continua.

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