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Sexta, 18 Abril 2014 10:31

Calado Show em entrevista: O humorista em 3D

Combina num só ambiente a dança, a música e a sátira. É das figuras mais referenciadas e irreverentes no panorama humorístico em Angola. Em conversa com o NJ, fala dos seus projectos e de algumas incompreensões que tem sido alvo no seu trabalho. Ele é o Calado, mas é com o seu público que ele fala e dá Show.

Hoje é uma referência dos humoristas em Angola. Como é que avalia a sua trajectória?

Até agora, graças a Deus, é óptima. Porque desde que comecei tenho dado passos firmes e felizmente têm surtido efeito. Uma das coisas que sempre almejei e isso aparece como consequência do meu trabalho é o reconhecimento do público e de todas as pessoas envolvidas directa ou indirectamente no meu trabalho. E hoje, em qualquer actividade para a qual sou convidado, sinto um feedback positivo independentemente do número de espectadores presentes. E eu próprio devo dizer que, até ao momento, considero como sendo positivo o conjunto das minhas performances.

Ainda assim, deverão existir alguns sobressaltos. Como os tem ultrapassado?

Com certeza. Quando há sucessos, há também algumas coisas que não correm bem, como é natural. Diz-se que "em bons lares também há dissabores". Então com o artista não é diferente. Estamos num país novo onde ainda existem muitas dificuldades para determinados tipos de trabalho. E então é necessária muita ginástica para podermos encaixar o nosso trabalho, da melhor maneira aqui e ali. Temos às vezes de ser agentes de nós mesmos para penetrarmos noutros mercados. Daí que o objectivo não é parar mas sim ultrapassar as dificuldades que surgem, que são naturais no ser humano. Sendo certo que, procuro sempre fazer o meu melhor para satisfação de quem espera e recebe o meu trabalho.

É usual dizer-se que "fazer rir é mais difícil do que fazer chorar. Porque optou pelo humor como profissão?

Não foi uma opção imediata ou sequer premeditada. Apareceu naturalmente como consequência daquilo que gosto de fazer e quando dei por mim já estava em cena. Hoje brinco em palco e a minha brincadeira é remunerada. Não que seja algo traçado como disse antes. Gosto desta arte e sempre que possível hei-de lhe dar continuidade. "Cabrito come onde está amarrado" e essa máxima aplica-se também a mim, que gosto do faço e tenho que ganhar a vida com o humor.

Tendo em conta o diz, pode-se dizer que já vive do trabalho que faz?

Com ou sem dinheiro faria o que faço por ser algo de que gosto muito. Já faz tempo que tenho conseguido viver do humor e vou fazendo isso sempre que posso. Enquanto viver e respirar é algo que sempre farei. Embora antes de me tornar humorista profissional, me dedicasse à minha área de formação que é a Cinotecnia. Durante muito tempo trabalhei com cães, como adestrador, quer na polícia como por conta própria. Mas a dança e o humor, diga-se, sempre foram a minha praia.

O Calado hoje já não actua só em Angola como também tem estado a experimentar palcos internacionais. Como é que tem sido a experiência?

Quando falamos em palcos internacionais não significa que estejamos a ir actuar para estrangeiros, embora um ou outro assistam. Mas o primeiro objectivo é mostrar e levar o nosso trabalho às comunidades angolanas residentes neste ou naquele ponto do globo. A recepção tem sido boa pelos países por onde passei e há outros convites em vista para outras localidades. Ainda este ano, tenho agendadas as comunidades da África do Sul, Moçambique, Namíbia, Estados Unidos da América e Inglaterra.

Aparece em palco sozinho e junta num único cenário a dança, o canto e as anedotas. Esse trinómio dispensa a presença física de outros elementos que queiram ou tenham a pretensão de trabalhar consigo em grupo?

Sinto-me bem sozinho, sem desprimor nenhum a quem trabalhe em grupo. Trabalho com o momento, com a espontaneidade e como contador de anedotas. E isso permite que faça as minhas coisas a solo. E como se diz que em equipa que ganha não se mexe…

Há segredos para se ser humorista, há requisitos? Nasce-se ou faz-se humorista?

Não diria que há segredos mas acredito que há alguns itens indispensáveis. Posso apontar alguns, como a inteligência, a perspicácia, a espontaneidade, a criatividade e muita atenção aos detalhes. Porque muitas vezes estando em palco e à medida que o público vai recebendo a minha comunicação, posso alterar ou não aquilo que tinha delineado à partida. Tudo isso em função do feedback do público, para não acontecer, por exemplo, bloquear. Daí que o humorista tenha de ter a capacidade de fazer a leitura dos seus espectadores. Não é tarefa fácil. E mais do que isso, é preciso trabalhar arduamente. Há pessoas que nascem com o talento e há outras que buscam e procuram alcançar o talento com trabalho e dedicação. Não se aprende a ser humorista. Aprende-se a ser comediante, actor ou cineasta, mas humorista não.

Quais as diferenças?

Há actores que interpretam papéis de comédia, mas não são humoristas. O humorista é espontâneo e trabalha com o momento; já o actor trabalha com um guião predefinido. O humorista é capaz de fazer um show ou provocar o riso nas pessoas com aquilo que está a ver. O contrário é pouco provável, sem que se tenha uma base a seguir.

Do Cisco a Calado Show quais são as grandes diferenças que se podem apontar ao humor que se faz actualmente?

Há enormíssimas diferenças. Cada gesto, cada movimento que o Cisco fizesse, mesmo sem contar ainda qualquer piada, as pessoas riam-se. É do tipo que se diz "foi o homem, mas ficou a sua obra". No caso dele ficou a sua arte. Para atingirmos o patamar que atingiu é necessário muito trabalho. E percebia- se que ele não se esforçava para fazer aquilo. Era tudo natural e espontâneo. A criatividade estava na ponta da língua. São esses aspectos que as pessoas devem perceber. Ele era exímio no que fazia e bastava olhá-lo e as pessoas logo se lembravam dalguma dica ou piada dele. Tudo isso porque ele construiu, galgou, pelejou, não preocupado com o momento mas com a arte. Cresci a ver o Cisco e sempre procurei fazer o mesmo, embora não igualando-me a ele. Ele era característico, tinha um timbre de voz muito próprio, enfim; o que procurei foi ser diferente, reconheço o seu trabalho e sigo os seus exemplos.

O humor em Angola tem futuro?

A meu ver sim. Já houve tempos em que não fazíamos humor. Depois da morte do Cisco, pouco tempo antes da Turma Cómica dos Segredos e outros, depois ficámos um tempo sem humoristas. É na época quando desabrocharam os Tunezas, eu próprio. Diferentes daquilo que se fazia antes. Antigamente quando fossemos convidados para estar num espectáculo, era para dez, quando muito quinze minutos. Hoje já temos a ousadia de fazer um show inteiramente só de humor. Só para exemplificar, o último que fiz no Centro de Conferência de Belas, teve uma adesão de cerca de três mil pessoas. Dá para perceber que as coisas estão a mudar. Antes aparecíamos integrados num show musical, hoje a realidade mostra outra coisa. Quero com isso dizer que temos futuro, já apresentamos qualidade ao nosso público-alvo. É verdade, há muito caminho ainda por percorrer e a cada dia que passa, vamos solidificando a nossa carreira. E não só. Já não somos apenas convidados. Já somos cabeças de cartaz com os nossos próprios convidados.

O que é que falta para que os humoristas em Angola de uma maneira geral apresentem nos seus números sátiras de cariz político, como uma forma de fazer rir mas também de intervenção social?

Não sei, cada um tem a sua forma de pensar, agir e de passar aquilo que vive. Normalmente, retrato aquilo que vivo embora esteja inserido num meio social, onde há a vertente politica que tem a ver com a minha vivência cá. Mas para mim pessoalmente é indiferente. Prefiro ser mais terra a terra, falar de um artista, do meu passado, como vivia, dos meus amigos, dos vizinhos enfim. Retrato coisas que mais se identificam com as minhas cenas. Como sei à partida que este é o meu forte, vou aplicando isso e fazendo o meu show.

E mesmo a falar de artistas, nem todos recebem a brincadeira com o mesmo sentido de humor, como foi o caso do Abdiel do "Elenco de Luxo". O que tem a dizer?

Quem sou eu para agradar a gregos e a troianos? Tenho consciência d isso e procuro simplesmente fazer o meu trabalho e agradar o máximo número possível de pessoas. Não posso agradar a todos. Cada um tem determinado ponto de vista, tem a sua opinião própria, para avaliar positivamente ou não o que eu faço. É preciso que aceitemos as diferenças face aos posicionamentos de cada um. Mas ainda assim sinto que sou acarinhando por muitas pessoas. Prova disso são os resultados dos meus shows. Sendo que, o tempo e o que ouço das pessoas serve de barómetro, serve-me para poder verificar a evolução das minhas performances, daquilo que é o meu trabalho. Vejo se há ou não melhorias.

Mas o que se passou de concreto?

Já vou lá chegar. Há pessoas que as vezes têm a mania de avaliar o artista pura e simplesmente. Ele é o artista e mais nada. Podemos falar, espezinhar e tudo mais. Mas acima de tudo somos responsáveis e pessoas tal como são os outros, com princípios e valores. Este rapaz a que fez referência, não o conheço pessoalmente. Houve uma situação no facebook e não dei muita importância porque não sou de dar atenção a palhaçadas nem muito menos a coisas que não me fazem bem. Porque quando tiver que brincar, brinco com os meus filhos em casa. Houve uma situação em que ele "beefou" um tal Calado. Porque se abrir o facebook vai encontrar mais de cinco contas em nome de Calado Show. Logo, o Abdiel tem é problemas com um desses calados e não com o legítimo. E depois tive fazer um comentário numa quarta porque os telefonemas eram muitos e achei conveniente pronunciar-me. Mas o fundo da questão é que até hoje não sei o que se passou. E como até agora nem ele próprio me chamou, acho que um dia desses vou contactá-lo para esclarecermos tudo isso. Claro que é o meu nome que está em jogo e nós todos temos direito a manter o nosso bom nome.

Tem alguma rixa ou algum desentendimento com outros artistas?

Não. Esse é o meu trabalho. Não tenho nenhum outro oficio que não o humor. E procuro arrancar o sorriso das pessoas de qualquer jeito, positivamente. Todas as pessoas a quem me referi na música "Se dinheiro fosse…", lidam comigo normalmente. E cada um deles, sempre que possível, convida-me a estar presente nas suas Algumas pessoas têm a tendência de ver as coisas do lado negativo. Sem conseguirem reconhecer que aquilo é o meu trabalho. E como referi anteriormente "o macaco come onde está amarrado". A nossa sociedade é recente, mas há quadros em que, à medida que o tempo vai passando, tendem a alterar-se. Esse é mais um.

O seu humor vai continuar a estar próximo do seu público?

Sim. Estamos agora quinzenalmente todas as quartas-feiras no Belas Shopping. A estratégia é também de levar os espectáculos aos bairros, tendo em conta as dificuldades de horários e de locomoção das pessoas. É assim que vamos começar em Luanda, com o Golfe, depois Viana, a seguir Cazenga e depois Kilamba. Posteriormente as demais províncias.

NJ

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